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Intolerância religiosa é caso de polícia!

Por Carolina Maciel

Em nosso país criou-se a ilusão de que somos um povo pacífico e ordeiro. Aqui não há intolerância e sabemos conviver tranquilamente sem maiores problemas. Negros, indígenas e brancos vivem num verdadeiro paraíso terrestre, amando-se de verdade e respeitando-se mutuamente como em nenhum outro país do mundo.

É claro que, salvas raras exceções, tudo isso não passa de uma piada de mau gosto, construída pelos dominadores para fazerem com que aqueles e aquelas que são dominados e escravizados continuem submissos à “ordem”que eles estabeleceram neste país há pouco mais de quinhentos anos. Desde que o europeu colocou seus pés nesta terra, a violência e o desrespeito para com o diferente tem sido a ordem do dia.

É claro que entre os povos indígenas, primeiros habitantes desta terra, já havia conflitos e guerras antes da chegada dos europeus. Mas isso era feito a partir de uma “ética” bem definida onde a violência pela violência não existia. Ao chegarem às terras, que eles mesmos chamaram depois de América, os europeus impuseram uma lógica de extermínio e de dominação que é difícil de encontrar na história de outros povos. Dizendo-se “civilizados” eles se acharam no direito de matar povos inteiros, saquear seus bens e provocar verdadeiras carnificinas, sem nenhuma razão de ser.

Apenas para apoderar-se de terras que já tinham donos e de riquezas que já pertenciam a outros proprietários. Tais massacres, para tristeza nossa, foram sempre acompanhados das bênçãos da Igreja, a qual silenciou e se omitiu diante desses terríveis pecados contra os povos aqui residentes anteriormente à chegada do branco. Vozes como as de Montesinos, Bartolomé de las Casas e Antonio Vieira tentaram denunciar essas injustiças, mas foram violentamente sufocadas pela política suja e ignominiosa que unia cruz, espada e Inquisição. Porém, o que nos surpreende é que depois de tantos avanços na compreensão das coisas, dos fatos e das pessoas, depois de tantas lutas pela conquista e reconhecimento de direitos elementares de pessoas e povos, vemos a continuação dessa mentira de um Brasil pacífico, sem intolerância e sem desrespeito. Ao navegar pela internet em busca de notícias sobre esse assunto, qualquer pessoa de bom senso permanecerá chocada com o que lê.

As mais recentes notícias de intolerância religiosa contra grupos religiosos minoritários deixam perplexa toda e qualquer pessoa que ainda tenha um pouco de humanidade. Mãe de santo que é morta por fanáticos evangélicos com pancadas de bíblia na cabeça; pai de santo que é morto a pauladas por grupo cristão; evangélicos que invadem tribos indígenas para queimar seus lugares e símbolos religiosos, chamando de “bosta de satanás” à tinta de urucum que os indígenas usam para fazer suas pinturas; padre desequilibrado que incita seus fiéis a destruírem os símbolos do candomblé.

A lista seria enorme, mas é preciso falar também da exploração da boa fé das pessoas, da prática de charlatanismo hoje tão presentes e bem visíveis nos programas religiosos televisivos e radiofônicos, inclusive alguns da Igreja Católica. Defendo intransigentemente o direito à liberdade de expressão, de religião e de culto, garantido pela Declaração Universal dos Direitos Humanos e pela Constituição Federal do Brasil. Mas defendo também que tal direito deve ser exercido “dentro da lei”, como estabelece a Carta Magna do Brasil. A expressão “dentro da lei” significa que este direito garantido de livre expressão, de religião e de culto não pode lesar este mesmo e outros direitos de outros cidadãos e cidadãs. Ora, o que se vem assistindo nos últimos anos é o crescimento do fundamentalismo e do fanatismo. Determinados grupos religiosos, liderados por fanáticos e desequilibrados, não só atacam as outras crenças, mas chegam ao cúmulo da violência, com o intuito de impedir e até eliminar aqueles e aquelas que expressam uma crença diferente.

Ora, isso não está mais “dentro da lei” e já é caso de polícia. Os poderes estabelecidos da República têm a obrigação de intervir para garantir o verdadeiro respeito aos direitos das pessoas, particularmente dos grupos minoritários, os quais são os mais violentados e discriminados. Cabe de modo particular ao Poder Judiciário a obrigação de coibir estes atos de violência e punir com o rigor da lei aqueles grupos e pessoas que insistem em desrespeitar um direito fundamental garantido pela nossa Constituição. Além disso, a Justiça tem a obrigação de impedir atos de charlatanismo por meio dos quais grupos religiosos chegam a extorquir seus fiéis na obtenção de dinheiro e de bens.

Caberia ainda à Justiça verificar atentamente o destino de somas vultosas de dinheiro arrecadadas dos fiéis, pois, como tem mostrado a própria mídia, na maioria das vezes estas quantias não são revertidas em serviços de culto e de caridade aos fiéis. Ao que parece servem para alimentar negócios escusos e duvidosos. Caberia também uma varredura do Fisco para verificar doações feitas por políticos e homens públicos para as Igrejas, em troca de favores eleitoreiros. Bastaria um simples levantamento dos terrenos doados para construção de templos e de espaços religiosos. Estou convencido de que uma simples devassa nesta área deixaria arrepiado até o próprio demônio. Indígenas e negros foram e continuam sendo violentados em seus direitos fundamentais. Suas crenças e cultos foram e continuam sendo motivos de gozação, de discriminação e preconceito. Até quando isso continuará? Com a palavra os três poderes da República, particularmente o Poder Judiciário.  

José Lisboa Moreira de OliveiraFilósofo. Doutor em teologia. Ex-assessor do Setor Vocações e Ministérios/CNBB. Ex-Presidente do Inst. de Past. Vocacional. É gestor e professor do Centro de Reflexão sobre Ética e Antropologia da Religião (CREAR) da Universidade Católica de BrasíliaCom informações Adital

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