UM TERRITÓRIO: Mangal
Por Ana Gualberto
A comunidade remanescente de quilombo de Mangal está situada em uma faixa de terra na margem do médio Rio São Francisco, município de Sítio do Mato (BA). O território quilombola está entre as fazendas Barro Vermelho, Talismã e Vale Verde, limitando-se hoje a uma área de 174 hectares, onde residem aproximadamente 140 famílias.
Nos registros históricos relativos a essa região, constam informações de existência de quilombos e mocambos, já que a região é de difícil acesso. Entretanto, as narrativas da comunidade apontam em outra direção. A memória do grupo conta que sua comunidade e seu território teriam se constituído por meio de uma doação de terras da fazenda de gado de Mangal, que pertencia a um fazendeiro conhecido como capitão João. Segundo o grupo, esse Capitão tinha uma filha, Gertrudes, que se envolveu amorosamente com um vaqueiro escravo que trabalhava em sua fazenda. O pai então se afasta da fazenda para não testemunhar a união indesejada de sua filha. Porém, depois de alguns anos, Gertrudes abandona as terras, doando-as a Nossa Senhora do Rosário, indo juntar-se a seu pai.
A doação acontece no período pós-abolição da escravatura e teria sido registrada em um cartório do município de Correntina. Mas, segundo os quilombolas, tal documento teria sido adulterado, ocasionando mudanças nos limites territoriais da área da comunidade. Todos os moradores de Mangal conhecem os marcos territoriais das terras quilombolas. No entanto, hoje grande parte da área está em posse de outros fazendeiros.
Com essa diminuição da área, vários quilombolas foram obrigados a mudar para outros locais, como os municípios de Bom Jesus da Lapa e Paratinga. Apesar da redução do território e de sua população, os quilombolas de Mangal resistem à pressão das fazendas vizinhas e atribuem essa resistência à fé na padroeira, Nossa Senhora do Rosário, que não permitiu que a comunidade se extinguisse.
Mangal foi titulada em 30 de janeiro de 1999 pela Fundação Cultural Palmares, órgão responsável por todo o processo de reconhecimento e titulação das comunidades quilombolas na época.
Hoje, os quilombolas também lutam pela educação diferenciada. Segundo Carlos Alberto Gomes, quilombola de Mangal: “Os professores antes eram das vilas. Hoje são da comunidade, conhecem nossa história.”
Além disso, recentemente, integrantes da comunidade de Mangal têm se articulado a outras redes da sociedade civil e dos movimentos sociais, como ribeirinhos, caiçaras e indígenas, contra o projeto de transposição do Rio São Francisco, do Governo Federal. Alguns pontos criticados são a instalação de usinas e barragens, o desrespeito à opinião das comunidades tradicionais que habitam a bacia do São Francisco e a maneira autoritária como o governo tem tratado o assunto.
Carlos Alberto afirma que o projeto trará problemas: “Todo ano, plantamos na vazante do rio. Com a transposição, tenho certeza de que não vai mais banhar as terras, e o sustento da gente é esse, da vazante. Sem o rio, vamos ter que plantar de seis em seis meses, e isso se for ano bom de chuva.”
Fonte Bibliográfica
Relatório de Identificação da Comunidade de Mangal (BA), de Marcos Luciano Lopes Messeder e Marco Tromboni Nascimento. Salvador: FCP, 1998. Porantim. Ano XXVIII. Nº 294. Brasília, 2007.
FONTE: Boletim Territórios Negros, v. 6, n. 26, nov./ dez. 2006