Dona Tiana: a força e a garra da mulher quilombola
Por Oscar Henrique Cardoso
A alegria no sorriso e a determinação no olhar são as marcas registradas de quem conhece Sebastiana Geralda Ribeiro da Silva. Prestes a completar 72 anos no próximo dia 5 de dezembro, esta mineira nascida na comunidade quilombola de Carrapatos, situada no interior de Bom Despacho, no centro-oeste mineiro, dona Tiana como é carinhosamente conhecida na região e também por sua imensa família é uma mulher negra, quilombola, uma cidadã brasileira que muito orgulha a quem tem um dedinho de prosa com ela. Filha de Maria Imaculada Ribeiro e de José Domingos Ribeiro, saiu da comunidade dos Carrapatos com dois anos e foi viver em outra comunidade quilombola, a de Tabatinga, hoje bairro e quilombo urbano de Bom Despacho. Na cidade a qual 70% de sua população é descendente dos quilombos, dona Tiana muito fez e muito faz. Na última quarta-feira, dona Tiana, esteve em Brasília com uma agenda cheia. Na capital federal, ela e outros quilombolas vieram buscar informações sobre os programas sociais do Governo Federal (Bolsa Família, Bolsa Escola, entre outros). Mas com tantos compromissos, dona Tiana veio até a sede da Fundação Cultural Palmares visitar a instituição. Na oportunidade, ela viu a ilustração de Zumbi, no hall de entrada e emocionada também saudou com um beijo a imagem. A emoção de dona Tiana é a emoção de uma vida em favor da sua comunidade de Tabatinga. E as ações que ela realizou lá são muitas. Foram tantas que os próprios quilombolas queriam que ela concorresse a um cargo público. Pensem se ela quer? Não. Conforme define, seu desejo é ajudar o povo negro sem conseguir nada de pessoal em troca. Meu próximo sonho é ver construída uma cancha de esportes em um terreno que fica defronte a minha casa. Já fui várias vezes na prefeitura e o prefeito da cidade (Haroldo de Sousa Queiroz) me disse que irá atender ao nosso pedido, conta com satisfação e bom humor. Bom humor aliás é o forte de dona Tiana. Nas horas em que tinha uma folguinha das atividades domésticas – é mãe de sete filhos naturais e mãe adotiva de mais sete – ela se dedicava a outra paixão: o samba. Para quem não conhece, além das lutas comunitárias e de seu apego a família, dona Tiana é uma sambista de mão cheia. Ela carrega o título de ser a fundadora da primeira escola de samba de Bom Despacho, em 1988. Através de seu empenho, nascia então a Escola de Samba Estrela de Ouro. Para garantir o bloco na rua, dona Tiana contou com o apoio da comunidade, a qual não mediu esforços para levar para as ruas da cidade um carnaval de primeira classe. Consegui os instrumentos musicais com o apoio da prefeitura, chamei alguns meninos que viviam lá para aprenderem a tocar tamborim, surdo, cuíca, outros foram desenhar e costurar as fantasias. Ninguém ficou parado, lembra. E foi assim que no Carnaval de 1988 a Estrela de Ouro foi a grande campeã. O enredo que levou a escola da comunidade da Tabatinga a vencer o Carnaval foi a homenagem que o grupo fez a área quilombola. Nossa sambista não se intimida e nos apresenta o samba enredo de sua autoria:
Estrela de Ouro,
Sensação da Tabatinga,
Estrela de Ouro,
Sensação do meu Brasil,
A Tabatinga que vai e vem,
que vem e vai,
A Tabatinga que balança
mas não cai.
Mas nem só de samba vive a dona Tiana. Também é capitã e integrante do Maçambique de São Benedito. Grupo o qual honra a religiosidade negra local e que já sofreu inclusive preconceito. E esse fato dona Tiana lembra de um padre. Conta que à época, em meados de 1976, o então Padre Vicente, já falecido, não aceitava que os maçambiqueiros entrassem na Igreja de São Benedito, a qual era pároco e que ficava vizinha a comunidade quilombola. Dizia o então sacerdote que as músicas e as falas que o grupo fazia eram do demônio e que aquilo não agradava a Deus. Mais uma vez, sem medo de dizer o que pensa, dona Tiana então lembrou ao padre que o mesmo deveria aceitar a manifestação religiosa porque aquilo representava o canto do sofrimento e da luta do povo negro, e que Deus não negava nenhum tipo de demonstração de fé. A queda de braço foi longa, mas ao final os maçambiqueiros de São Benedito venceram e passaram a também entoar seus cantos nas missas. Hoje, ela não só atua em favor do maçambique, como também é festeira da Festa de Nossa Senhora do Rosário, a mais popular festa religiosa da cidade. A história de vida de dona Tiana nos comprova que com muita luta e alegria se consegue superar as dores e as lutas. E quando se fala em desafios, a mineira se recorda de sua infância. Descendente de escravos, fala que aprendeu a ler e a escrever escondido, porque os fazendeiros não permitiam que seus empregados negros fossem alfabetizados. Em meio as duras lides do campo, ela usou de seu aprendizado para lutar por um mundo melhor para todos os seus irmãos de comunidade. E vem conseguindo. A história de dona Tiana é a história de muitas mulheres negras, muitas líderes comunitárias que existem por este país e que nos mostram o valor da resistência, o valor da sabedoria e o sabor da vitória.
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