UM TERRITÓRIO: Santana
Por Ana Gualberto
A comunidade quilombola de Santana se localiza a nove quilômetros da sede do município de Quatis, estado do Rio de Janeiro. Formou-se a partir da Fazenda da Grama, pertencente ao Barão do Cajuru.
Com a morte do barão, sua filha Maria Isabel de Carvalho entregou um terreno para cada escravo, com a condição de que as terras não poderiam jamais ser vendidas ou doadas, como consta no documento de doação de 8 de setembro de 1903.
A origem do nome da comunidade vincula-se à construção da Capela de Sant’Ana. Segundo os quilombolas, Elisabeth, filha de Maria Isabel de Carvalho, parava todos os dias no caminho para a escola, em uma grande moita. Dizia conversar com uma moça que por ela esperava. Entretanto os escravos que a acompanhavam, não viam ninguém, somente a menina. Um dos escravos comentou com Maria Isabel o que estava ocorrendo. A mãe então resolveu acompanhá-la; quando Elisabeth foi para a moita, como de costume, a mãe a seguiu e verificou que ela estava sozinha, embora afirmasse estar conversando com uma moça bonita, chamada Ana. Alguns dias depois, a menina ficou doente, vindo a falecer em seguida. Em homenagem à Elisabeth, a mãe mandou construir em 1867 uma capela no lugar indicado pela menina e deu-lhe o nome de Capela de Sant’Ana.
Nas terras da Comunidade Quilombola de Santana, existem, além da Capela de Sant’Ana, outros sítios históricos que são motivo de orgulho para todos por comprovarem a antiguidade do local. Dentre eles, destacam-se as ruínas do casarão, sede da fazenda do Barão do Cajuru e o cemitério local, ainda mais antigo do que a capela. Nela encontram-se quatro lápides, a mais antiga data de 1869.
Logo após a entrega das terras aos ex-escravos, iniciaram os problemas para manter a propriedade. Há relatos de que alguns moradores pediam dinheiro emprestado aos fazendeiros para financiar despesas familiares, e depois entregavam as terras para quitar a dívida. Muitos desses quilombolas hoje moram na cidade de Quatis.
A comunidade quilombola de Santana atualmente luta para retomar suas terras, que estão nas mãos de fazendeiros, e busca alternativas de sobrevivência, já que não consegue mais produzir para sua subsistência. A comunidade vive em oito hectares da área da fazenda, o que equivale a quase 1% do território, segundo o laudo da Fundação Cultural Palmares (FCP). Quanto ao processo de regularização fundiária, o caso de Santana é bem peculiar. Em 1999, a Fundação Cultural Palmares, órgão responsável pelo processo na época, emitiu o título de propriedade, mas este não pôde ser registrado em cartório, uma vez que lá havia uma sobreposição de títulos de domínio particular. O cartório solicitou à FCP a apresentação de diversos documentos para que o registro da terra pudesse ser feito, mas o material solicitado nunca foi encaminhado e a comunidade continua aguardando uma solução.
Hoje, com a nova legislação, a comunidade teve que iniciar um novo processo de titulação, desta vez a cargo do Incra. Os quilombolas de Santana estão bastante vulneráveis sofrendo diversas ameaças, desde incêndios criminosos até a tentativa de assassinato do líder da comunidade por dois homens encapuzados, no dia 1 de fevereiro de 2006. Os problemas são grandes, mas a luta e a esperança também. Mesmo com todas as dificuldades, a comunidade sobrevive e acredita na justiça de nosso País.
Fonte Bibliográfica: Relatório de Identificação da Comunidade de Santana. Osvaldo Martins de Oliveira. Convênio entre FCP e Instituto de Terras do Rio de Janeiro. 1998 Reportagem da edição de nov/dez 2005 do Observatório Quilombola: “Incêndio e ameaças reacendem debate sobre regularização fundiária da Comunidade de Santana (RJ)”.
FONTE: Boletim Territórios Negros, v. 6, n. 24- 25, jul./out. 2006