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UM POUCO DE HISTÓRIA : Santos Negros: exemplos de fé e de incentivo à luta

Por Ana Gualberto

Não é novidade afirmar que a religião foi uma das formas utilizadas para controlar a população escrava. Uma das justificativas para a escravidão era justamente a possibilidade de apresentar aos africanos a verdadeira religião, o cristianismo, salvando-os de sua religiosidade africana, chamada de bárbara. Entretanto, é preciso analisar mais diretamente a propagação da devoção aos Santos Negros no Brasil.

No século XVII, com o aumento do tráfico escravo, o contingente de africanos e seus descendentes já era o maior da colônia. Esse aumento populacional atendia à demanda por maior produtividade, mas também trazia muitas preocupações. A população escrava precisava ser controlada, pois o risco de rebeliões sempre rondou os pensamentos dos escravocratas, principalmente depois do enfrentamento do Quilombo dos Palmares.

Assim, a disseminação da vida e da imagem de santos negros cai como uma luva nesse momento em que é necessário dar exemplos de condutas aos escravos. Exemplos de religiosos negros tementes a Deus e à Igreja, que aceitavam sua função estabelecida pela ordem social, atendiam perfeitamente essa demanda, indo de encontro à conjuntura que solicitava da Igreja uma colaboração para a manutenção da ordem social.

Várias obras foram produzidas por padres divulgando a vida de São Benedito, Santo Antônio de Noto, São Elesbão e Santa Efigênia, todas voltados a um público especifico: os escravos. Em seu livro sobre São Benedito e Santo Antônio de Noto, de 1726, o padre José Pereira Baião afirma que a divulgação da vida dos santos é um estímulo à fé: “o mesmo fruto espero em Deus que há de causar nos fiéis destes dois gloriosos Santos Pretos, especialmente nos de sua cor…”

São Benedito era filho de escravos, trabalhava como cozinheiro, despenseiro e guardião no convento franciscano de Palermo. Ele distribuía aos pobres os mantimentos que retirava da despensa do convento. Segundo seu biógrafo Frei Apolinário, que divulgou sua vida no Brasil em 1744, “apesar da cor preta”, suas virtudes o levaram ao caminho da santidade. Seu culto começou no Brasil antes de sua canonização, que ocorreu em 1807.

Santo Antônio de Noto era de Guiné, filho de mouros, nascido e criado sob a lei de Maomé. Segundo a história propagada pela Igreja, para ele foi uma grande felicidade ser vendido com escravo para Sicília, pois lá pôde conhecer o cristianismo e se livrar da religião mulçumana. Lá renunciou seu nome islâmico e assumiu o nome Antônio. Também teve sua vida marcada por virtudes e inúmeros milagres. Santa Efigênia era uma princesa da Núbia. Após ter se convertido ao cristianismo, teria sido batizada pelo apóstolo Mateus. Tornou-se religiosa, abstendo- se dos prazeres mundanos e dos bens materiais oferecidos pela realeza a que pertencia, e fundou uma comunidade religiosa à qual se dedicou até o final de sua vida. Sua história foi contada em 1738 pelo frei carmelita José Pereira de Santana.

Apesar da intenção de impor um controle ideológico aos escravos, a identificação com os Santos Negros e sua devoção serviu para propiciar um outro espaço de articulação. Com a formação das Irmandades Negras e a presença nas festividades religiosas em homenagem a esses santos, os escravos encontraram novas maneiras de participação na sociedade. Em outras palavras: embora o objetivo principal da Igreja ao fornecer esses exemplos de conduta fosse fazer com que os escravos aceitassem sua condição escrava, a fé em seus padroeiros e padroeiras foi mais um incentivo para lutar pela liberdade.

Fonte Bibliográfica: Revista de História da Biblioteca Nacional ano 2 nº 20 (maio de 2007): “Negra devoção”, OLIVEIRA, Anderson José Machado.

FONTE: Boletim Territórios Negros, v. 7, n. 29, maio/jun. 2007

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