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Presidente quer movimento negro pressionando mais ogoverno

Solenidade no Palácio do Planalto ocorrida oito dias depois do Dia Nacional da Consciência Negra teve como objetivo mostrar que, embora insuficiente, não foi pouco o avanço das políticas para a população negra durante o governo Lula.

BRASÍLIA – Depois de ter apontado comunidades quilombolas como empecilhos para destravar o país, às vésperas do Dia Nacional da Consciência Negra (20 de novembro), o presidente Lula deu um jeito de contornar a situação junto aos movimentos que lutam pela igualdade racial, mesmo sem se desculpar diretamente. Na semana passada, oito dias após a data comemorativa, ele recebeu cerca de 200 representantes do movimento negro no Palácio do Planalto para a cerimônia de entrega de títulos de posse de terra a nove comunidades quilombolas. Foram titulados 4,6 mil hectares para 576 famílias nos estados do Maranhão e do Piauí. Nos últimos quatro anos, foram 22 territórios quilombolas regularizados, com área total de 38,6 mil hectares.

A solenidade foi montada para tentar convencer os movimentos de que, embora insuficiente, não era pouco o avanço do governo Lula na reparação do flagelo da escravidão e suas conseqüências para a população negra do Brasil. O presidente da Fundação Cultural Palmares, Ubiratan Castro de Araújo, comemorou a marca das 1.002 comunidades remanescentes de quilombos reconhecidas, lembrando que durante os oito anos do governo FHC foram apenas 16. “O Romário não chegou aos mil, mas o senhor chegou, presidente”, comparou Bira, referindo-se ao artilheiro que, no fim da carreira, se esforça para alcançar o patamar de gols que só Pelé conseguiu.

O ministro do Desenvolvimento Agrário, Guilherme Cassel, disse que a marca do governo Lula é de um governo acolhedor de direitos. Lembrou que as comunidades quilombolas vinham sendo reconhecidas, conforme determinava a Constituição de 1988. Recebiam titulação das terras, mas não havia conseqüência, porque estas já estavam ocupadas por proprietários com posse legal, o que criava uma situação nebulosa, impedindo a efetivação da posse. “As comunidades remanescentes de quilombos tinham o título de propriedade, mas não desfrutavam da posse”, observou Cassel, assinalando que o decreto 4.887, assinado pelo presidente Lula na Serra da Barriga (AL), em 2003, permitiu ao Instituo Nacional de Colonização e Reforma Agrária (Incra) fazer as desapropriações em terras quilombolas.

De acordo com o ministro, essa medida fez com que o assentamento das comunidades remanescentes de quilombos fosse gradativamente ampliado ano a ano, saltando de 54 famílias em 2004, para 365 em 2005 e 1.528 em 2006. Ele ressaltou ainda a importância dos concursos públicos que permitiram a contratação de 38 antropólogos para auxiliar o Incra nesse trabalho.A ministra da Secretaria Especial de Políticas de Promoção da Igualdade Racial (Seppir), Matilde Ribeiro, fez um balanço de sua gestão. Em janeiro de 2003, por meio da Lei 10.639, o governo federal incluiu no calendário escolar brasileiro o dia 20 de novembro. O Dia Nacional da Consciência Negra foi instituído em homenagem a Zumbi, líder do Quilombo dos Palmares e símbolo da resistência negra, que foi assassinado naquela data. Em março de 2003 foi criada a Seppir para propor iniciativas e coordenar políticas contra as desigualdades raciais e sociais no País. O governo consignou o ano de 2005 como o Ano Nacional de Promoção da Igualdade Racial, oportunidade em que foi realizada a 1ª Conferência Nacional sobre o tema, que resultou na elaboração de um plano nacional e na criação do Fórum Intergovernamental (Fipir), que agrega hoje 470 localidades (23 estados e 447 municípios), onde já foram criados 184 órgãos relacionados à temática racial. Matilde defendeu a adoção de políticas de inclusão para a redução das desigualdades sociais. Como a criação de cotas, que contribuem para ampliar o acesso das populações menos favorecidas aos serviços sociais e ao mercado de trabalho, e o Estatuto da Igualdade Racial, que prevê a inclusão da temática racial nas políticas de desenvolvimento econômico e social.Ela lembrou também de outra iniciativa que favoreceu a inclusão: o Programa Universidades para Todos (Prouni), do Ministério da Educação. O Programa ofereceu 203 mil bolsas de estudo em instituições privadas para alunos de escolas públicas, incluindo 63 mil negros e indígenas. Além disso, 30 universidades públicas já adotam o sistema de reserva de vagas para negros e indígenas. “Passamos 400 anos como escravos e 118 anos como povo livre sem usufruir, na mesma proporção de outros grupos raciais, a riqueza que produzimos”, justificou Matilde.

