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Conjuntura quilombola no Paraná

Por Cassius Cruz

Considerando que a questão quilombola articula, entre outros aspectos, os conflitos decorrentes da configuração agrária e das relações étnico-raciais no Brasil, o Paraná possui uma característica singular em relação aos demais estados. Além da predominância histórica de um discurso que destaca a contribuição do imigrante europeu em detrimento das populações negra e indígena na constituição de sua identidade, esse estado do Sul tem mantido nos últimos dois pleitos eleitorais (2007-2010 e 2011- 2014) o maior número de parlamentares ruralistas em relação às demais unidades federativas e destaca-se, em contraposição, por ter sido local de criação do Movimento dos Trabalhadores Rurais sem Terra na década de 1980.

No Paraná um dos marcos do reconhecimento das comunidades quilombolas foi o Movimento de Apoio a Comunidade Negra da Invernada Paiol de Telha, criado na década de 1990, no qual um conjunto de diversas entidades apoiavam a demanda de restituição do território expropriado da referida comunidade.[1] Essa dinâmica de reconhecimento originária do Movimento de Apoio a Comunidade Negra da Invernada Paiol de Telha, ocorreu paralelamente ao processo de organização e resistência de comunidades quilombolas no Vale do Ribeira paulista, ameaças em sua reprodução física e cultural pelas propostas de construção de barragens. Dinâmica que em um contexto posterior contribuiu para o reconhecimento os quilombos paranaenses dessa região.

O contexto político que se configurou a partir do resultado das eleições de 2002 projetou um novo campo de possibilidades para emergência de mediadores da questão quilombola. Enquanto no contexto de 1997 a 2002 os mediadores eram, sobretudo, agentes vinculados a grupos de pressão como movimentos sociais e sindicais externos a estrutura do Estado, a partir de 2002 surge um projeto de identificação e localização dessas comunidades por parte do Estado. Militantes de movimentos sociais negros que ocupavam cargos no governo passaram a fazer a mediação entre as comunidades e o Estado e conseguiram inserir a proposta de levantamento de comunidades quilombolas na agenda de governo. Algumas dessas pessoas, que se encontram na encruzilhada da militância e do exercício da ação governamental contribuíram para a construção da agenda política voltada à população negra e, em 2005, compuseram o Grupo de Trabalho Intersecretarial Clóvis Moura com a finalidade de executar o levantamento de comunidades quilombolas do Paraná. Demanda pleiteada pelo movimento negro e legitimada diante da necessidade de aplicação do ensino de história e cultura afro-brasileira e africana na educação básica diante da sanção da Lei nº 10.639/03. [2]

Atualmente no estado do Paraná 36 comunidades quilombolas possuem certidão de autoreconhecimento emitida pela Fundação Cultural Palmares[3], 10 possuem Relatórios Técnicos de Identificação elaborados ou em fase de elaboração, e nenhum título emitido pelo INCRA.

A questão quilombola na mídia paranaense entre 2005-2013

Como material de preparação para o Encontro sobre Conjuntura Quilombola no Paraná foram levantadas, categorizadas e sistematizadas 190 notícias, das quais 136 foram localizadas a partir do site do Observatório Quilombola (http://www.koinonia.org.br/oq/) e 54 por meio de pesquisas a sites de noticiários dos locais onde situam-se algumas das comunidades quilombolas.[4] As notícias analisadas estão compreendidas no período de 2005 (ano de criação do Observatório Quilombola) a abril de 2013 e foram organizadas por data; comunidade; município; título; avaliação da posição explicitada na matéria em relação à questão quilombola; endereço eletrônico e trecho relevante da matéria.[5] No que se refere à avaliação da posição explicitada na matéria foram utilizadas as categorias de favorável, desfavorável e ambígua. O que analisa-se, então, não são os efeitos dos fatos explicitados em relação à situação quilombola, mas como o tema é abordado nas notícias.

Em relação às comunidades abordadas 30,52 % das matérias referem-se a generalidade das comunidades do estado, 26,31% especificamente ao quilombo Invernada Paiol de Telha (nos municípios de Reserva do Iguaçu, Guarapuava e Pinhão), 8,94 % à comunidade Remanescente de Quilombo Adelaide Maria Trindade (município de Palmas), 5,78 % genericamente às comunidades do município de Adrianópolis, 5,26 % especificamente ao Quilombo do Varzeão (município de Dr. Ulysses), 4,21 à comunidade de Manoel Ciriaco (município de Guaíra) e o restante às demais comunidades.

