Instituto do Meio Ambiente de SC é condenado por racismo institucional
Decisão da Justiça Federal ainda prevê multa de R$ 100 mil em favor da Associação Quilombola Vidal Martins, localizada em Florianópolis
Por Larissa Neumann
O impasse envolvendo a licitação do Instituto do Meio Ambiente (IMA) de Santa Catarina para a administração do camping no Parque Estadual do Rio Vermelho, em Florianópolis, ganhou um novo capítulo neste semana com a condenação do instituto pela Justiça Federal por racismo institucional contra a Associação Quilombola Vidal Martins.
A decisão, a pedido do Ministério Público Federal (MPF), ainda fixa valor da indenização em R$ 100 mil em favor da associação e também determina que a gestão do parque e do camping da área — que está fechado desde novembro de 2018 —, na temporada 2019/2020, seja feita por meio de convênio entre o IMA e a associação da comunidade quilombola.
Foi determinado prazo de 10 dias para o cumprimento da decisão, sob pena de pagamento de multa de R$ 10 mil ao dia.
— Houve a prática de racismo institucional, na forma de excluir a comunidade quilombola da administração do parque, local do qual a comunidade teria sido expulsa na década de 70, o que é um fato grave, e gera danos morais, já que a comunidade havia se preparado, tendo aberto conta bancária e providenciado inúmeros documentos, a fim de participar da licitação — diz a sentença do juiz federal Marcelo Krás Borges, da 6ª Vara Federal de Florianópolis.
Conforme o Ministério Público de SC, a decisão ainda pondera que “tendo sido frustrada a participação da comunidade quilombola (na licitação aberta pelo IMA), tenho que houve discriminação institucional, de forma a violar a Constituição Federal, que proíbe o racismo”.
O juíz também ressalta, na decisão, que “não é possível conceber que o instituto da licitação seja utilizado para excluir comunidades quilombolas, pois estas já sofreram atos de discriminação no passado, não podendo o racismo vir a se repetir sob a forma de procedimentos de licitação, que não contemplam as especificidades da comunidade quilombola”.
Contraponto
A presidente da Associação Quilombola Vidal Martins, Helena Vidal de Oliveira, afirmou que a decisão é justa e que, até o momento, o IMA ainda não encontrou em contato com a comunidade.
— É bem justa por todo o constrangimento, humilhação e racismo que a comunidade vem sofrendo pela parte do IMA, em não articular com a comunidade, não reconhecer a comunidade e frustrando a comunidade várias vezes com promessas de que a gente ia fazer a gestão do camping e depois, desrespeitosamente, descumprindo. Isso fez com que a comunidade tivesse vários gastos e expectativas. É mais do que justo depois de tudo o que aconteceu com a comunidade — disse em entrevista ao Diário Catarinense nesta sexta-feira.
Helena ponderou ainda que a associação tentou fazer vários acordos com o IMA, mas todos sem sucesso.
— Eles sempre recorrem para tentar ganhar tempo e com isso deixam a comunidade esperando e sem renda, a gente tem a gestão do camping como meio de renda para toda a comunidade. Eles não nos procuraram ainda e, pelo que a gente soube, eles vão tentar outros recursos, mas a comunidade está aberta para conversar — concluiu.
Já o IMA informou, por nota, que vai recorrer da condenação e que “em momento algum o Instituto impediu a participação de quaisquer entidades no processo de seleção para gestão do Camping do Rio Vermelho”. Afirmou ainda que o IMA é “um órgão plural que prima e segue a legislação, sem beneficiar ou prejudicar quaisquer entidades” e que “repudia a acusação de racismo, considerando que o órgão esteve disposto a ouvir a comunidade e a buscar uma solução para este impasse, sempre respeitando o que determina a legislação”.
O Instituto destacou ainda que “não há qualquer intenção em prejudicar a comunidade e é evidente o problema social existente, como de outras comunidades em Florianópolis”. Disse ainda que “não se pode admitir é que o IMA, órgão integrante do Sistema Estadual do Meio Ambiente, deixe de observar procedimento previsto na legislação a fim de gerir atividade dentro de uma Unidade de Conservação de Proteção Integral, e as normas legais que regem a gestão de bens públicos”.
Entenda o caso
Na gestão passada, quando o IMA ainda era Fatma, havia sido prometido que a gestão do camping seria feita pela associação Quilombola. No entanto, o entendimento da atual administração foi diferente e, na justificativa de isonomia na escolha de quem iria administrar uma área pública, foi aberta uma concorrência pública com carta-convite. No entanto, o MP entendeu que, como estudos mostram que essa comunidade foi expulsa do local há décadas, a associação teria direito na administração do camping.
Conforme as referências da sentença judicial, “a proposta foi muito bem recebida, pois a gestão oportunizaria empregos (ainda que sazonais) para os membros da comunidade e a possibilidade de interação com a área e com as demais associações, além do desenvolvimento de projetos culturais”.
Em outubro do ano passado, em uma reunião feita na sede do MPF, em Florianópolis, se discutiu a participação da comunidade na gestão do espaço. No encontro também teriam sido discutidas outras possibilidade de trabalho, como a contratação de pessoas da comunidade por outra instituição, já que a gestão do camping tem como requisito o atendimento de vários itens, responsabilidade e, especialmente, controle de contas e prestação final.
Conforme o MP, a comunidade teria preferido a gestão própria e, ao fim da reunião, teria ficado ajustado que seriam feitas as tratativas necessárias para o futuro convênio. No entanto, “a comunidade foi surpreendida pela realização, no IMA, de uma concorrência pública do tipo carta-convite, organizada pela diretoria de unidades de conservação com enorme agilidade, evidentemente para impedir a solução encontrada também pelo atual presidente do órgão e pela procuradoria jurídica (convênio com a comunidade)”, observa a decisão da Justiça Federal.
O fundamento judicial ainda lembra que “para não perder a oportunidade, a associação apresentou proposta na carta-convite, mas foi preterida, apesar de concorrer com apenas uma outra associação, a Ecopaerve, ONG que já fazia a gestão da trilha existente no Parque”. Mas “a avaliação das propostas revelou – constatação em nova reunião no MPF – a evidente intenção de afastar a comunidade da gestão do camping”.
FONTE: NSC Total em 27/09/2019