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UM POUCO DE HISTÓRIA: A Roda dos Enjeitados e a escravidão

Por Ana Gualberto

Roda dos Enjeitados era uma portinhola que ficava na entrada das Casas de Misericórdia, onde eram depositadas crianças abandonadas pela família. A utilização deste recurso foi uma prática vinda da Europa para os países colonizados. No Brasil não foi diferente, junto com a colonização portuguesa veio a instituição das casas de acolhimento destas crianças. O motivo para o abandono era variado, desde falta de recursos para a criação dos pequenos, gestação indesejada, até o desejo de uma possibilidade de vida melhor para as crianças. Este último muito utilizado pelas escravas, já que de acordo com a legislação portuguesa de 1775, crianças entregues aos cuidados das casas de acolhimento, mesmo negras, eram consideradas ingênuas, portanto, livres.

A estrutura de funcionamento de tais casas consistia na entrega das crianças aos cuidados de ‘amas’, pessoas que recebiam um pagamento por tal serviço e deveriam manter as Casas de Misericórdia informadas sobre crianças, mas esta estrutura não garantia um controle do que acontecia aos enjeitados. Desta forma, muitas crianças simplesmente desapareciam ou eram dadas como mortas, sem nenhuma investigação. No período de 30 anos, de 1790 a 1820, o preço de um escravo em idade de trabalho aumentou oito vezes, fazendo das crianças negras entregues as Casas de Misericórdia um atrativo para ‘amas’ mal-intencionadas. Muitas crianças foram vendidas como escravos, retornando assim ao destino que suas mães tentaram evitar para elas. Este era apenas um dos possíveis destinos das crianças enjeitadas, a reescravização.

Na tentativa de evitar isso, a Casa de Misericórdia de Salvador, implantou um sistema de obrigatoriedade de visitas às residências das criadoras, o que fez com que em 20 anos os desaparecimentos de crianças passassem de 17 por ano em 1810, para 2 casos em 1830. Estas visitas possibilitaram o resgate de algumas crianças em condições indevidas.

Em 1828 o pardo Francisco foi encontrado na casa de sua criadora trabalhando como escravo. O menino foi retirado da casa e enviado aos cuidados de outra ama. Outro exemplo foi Florinda Maria, que após ser resgatada narrou sua situação aos irmãos da Casa de Misericórdia. Ela informou que desde muito pequena foi condenada a trabalhar na roça como se fosse escrava, apesar de seu nascimento livre. Outro exemplo do risco que as crianças corriam é o caso de Agostinho Pereira que aos 14 anos foi raptado durante uma viagem. Por ser negro, o menino foi tratado como escravo por seus raptores. Somente quando chegou a idade adulta, foi que ele conseguiu recorrer às autoridades para que o libertassem e pagassem o que era devido pelo injusto período de cativeiro.

A partir de 1830 a legislação foi alterada visando uma maior punição para os casos de venda e escravização dos menores expostos. Entretanto, para garantir as medidas era necessário um controle efetivo, o que não era feito. Não podemos comprovar o que de fato aconteceu com os desaparecidos, se realmente morreram ou foram vendidos como escravos para outros estados. Ou se trabalhavam em casas ao lado das Casas de Misericórdia, nas barbas dos que deveriam garantir seu direito à liberdade.

Fonte Bibliográfica: VENANCIO, Renato Pinto. Famílias abandonadas, Papiros, 1999.

FONTE: Boletim Territórios Negros, v. 8, n. 33, mar./abr. 2008

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