A análise da distribuição geográfica dessas notícias possibilita perceber uma concentração de notícias nas mesorregiões centro-sul e metropolitana de Curitiba, sendo que dessa última a maior concentração localiza-se na região metropolitana norte situado no Vale do Ribeira. O cruzamento desses dados com a sistematização dos temas abordados permitem inferir, entretanto, que eles não correspondem imediatamente à informação sobre as principais questões e conflitos que afetam às comunidades.

No que refere-se às temáticas abordadas no conjunto de notícias analisadas, 28,95 referem-se a Políticas Públicas, 22,11% à produções ou aspectos culturais, 15,26% à conflitos, 10,53% à regularização, 4,74% ao reconhecimento público enquanto quilombo e 18,95% a outros temas (eventos, frente parlamentar, etc).

As notícias relativas a políticas públicas, correspondentes à 28,95% da totalidade, por concentram-se nas agências de notícias estatais estão menos comprometidas com um um diagnóstico da situação das comunidades e mais voltadas à divulgação das políticas públicas dirigidas a elas. A maioria delas relativa à política habitacional, com o Projeto Casa Quilombola, premiado com o Selo de Mérito 2008 pela Associação Brasileira de Cohab’s, primeiro lugar entre as moradias de interesse social do País (matéria de 31/03/2009). Entretanto, sua execução ficou muito aquém do que fora noticiado. Inicialmente previsto para construir 800 casas (matéria de 14/01/2008), o número foi posteriormente foi reduzida para 76 unidades (matéria de 04/01/2010) e, quatro anos depois do seu lançamento, apenas 41 casas haviam sido construídas (matéria de 22/03/2012).

As notícias sobre cultura (22,11%) concentram-se na meso-região centro-sul, cobrindo principalmente a comunidade de Paiol de Telha. Isso decorre das atividades e premiações do grupo de dança afro Kundum Balê, formado por jovens da comunidade, serem sistematicamente noticiadas na imprensa local, em grande medida devido à atuação de uma jornalista que passou a trabalhar com a comunidade. Mas é importante destacar que o agenciamento das notícias na mídia local baseadas nas atividades culturais de uma comunidade contribuiu para que outros temas viessem juntos, como a regularização fundiária, por exemplo. Fato semelhante pode ser verificado na região Centro-Sul, com relação à Comunidade Adelaide Maria Trindade, onde a inserção profissional de quilombolas na imprensa local facilitou a inserção de temas de interesse quilombola na mídia.

As notícias sobre conflitos fundiários e sócio ambientais (15,26% do total), apesar deste ser o terceiro tema com maior incidência, elas pouco expressam o conjunto dos conflitos realmente existentes no contexto paranaense. Elas estão concentradas em casos específicos que ganharam certa expressão nas mídias locais ou estadual devido ou a denúncia aberta de encaminhada por organizações e mandatos parlamentares atentos aos conflitos agrários, ou devido a proporção que esses conflitos tiveram no contexto local.

Abaixo os principais conflitos abordados na imprensa estadual:

Incêndio de casas na Comunidade Ramanescente de Quilombo do Varzeão: A comunidade do Varzeão sofreu um histórico de expropriação entre as décadas de 1950 e 1970 com utilização de força policial queimando suas casas. O Caso envolvia a definição de divisas com a Fazenda Morungava, então de propriedade do Governador da época – Moysés Lupion. Em 2008, após o juiz Marcos Takao Toda da Comarca de Cerro Azul conceder um mandado de reintegração de posse da área, reivindicada pela madeireira Tempo Florestal S/A e pelas irmãs Germene e Marjorie Mallmann, casas quilombolas foram novamente incendiada com o uso da força militar. O caso foi denunciado pela Comissão Pastoral da Terra e pelo mandato do Deputado Estadual Rosinha – PT/PR e recebeu espaço na imprensa estadual (oito notícias em cinco jornais de expressão Estadual duas denuncias em sites de uma organização e de um mandato deputado federal no período de 17/07 a 01/08/2008), tendo como resultado a visita do então governador do Estado, Roberto Requião, o afastamento do sargento da Polícia Militar responsável pela ação e a reversão do mandato de re-integração de posse, além da criação de uma força tarefa entre o Governo do Estado e o Ministério Público para investigar o caso e acompanhar mensalmente a situação das comunidades quilombolas. Apesar da resolução positiva do caso, as matérias centraram-se na denuncia à conivência da PM com os jagunços da madeireira. Apenas na notícia de 22/07/2008 do Jornal Tribuna News do Vale do Ivaí, encontra-se um posicionamento do procurador-geral do Ministério Público Estadual, ampliando a investigação para a atuação das empresas reflorestadoras.

