UM POUCO DE HISTÓRIA: Terras de uso comum: “terras de preto”
Na década de 1980 a Campanha pela Reforma Agrária ganhou grande impulso e foi acompanhada de uma série de lutas por terras específicas, diferente da luta dos pequenos proprietários ou dos trabalhadores assalariados. Esse foi um momento de avanço dos movimentos camponês, indígena e de categorias de trabalhadores até então com pouca representação, como os “atingidos por barragens”, seringueiros e garimpeiros.
No IV Congresso Nacional de Trabalhadores Rurais (1985), no qual foi apresentado o I Plano Nacional de Reforma Agrária da Nova República, os trabalhadores solicitaram ao Estado pela primeira vez o reconhecimento de situações de posse e uso da terra desprezado durante os períodos anteriores. Em resposta a essas reivindicações, os órgãos fundiários começaram a elaborar novos instrumentos técnicos, que deveriam ser capazes de registrar e cadastrar sistematicamente tais áreas de uso comum. As “terras de uso comum”, que os órgãos fundiários passaram a designar como “ocupações especiais”, incluem inúmeras situações de posse e uso da terra que não se encaixavam nas categorias até então utilizadas pelos órgãos governamentais, isto é, que não são controladas livre e individualmente por um determinado grupo doméstico de pequenos produtores diretos ou por um de seus membros. São “ocupações especiais” aquelas conhecidas como Terras de Santo, Terras de Índio, Terras de Herança, Terras Soltas ou Abertas e, finalmente, as Terras de Preto.
As chamadas Terras de Preto compreendem propriedades adquiridas ou doadas a familiares de ex-escravos, com ou sem formalização jurídica. Tais propriedades podem ter tido origem em antigos quilombos; em áreas de alforriados; ou em concessões do Estado usadas como pagamento à prestação de serviços guerreiros. Podem ter tido origem também em propriedades economicamente decadentes, cujos proprietários perderam seu poder de coerção, passando a adotar o arrendamento apenas formal das terras a seus antigos escravos, que podem utilizá-las de forma coletiva, em troca de pagamento simbólico, mantido apenas para demarcar seu caráter de propriedade privada. Os descendentes dessas famílias permanecem nessas terras há várias gerações sem desmembrá-las e sem delas se apoderarem individualmente. Em alguns casos registrou-se a existência de grupos em relativo isolamento, mantendo regras e uma concepção de direito baseados na apropriação comum dos recursos.
Em 1987, porém, tais iniciativas de registro sistemático dessas situações não vingaram em função do fracasso da reforma agrária da Nova República. Elas só seriam retomadas, parcialmente, em meados da década de 1990, em função das discussões abertas pelas demandas de regularização das terras como “comunidades remanescentes de quilombos”.
Para Saber Mais
Leia o artigo “Na Trilha dos Grandes Projetos”, escrito por Alfredo Wagner B. Almeida que se encontra no livro “Terras de Preto, Terras de Santo, Terra de Índio”, organizado por J. Hábette e Edna Castro e editado pela NAEA/UFPA, Belém, em 1989.
FONTE: Boletim Territórios Negros, v. 1, n. 1, fev. 2001