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Quilombolas da Marambaia mais próximos da titulação

Comunidade reivindica direito étnico à terra e moradia adequada

A comunidade da ilha da Marambaia, localizada no litoral do município de Mangaratiba, pode estar um pouco mais perto de obter a titulação do seu território.

Formada por descendentes de escravos de duas fazendas instaladas na ilha para produção de café, cana de açúcar e “engorda” de africanos que chegavam como cativos ao Brasil, a comunidade luta para assegurar a propriedade do território onde vive há mais de 120 anos. No caso da Marambaia, o principal entrave para a efetivação dos direitos constitucionais é estar em uma área de segurança nacional, administrada pela Marinha do Brasil.

A Marinha instalou-se na ilha em 1971 e, ao longo da década de 80, estabeleceu uma série de restrições aos quilombolas como impedir a construção de novas casas, reforma ou permuta de antigas moradias. As limitações atingem também a circulação de pessoas na ilha. Mesmo quem mora em área situada fora da estrutura da base militar é obrigado a fornecer dados sobre seus visitantes para identificação e controle pelos militares.

Os moradores são vigiados e obrigados a obedecer aos horários do transporte da Marinha para fazer o deslocamento entre a ilha e o continente, sem poder utilizar seus próprios barcos.

Além de todas estas restrições, os quilombolas são perturbados pelos tiros disparados em exercícios militares noturnos e seu território é prejudicado ao servir como alvo para artilharia disparada do mar.

A ilha é um verdadeiro paraíso ecológico, tradicionalmente usado como refúgio para presidentes da República durante feriados, e preservado por mais de um século pelas práticas harmônicas de interação entre homem e natureza, típicas entre populações tradicionais. Com a chegada da Marinha, foram construídas estradas, onde havia apenas trilhas, os campos de tiro e os circuitos para manobras de treinamento militar tomaram espaço.

Desde início do ano 2000, a comunidade reivindica o título coletivo de propriedade de suas terras. Em 2001, o processo para reconhecimento e titulação da comunidade foi iniciado e a Marinha foi impedida, por uma Ação Civil Pública, de mover ações de reintegração de posse contra os ilhéus. Em dezembro de 2003, o laudo antropológico contendo um mapa do território reivindicado pela comunidade foi concluído. Nesse documento, a comunidade não reivindica a saída da Marinha, mas que o território étnico quilombola seja respeitado e titulado pela União.

O Decreto 4.887/2003 estabeleceu o procedimento administrativo de titulação das terras dos quilombos. A Instrução Normativa 20/2005 do INCRA detalhou esse procedimento determinando a elaboração de um Relatório Técnico de Identificação e Demarcação (RTID) composto por sete peças: relatório antropológico, planta e memorial descritivo, cadastro das famílias, cadastro de presumíveis ocupantes e proprietários, levantamento da cadeia dominial, especificação de áreas sobrepostas e parecer conclusivo do INCRA.

Destas peças, o relatório antropológico já existente e o cadastramento dos ilhéus quilombolas dependem da entrada dos técnicos do INCRA na área da ilha.

O trabalho do INCRA/RJ tem sido sistematicamente obstaculizado pela Marinha em decorrência da existência de um Grupo de Trabalho Interministerial (GTI) que discute a situação da Marambaia e que não torna público seus atos, não é transparente quanto à data das reuniões e sequer permite a participação da comunidade ou da sociedade civil em suas discussões, caracterizando um verdadeiro tribunal de exceção para os moradores da ilha.

O INCRA está tentando finalizar o RTID; entretanto, a Marinha recomendou a espera de “definições posteriores consentâneas em estudos em andamento no âmbito de um grupo de trabalho interministerial, conduzido pelo Ministério da Defesa”.

O Ministério do Desenvolvimento Agrário (MDA) interpelou o Consultor Jurídico do Ministério da Defesa solicitando a entrada da equipe do INCRA/RJ na ilha, entre 19 e 23 de dezembro. Recebeu como resposta: “a Marinha do Brasil e o Ministério da Defesa não podem simplesmente aceitar impassíveis apenas a proposta da comunidade, como faz o MDA. As normas a que V. Sª se refere (Decreto e Instrução Normativa) obriga tão somente INCRA e MDA, não sendo norma cogente a ter atribuição sobre este Ministério de Defesa”.

Haveria um ordenamento jurídico especial destinado ao Ministério da Defesa? Não faz o Ministério da Defesa parte da União a quem a Constituição obriga a expedição dos títulos de propriedade em beneficio das comunidades remanescentes de quilombos?

Prossegue a correspondência afirmando: “assim, corroboramos e ratificamos o entendimento do Comando da Marinha e do Comando-Geral do Corpo de Fuzileiros Navais, de que é prematura a realização das atividades requeridas pela referida superintendência do INCRA, efetuada através do Ofício/INCRA/SR-07/G/N. 629/2005, uma vez que o Grupo de Trabalho constituído para estudo da questão quilombola ainda encontra-se em fase de negociações, não havendo, portanto, delimitação territorial definitiva, o que pode criar uma expectativa por aquela comunidade e uma situação de fato, com sérios prejuízos aos interesses da União, em particular da Marinha do Brasil”.

Os trechos da troca de correspondência fazem parte dos autos da Ação Civil Pública – ACP (2006.51.11.000025-0 6001), ajuizada em 17 de janeiro de 2006, pelo Ministério Público Federal através da Procuradoria de Angra dos Reis pedindo que fosse determinada à União
Federal, “obrigação de não fazer, consistente em absterse de opor qualquer empecilho ao INCRA na realização do procedimento administrativo de identificação, reconhecimento, delimitação e titulação definitiva das terras ocupadas pelos Remanescentes de Quilombos da Ilha (Restinga) da Marambaia”.

Em 10 de fevereiro, o pedido de liminar da ACP foi concedido pela Juíza da 1a. Vara Federal de Angra dos Reis, e os trabalhos do INCRA iniciaram em 15 de fevereiro, tendo sido suspensos logo em seguida devido à cassação da liminar concedida.

Até o momento da suspensão, boa parte do cadastro havia sido feito pelo INCRA e os moradores não cadastrados foram retirados da Marambaia para realizar o cadastramento em Itacuruçá.

O método do cadastramento motivou queixas dos quilombolas. Segundo um representante da CONAQ, muitos quilombolas não possuíam todos documentos exigidos e foram ameaçados de ficar fora do cadastro.

Entretanto, um passo adiante foi dado: agora o procedimento de titulação estipulado pelo Decreto 4.887/2003 deve prosseguir no âmbito administrativo do INCRA. Os órgãos do governo federal devem tomar providências para garantir o andamento das ações do próprio INCRA e tornar públicos os debates do Grupo de Trabalho Interministerial que vem atuando às escondidas da sociedade civil e decidindo o futuro da comunidade quilombola que deveria participar do processo de tomada de decisões sobre seu território, seu futuro e sua vida.

< O Observatório Quilombola publica todas as informações que recebe, sem descartar ou privilegiar nenhuma fonte, e as reproduz na íntegra, não se responsabilizando pelo seu conteúdo.>

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