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Proteção da vida. Tá, mas pra quem?

Ana Gualberto
Iyá Oju Omo Ilê Adufé
Coordenadora de ações com comunidades tradicionais de KOINONIA
Editora do Observatório Quilombola

Centro da cidade de Alcântara. Divulgação

Enquanto o mundo inteiro se mobiliza para salvar e proteger as pessoas, o saco de maldades do governo do ódio, que comanda o Brasil, coloca em prática mais planos de exterminio do povo preto e do povo quilombola. Não é somente na fragilização e desmonte das políticas de saúde que atingem, principalmente, as áreas periféricas e rurais. Não é somente na falta de saneamento básico e na inexistência de ações de inclusão social. Não! Também puxa o tapete de sua base territorial, o chão, o espaço de vida e reprodução.

No dia 26 de março, o Gabinete de Segurança Institucional (GSI) publicou, no Diário Oficial da União (DOU), a Resolução 11/2020, que estabelece diretrizes para a expulsão e reassentamento dos quilombolas de Alcântara, no Maranhão. Pasmem: Em meio a pandemia e enquanto o chefe do GSI está em quarentena, pois está infectado pelo Covid-19!!! Ainda assim ele coloca pra andar o plano de extermínio contra o povo quilombola!

Vocês lembram dos casos de comunidades quilombolas que estão em áreas de interesse militar? Relembrando rapidinho: são três grandes casos, dois em conflito com a Marinha, quilombos da Ilha da Marambaia (RJ) e Rio dos Macacos (BA) e um com a Aeronáutica, território quilombola de Alcântara que congrega 30 comunidades.  O Caso na Marambaia[1] foi “resolvido” em 2015 com a titulação de parte do território. A gestão da ilha permanece com a Marinha regulada por um Termo de Ajuste de Conduta (TCA), mas será que está tudo bem por lá? Isso é pauta para outro texto. O caso de Rio dos Macacos[2], mesmo com garantia de parte muito pequena do território, a gestão da Marinha impede a continuidade da vida comunitária, impede o acesso à água e áreas comuns, fundamentais para sobrevivência da comunidade. Os embates continuam, e a situação da comunidade é de extrema vulnerabilidade.

Foto: Conaq

Sobre Alcântara é fundamental entender o que está em jogo, além do exterminio desse símbolo de luta e resistência que são as comunidades quilombolas. Com território ocupado desde século XVIII pelo povo negro, a comunidade continua a lutar pela garantia de seu espaço. Segundo o Mapa dos Conflitos envolvendo justiça ambiental e saúde no Brasil[3]:

‘De acordo com a Nova Cartografia Social da Amazônia, o programa aeroespacial brasileiro foi iniciado na década de 1980 e a escolha de Alcântara como local para a construção do Centro de Lançamento de Alcântara (CLA), veio acompanhada de desapropriações e expulsões dos quilombolas que ocupavam a região, além de sua remoção para agrovilas construídas pela Aeronáutica, que não contavam sequer com saneamento básico. Famílias e laços de amizade não foram respeitados na definição dos novos locais de assentamento, separando as pessoas e rompendo suas relações e tradições. A perda do espaço tradicional também gerou violações ao direito de manutenção à cultura quilombola, insegurança alimentar, proibição de livre circulação no território, falta de acesso às políticas públicas de educação, saúde, saneamento básico e transporte.’

Bom, essa questão com Alcântara não é nova, são mais de 20 anos em que os diversos governos vêm negociando com outros países, principalmente com os EUA a exploração do CLA, mas no ano passado foi aprovado acordo prevendo a cessão da base de lançamento de foguetes e satélites para os Estados Unidos. No entanto, o governo federal negava a possibilidade de remoção das famílias, mas como a gente sempre soube de que lado este governo está, a resolução assinada pelo general Augusto Heleno, chefe do GSI, declara isso publicamente.

Foto: Valter Campanato (Agência Brasil)

As diversas organizações que lutam pelos direitos das comunidades quilombolas se manifestaram imediatamente e estão buscando formas de impedir tal ação. Mesmo havendo regras que afirmam que as comunidades precisam ser ouvidas e consultadas, de acordo com a nossa Constituição, com a Convenção 169 da OIT e com a Política Nacional de Povos e Comunidades Tradicionais, pelo documento publicado no DOU, percebemos que a possibilidade de negação não é nem considerada. Não houve diálogo. Se determina o reassentamento das famílias, ponto final. Esta é a forma de ação deste governo que nega o direito das minorias e não se importa com o legado dos grupos étnicos/raciais existentes em nosso país.

Espero que em breve eu esteja aqui escrevendo para vocês que esta ação foi suspensa e que o povo guerreiro de Alcântara continua na luta para permanecer em seu território ancestral. De uma coisa tenho certeza: a comunidade e seus aliados irão até as últimas consequências buscando manter o direito quilombola. E novas formas de luta serão inventadas e reinventadas. As sementes da ancestralidade manterão os quilombos e quilombolas em resistência, vivos e vivas!

[1] Saiba mais acessando: http://www.koinonia.org.br/atlasquilombola/comunidades/RJ/ilha-da-marambaia/667/ e https://koinonia.org.br/oq/2019/02/11/dossie-marambaia/

[2] Saiba mais acessando: http://www.koinonia.org.br/atlasquilombola/comunidades/BA/rio-dos-macacos/3165/http://cpisp.org.br/rio-dos-macacos/

[3] http://mapadeconflitos.ensp.fiocruz.br/?conflito=ma-comunidade-quilombola-de-alcantara-continua-luta-contra-o-centro-de-lancamento-e-pelo-seu-direito-de-ficar-na-terra

Ana Gualberto

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