A solenidade marcou também a entrega do Prêmio Territórios Quilombolas, que busca estimular a produção de pesquisas e estudos acadêmicos no campo das ciências humanas, sociais e agrárias, além de valorizar a elaboração de relatos produzidos por pessoas das próprias comunidades, estimadas em mais de 900. O Prêmio está em sua segunda edição e é concedido pelo Ministério de Desenvolvimento Agrário. No evento, que contou com a presença de artistas vinculados à causa da promoção da igualdade racial, como Lia de Itamaracá, Leci Brandão, Netinho e Vovô, o fundador do grupo afro de Salvador Ilê Ayê, foi assinado um Termo de Cooperação Técnica entre o Incra, a Seppir, o Ministério do Meio Ambiente, a Companhia de Desenvolvimento dos Vales do São Francisco e do Parnaíba (Codevasf), a Secretaria de Patrimônio da União (SPU) e a Universidade Federal do Vale do São Francisco (Univasf) para o desenvolvimento de ações de preservação ambiental, apoio à atividade produtiva e regularização fundiária de comunidades quilombolas na área da bacia do rio São Francisco. Coube ao maranhense nascido na região quilombola de Frechal Ivo Fonseca da Silva, integrante da Coordenação Nacional dos Quilombos do Brasil, falar em nome do beneficiados. Ele começou pedindo um minuto de silêncio em homenagem a Zumbi dos Palmares e sua mulher, Dandara, também reverenciada como heroína do movimento pela libertação dos escravos. Ivo Fonseca fez um discurso de louvor ao presidente, lembrando que, quando Lula visitou a África, falou que a sociedade brasileira precisava pedir perdão ao povo negro. “Você já pediu perdão. Você já está fazendo o que a sociedade brasileira nunca fez. O povo negro só passou a entrar na República no seu governo, em 2003”, afirmou, quebrando a reverência protocolar.Ivo Fonseca disse ainda que historicamente no Brasil os negros só são chamados para fazer a massa e não participam da divisão do bolo. E que o presidente Lula rompeu com essa situação, com uma atitude de respeito pelo povo negro. Para o representante dos quilombolas, mais do que se sentirem amigos do presidente, os negros brasileiros querem participar da República. “A República é uma teia de aranha, onde só entra quem sabe, e nós queremos entrar porque já sabemos, já conhecemos”, frisou Ivo, referindo-se ao acesso que os movimentos pela igualdade racial tiveram ao governo federal, por intermédio da interação da Seppir com mais de 20 ministérios. O presidente Lula disse que o movimento ajudou o seu governo cobrando o cumprimento dos compromissos, sem perder a autonomia e sem aceitar uma política de subserviência ao Estado. Reconheceu que houve dificuldades no início do governo para atender às reivindicações, mas, pelos números apresentados pelos ministros na solenidade, as coisas começaram a evoluir. “Os nossos advogados já aprenderem. Certamente o Poder Judiciário também já aprendeu mais com esses processos todos. E vocês aprenderam uma coisa melhor, que é continuar reivindicando porque, por mais que eu seja amigo de vocês, se vocês não estiverem me cutucando, a gente tende a se envolver por outros problemas que a gente pensa que são maiores e esquece os problemas de verdade”, sugeriu o presidente, lembrando que já cobrou dos ministros os passos seguintes à concessão do título de propriedade: formação profissional, manifestações culturais, saúde, educação, energia elétrica, habitação, infra-estrutura etc.Lula disse ainda que a viagem que fez à Ilha Gorée, um antigo entreposto de escravos na África Ocidental, na costa do Senegal, foi um marco na vida dele porque, ao entrar na porta de saída dos navios negreiros, chamada de “porta do nunca mais”, teve a dimensão do porquê o continente africano não conseguiu a mesma evolução científica e tecnológica que outros continentes conseguiram. “Foi porque durante 300 anos, os jovens e as pessoas mais saudáveis eram tiradas para trabalhar como escravos”, concluiu, observando que nesse período houve um genocídio maior que o de muitas guerras que aconteceram na Humanidade. “Então, é preciso não apenas um gesto, é preciso muitos gestos e muita política pública para que a gente não leve 300 anos para reparar o mal que foi feito aos negros neste mundo”.O presidente prometeu que, no que depender dele, haverá mais avanços nas políticas de promoção da igualdade racial no segundo mandato. “Isso não é uma questão de programa de governo, é uma questão de consciência política, é uma questão de reconhecimento do papel que têm os afrodescendentes no nosso País, é saber a importância que vocês têm para a nossa cultura, é saber que nós não seríamos o que somos hoje se não fossem vocês”, justificou, acrescentando que: “é preciso que a gente pare com essa bobagem de ter medo de enfrentar o racismo, temos que enfrentá-lo com unhas e dentes porque racismo e preconceito, na minha opinião, são duas doenças que não são apenas recicláveis, elas têm que ser abolidas”.Para isso, segundo Lula, é preciso enfrentamento e coragem do Estado para enfrentar a diversidade sem preocupação de sustentar que vai garantir o ingresso de mais meninas e meninos negros na universidade, dar oportunidade de terem igualdade salários compatíveis com os dos brancos na mesma função e garantir que as crianças negras tenham o mesmo nível de ensino das outras. “Essas coisas, não se faz com discurso nem com passe de mágica, mas com medidas. Podem ficar certos de que, no que depender do meu governo, nós faremos o que está ao meu alcance e mesmo aquilo que não estiver ao meu alcance, eu peço a mão de vocês emprestada e vou alcançar, para a gente poder fazer tudo que tem que ser feito neste País”, prometeu o presidente, sugerindo que só com pressão social sobre o governo será possível avançar mais no resgate das dívidas sociais no segundo mandato.

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