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Entrevista: Uma análise sobre a situação da mulher negra no Brasil

Por Natália Blanco

É contraditório pensar que na cidade onde tem o dia contra o genocídio da mulher negra é a cidade que passa por forte intervenção militar, federal, que sitia os moradores com a presença do exército.

Entrevista com Juliana Gonçalves, repórter do Brasil de Fato, e atuante na construção da Marcha de Mulheres Negras de São Paulo e da Comissão de Jornalistas pela Igualdade Racial (COJIRA).

Como está o momento para as mulheres negras hoje?

A gente vive num momento obscuro, de falta de democracia, de recrudescimento do racismo, de retrocessos em políticas publicas. Aqui em São Paulo, por exemplo, a Casa da Mulher Brasileira*, que deveria inclusive, atender muitos casos de violência, e em termos de saúde integral da mulher, é um projeto que ficou parado, desde que o Dória assumiu. As políticas para as mulheres foram sucateadas e desmontadas.

Então, as violências não aparecem apenas nesse microcosmo de uma relação afetiva, doméstica. A violência transborda isso, e hoje vivemos violências vindas do estado. Quando nossos corpos não são respeitados, quando nos é negado o direito ao aborto legal e seguro, quando encarceram mais facilmente os corpos negros. E o encarceramento de mulheres subiu quase 400%, e delas sabe-se que 70% são mulheres negras. Então as violências são múltiplas, e muitas delas, são justamente, desmontes de políticas que poderiam nos tirar dessa situação de vulnerabilidade que vivemos hoje.

 Porque é importante ter agendas nacionais como o Julho das Pretas?

São importantes em muitos níveis, e a gente considera, muitas vezes, em caráter pedagógico, porque vivemos em um país que nunca será o bastante falar sobre racismo, transfobia, lesbofobia, machismo.

Por exemplo, neste julho das pretas nós tivemos diversas atividades, no Brasil todo, rodas de conversa, festa com o jongo, Cordão Tereza de Benguela, saraus, e etc. Uma oportunidade de mulheres negras se encontrarem e se fortalecerem, colocando na agenda pública alguns temas específicos em relação à negritude, racismo e questões de gênero.

Nossa sociedade é estruturada de forma racista e patriarcal, e no Brasil, racismo e a questão de gênero estruturam o capitalismo. E a mulher negra está na base dessa pirâmide, se movimentando pra conseguir ter qualquer lugar nessa sociedade.

E essas atividades e conversas são importantes tanto com mulheres que já iniciaram na militância quanto com mulheres que estão começando a militar, porque precisamos colocar todo mundo no mesmo nível de compreensão. É preciso que nos fortaleçamos juntas primeiro para depois partirmos para o combate a essas estruturas discriminatórias que existem hoje.

O que você achou da criação do Dia Marielle Franco Contra o Genocídio da Mulher Negra, no Rio de Janeiro?

É claro que é muito simbólico criar esse dia contra o genocídio da mulher negra, mas nesse sentido acho que é bom pontuar que o genocídio é do povo negro. Infelizmente morrem homens e mulheres, vítimas da vulnerabilidade do lugar onde moram, vítimas da violência que é produto das desigualdades sociais. Então considero uma medida mais simbólica do que significativa.

É até contraditório pensar que na cidade onde tem o dia contra o genocídio da mulher negra é a cidade que passa por forte intervenção militar, federal, que sitia os moradores com a presença do exército. Pra mim isso também é genocídio.

A presença militarizada no Rio de Janeiro pelas UPPs e agora pela intervenção, são sintomas do genocídio que vivemos. Que esse dia não seja apenas um dia simbólico e que as estruturas de fato sejam movidas para o combate a esse genocídio.

Claro que a gente enquadra a morte da Marielle nesse genocídio, porque o corpo negro, feminino ou masculino é muito mais vulnerável a essas violências. É muito menos protegido pelo estado e pela sociedade como um todo. Quem se importa com a dor do corpo negro, né?

Então é importante que isso não seja só uma efeméride, mas que isso fundamente políticas públicas para o combate efetivo. O começo disso seria livrar as mulheres negras e a população dos morros da presença desses militares que sitiam a vida dessas pessoas.

*A Casa da Mulher Brasileira é um projeto do governo federal presente em algumas cidades, que integra em seus espaços serviços especializados para diversos tipos de violência contra as mulheres, acolhimento, triagem a alojamento, passando por apoio psicossocial, delegacia, Juizado, Ministério e Defensoria Públicos, promoção de autonomia econômica e cuidado das crianças. Em São Paulo, por conta de uma parceria, a administração é da prefeitura.

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