Sobreposição de Territórios em Quilombos do Município de Palmas: Na comunidade Adelaide Maria Trindade, localizada no município de Palmas, na região sul do estado, as notícas referem-se a um caso de sobreposição de territórios quilombolas em 2010, por uma facção de indígenas Kaingang. Desaldeados de uma Reserva os indígenas ocuparam uma área do Parque Estadual de Palmas. Sob a justificativa da Prefeitura de que eles supostamente não poderiam permanecer na Unidade de Conservação, foram realocados, no ano de 2011, num terreno no território quilombola utilizada para a coleta de pinhão e para o acesso a fontes de água. Após mediação envolvendo representantes do INCRA, MPE-Pr, SEPPIR, poder público local onde foram definidas outras terras para realocação dos indígenas, o procurador da República Mauricio Ribas Rucinski, argumentando que a pretensão territorial dos quilombolas era ampla e unilateral, permitiu a permanência dos indígenas na área.

Processo de regularização territorial de Manoel Ciríaco: Nas notícias a respeito desta comunidade destaca-se, além da líderança Quilombola ter sido ameaçada por supostos rituais de feitiçaria, o fato do funcionários do INCRA terem sido feitos de reféns por cerca de 150 agricultores da região durante a elaboração do Relatório Técnico de Identificação e Delimitação do Território Quilombola.

Processo de regularização territorial de Invernada Paiol de telha: as notícias relativas á conflitos fundiários nos anos de 2008 e 2009, referem-se não à dimensão da ameaça física mas das disputas no campo jurídico. Uma notícia de 15 de abril de 2008, destaca a decisão da Desembargadora Maria Lucia Luz Leiria favorável à continuidade do procedimento de titulação cassando uma liminar do Juízo Federal de Guarapuava emitida a favor da cooperativa Cooperativa Agrária Entre-Rios para suspensão do procedimento administrativos de titulação do território da referida comunidades, com o argumento de inconstitucionalidade do decreto nº 4887/2003 e da Instrução Normativa nº 20/2005 do INCRA. Apesar de uma exposição detalhada do caso, com a inclusão em anexo da decisão da Desembargadora na referida matéria, os últimos desdobramentos relativos ao caso foram silenciados na imprensa. Em 2011 a Sétima Vara Federal (Vara Ambiental, Agrária e Residual de Curitiba), para a qual a competência do tema havia sido transferido, sentenciou o caso declarando a inconstitucionalidade do procedimento administrativo de titulação e a decisão retornou para recurso no TRF 4. Dessa vez, influenciada pelo voto favorável do Ministro Cézar Peluso á Ação Direta de Inconstitucionalidade (ADI) 3239 apresentada pelo Partido Democrata contra o decreto nº 4887/03, a desembargadora Maria Lucia Luz Leiria muda sua posicionamento mantendo a decisão da Sétima Vara Federal. Podendo ser votada a qualquer momento por um órgão especial a decisão do TRF 4 pode influenciar outras decisões, favoráveis ou não a pauta quilombola, em outros TRFs.

[1] Contando com a produção de um jornal, um vídeo (disponível em http://www.youtube.com/watch?v=b5tPqNIFJJE) e uma campanha de arrecadação de donativos, amplamente divulgados por meio das estruturas das organizações envolvidas, o referido movimento, articulado a partir do contato de quilombolas do Paiol de Telha com a Comissão Pastoral da Terra de Guarapuava, instaurou um processo de reconhecimento das comunidades quilombolas no Paraná. Nesse contexto, a visibilidade provocada pelo movimento de apoio levou a Comunidade da Invernada Paiol de Telha a ser uma das primeiras do Paraná a constar do levantamento realizado pelo Núcleo de Estudos sobre Identidade e Relações Interétnicas da Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC).

[2] Esse processo foi marcado pela proposição de diferentes projetos e disputa entre mediadores e agentes políticos. Para uma análise detalhada ver CRUZ (2012)

[3] Apesar de haverem sido emitidas apenas 33 certidões, o número de comunidades é de 36 devido ao fato de uma certidão ter sido emitida no nome de três comunidades.

[4] Esses números não correspondem a totalidade das notícias produzidas durante o período, mas abordam os temas que tiveram maior destaque nos jornais de expressão regional e estadual.

[5] Os dados tabulados em tabela Excel estão disponíveis em: http://www.4shared.com/office/qRMiXXeM/tabelanoticiaspr.html

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