Vendas de quilombolas não dependem mais de intermediários
Quilombo de Ivaporunduva dribla atravessadores na venda de banana orgânica
Comunidade tradicional do Vale do Ribeira fecha parceria para abastecer banco de alimentos da prefeitura de Campinas (SP) com produto de valor agregado. O negócio evita que os bananicultores dependam de intermediários para escoar mercadoria e possibilita o aumento da renda das famílias quilombolas
No final de agosto a comunidade do quilombo de Ivaporunduva, no Vale do Ribeira, sul do estado de São Paulo, fechou um bom negócio. Vendeu quatro toneladas de banana orgânica para a Companhia Nacional de Abastecimento (Conab). A mercadoria foi entregue no dia 22 do mês passado para o Ceasa de Campinas, que administra o banco de alimentos da prefeitura do município, que tem parceria com a Conab. A previsão é que, até o final do ano, outras 44 toneladas de banana orgânica sejam entregues ao banco. Mais do que a quantidade de fruta vendida, o bom do negócio é que ele foi feito diretamente pela Associação Quilombo de Ivaporunduva, sem a participação dos atravessadores.
Desde que a produção da banana se tornou a principal atividade econômica do quilombo – e uma das maiores de todo o Vale do Ribeira, em meados do século passado -, os intermediários se notabilizaram em realizar negociações injustas e em dar prejuízo aos produtores locais, ao monopolizar o escoamento das produções para os centros consumidores, principalmente São Paulo. Para se ter uma idéia, a venda da banana orgânica para o banco de alimentos deve aumentar em até três vezes a margem de lucro dos produtores, em comparação ao valor obtido com a participação de atravessadores.
A produção da banana envolve praticamente todas as setenta famílias da comunidade de Ivaporunduva, formada por remanescentes de escravos fugidos ou de ex-escravos. Trinta e cinco delas estão investindo na alternativa orgânica da fruta, agregando valor ambiental ao produto. Foram estas famílias que afastaram os intermediários por meio de um programa do governo federal chamado Compra Antecipada da Agricultura Familiar (CAEF). O programa permite que a produção agrícola de produtores familiares tenha a sua compra viabilizada, de forma antecipada, pela Conab que, por sua vez, repassa os alimentos para instituições filantrópicas cadastradas. No caso das bananas orgânicas de Ivaporunduva, o banco de alimentos de Campinas encaminhou as bananas para 51 entidades da região de Campinas que trabalham com crianças carentes, creches e hospitais.
Produto com valor agregado – e inserido no mercado
A comercialização se deve à parceria entre a Associação Quilombo de Ivaporunduva e o Instituto Socioambiental (ISA), firmada em 2001. À época, a parceria visava implementar ações voltadas ao desenvolvimento socioeconômico, conservação ambiental e melhoria da qualidade de vida da comunidade. Os produtores de banana do quiloimbo enfrentavam um grande desafio para atingir a sustentabilidade econômica de sua atividade: como inserir a banana em melhores mercados, em especial o de produtos orgânicos, valorizando os aspectos ambientais e culturais agregados e propiciando-lhes melhores rendimentos?
Com o apoio financeiro do Subprograma Projetos Demonstrativos (PDA-PPG7), do Ministério do Meio Ambiente, a parceria também possibilitou que, nos últimos anos, diversos avanços ocorressem em Ivaporunduva para a melhoria das condições de trabalho dos quilombolas, como a aquisição da infra-estrutura necessária para o transporte da produção, organização do grupo de agricultores para a comercialização de forma conjunta e a certificação orgânica da banana produzida pelos quilombolas, realizada pelo Instituto Biodinâmico (IBD).
Benefício nas duas pontas
A venda direta do quilombo para o banco de alimentos beneficia os dois lados da cadeia. Numa ponta, permite o escoamento da produção de banana a preços justos, possibilitando aumento de renda ao grupo de produtores quilombolas – pequenos agricultores, historicamente excluídos do mercado formal brasileiro. Do outro lado, o projeto atende entidades assistenciais e escolares, incluídas no programa de abastecimento e segurança alimentar da prefeitura de Campinas.
Dessa forma, os produtos de Ivaporunduva têm como consumidores famílias de baixa renda, em situação de vulnerabilidade social e insegurança alimentar. A nutricionista Sandra Maidel, do banco de alimentos de Campinas, afirma que as entidades atendidas raramente recebem frutas de qualidade. “As pessoas gostaram muito da qualidade da banana, disseram que é melhor do que a das vendidas nos supermercados”, diz.
A Fundação Instituto de Terras de São Paulo (Itesp), órgão que atua junto às comunidades quilombolas do Vale do Ribeira, também teve importante papel e parceria no projeto. Foi responsável pela emissão da Declaração de Aptidão ao Pronaf (Programa Nacional de Fortalecimento da Agricultura Familiar), o que permitiu aos produtores quilombolas formalizar o projeto junto à Conab. O objetivo agora é envolver outros produtores quilombolas e entidades incluídas no banco de alimentos de Campinas que, nesta primeira etapa, não puderam ser contempladas neste processo. Além disso, espera-se que o projeto possa ter continuidade em 2006.
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