Territórios Negros nº 34
Informativo nº 34 ano 9
Junho/Julho 2008
Duas características marcam o período coberto por este número do nosso informativo. A primeira é a franca ampliação do número e variedade de instituições da sociedade civil que passaram a se manifestar em favor da causa quilombola. A segunda característica decorre da política governamental, que começa a dar expressão prática à chamada Agenda Social Quilombola.
Este é um trecho do editorial do informativo Territórios Negros nº. 34, que, como de costume, faz uma análise da conjuntura quilombola no País.
Esta edição do informativo traz na seção “Um Território” o texto Notas Sobre o Sul da Bahia, de José Maurício Arruti e Carla Siqueira Campos. O texto apresenta as comunidades negras rurais que compõe a região do Baixo Sul da Bahia. A Aracruz Celulose é tema da seção “Fala Quilombola”, que traz uma análise crítica feita pela quilombola do Espírito Santo, Selma Dealdina, sobre o patrocínio das empresas Aracruz Celulose, Suzano e Votorantim à novela Favorita, da TV Globo. “Um Pouco de História” apresenta a comunidade negra da Igrejinha de São Benedito, também conhecida como Tia Eva, no Mato Grosso do Sul.
Leia ainda as principais notícias sobre a conjuntura quilombola do período de junho e julho de 2008 e uma análise desse campo político no Editorial.
Leia a seguir o editorial na íntegra:
Duas características marcam o período coberto por este número do nosso informativo. A primeira é a franca ampliação do número e variedade de instituições da sociedade civil que passaram a se manifestar em favor da causa quilombola. A segunda característica decorre da política governamental, que começa a dar expressão prática à chamada Agenda Social Quilombola.
Da parte da sociedade civil, as manifestações das quais falamos e que estão sintetizadas na seção de notícias “nacionais” deste número, parecem assumir dois sentidos. De um lado, elas apontam, de fato, para uma tomada de posição mais firme de setores profissionais e do movimento social em defesa dos direitos quilombolas, tão fortemente ameaçados pela larga campanha (da qual já falamos em editoriais anteriores) movida na grande imprensa e por meio de “movimentos” produzidos por setores conservadores do empresariado e dos proprietários rurais, com muitos recursos e grande estardalhaço. Por outro lado, apontam também, mais simplesmente, para o fato dos quilombos terem sido incluídos no repertório de movimentos sociais aos quais determinados documentos ou manifestações públicas devem fazer referência obrigatoriamente, ao lado de movimentos mais antigos e consolidados, como o indígena e dos Sem Terra. Ainda que este sentido seja menos ativo, ele ainda é positivo na medida em que aponta para um amplo reconhecimento dos quilombos como movimento social importante na atual configuração das lutas sociais no país.
Com relação à Agenda Social Quilombola, lançada no vinte de novembro do ano passado, ela só começou a ter existência prática a partir dos primeiros meses deste ano, por meio de sucessivos convênios que o governo federal vem assinando com prefeituras municipais onde há presença quilombolas, por vezes com a presença do presidente da república. O avanço desses convênios parece respeitar a um duplo roteiro. Aquele desenhado pelo programa Territórios da Cidadania, que contempla territórios definidos entre outros fatores pelos baixos Índices de Desenvolvimento Humano (IDH). E aquele desenhado pelo programa de Aceleração do Crescimento, o famoso PAC, no contexto do qual as ações destinadas aos quilombolas e outras populações locais têm o objetivo manifesto de servirem como ações compensatórias do impacto que as grandes obras voltadas para a geração de energia, para a expansão do agro-negócio e para a abertura de estradas, já estão produzindo.
Entretanto, um dos efeitos importantes desta política governamental e da relação que ela estabelece entre verbas federais, prefeituras e presença quilombola não pode ser identificado diretamente por meio das notícias da imprensa. Trata-se dos efeitos perversos que tal triangulação pode provocar, principalmente em contextos que o movimento quilombola organizado ainda não alcançou e que carecem da presença de entidades e assessorias comprometidas com os direitos humanos e com uma perspectiva crítica do desenvolvimento. Já podemos identificar em diversas regiões do país a multiplicação de certificações quilombolas que acontecem sem o conhecimento das próprias comunidades e que se impõe a elas, não na forma de um efetivo reconhecimento (que implica o respeito por sua autonomia e formas de organização), mas como expressão de mais um mercado: o mercado dos projetos e das verbas federais. Justamente porque esta é uma discussão tão importante quanto difícil de apreender através imprensa, ela está sendo abordada na nossa seção Um Território, que neste número ocupa um espaço especial.
José Maurício Arruti