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Alfabetizadores quilombolas

Levantados do chão

Luanda Nera

Colaboração para a Folha, em Janaúba (MG)

“É tudo aquilo que o homem cultiva, como as danças, os instrumentos, a música e o artesanato, é também tudo aquilo que herdamos dos antigos, é a valorização da comunidade e dos indivíduos.” O cartaz com uma das definições de cultura ajuda a compor o cenário da sala de aula cedida pela igreja matriz da cidade de Janaúba, ao norte de Minas Gerais. Reunidos em círculos, os alunos acompanhavam atentamente as orientações dos professores e anotavam cada explicação.

A sexta-feira ensolarada de junho marcava o último dia de aula e anunciava uma nova etapa na vida de 47 quilombolas do Vale do Gorutuba (MG). Eles receberam o certificado de alfabetizadores para atuar no programa BB Educar, da Fundação Banco do Brasil com a consultoria técnica do ISA (Instituto Socioambiental) e do antropólogo Aderval da Costa Filho. Após 160 horas de treinamento, os representantes das 27 comunidades que povoam sete municípios agora enfrentam um grande desafio: ajudar a diminuir a taxa de analfabetismo entre adultos da região, que chega a quase 60%.

Esses alunos assumiram o compromisso de voltar para o seu povo com condições de ajudá-lo a ler e a escrever e, principalmente, estimular o interesse pelos estudos. O nível de escolaridade dos próprios alfabetizadores é muito baixo e, por isso, nosso trabalho teve de ser totalmente adaptado. Muitos só completaram o ensino fundamental , explica Maria Regina Toniazzo, 45, psicopedagoga e coordenadora do BB Educar. Mesmo assim, ela acredita que o sucesso do programa está relacionado à relevância para a comunidade. O resgate cultural é tão importante quanto a formação para a leitura e a escrita.

Toda a organização do curso, inclusive a escolha dos participantes, foi feita em parceria com os próprios moradores da região, liderados pela Associação dos Quilombolas, pelo Sindicato dos Trabalhadores Rurais, pelo Comitê de Solidariedade de Minas Gerais, entre outras entidades. Outros projetos de educação não deram certo porque traziam professores de fora, que não conheciam a nossa realidade. Isso não adianta. Dessa vez, tudo está sendo decidido com a comunidade, até o horário em que as aulas vão acontecer , diz Liobino Quaresma, 42, vice-coordenador da Associação dos Quilombolas e pai de um dos novos alfabetizadores recém-formados.

A população remanescente dos quilombos do Vale do Gorutuba vem sendo vitimada, desde os anos 40, por um brutal processo de expulsão das terras. Grande parte dos 5.000 mil habitantes da região vive em áreas ocupadas em antigas fazendas praticamente abandonadas. Os gorutubanos também sofrem de doenças endêmicas e têm um índice de mortalidade infantil quase cinco vezes superior à média nacional. O IDH (índice de Desenvolvimento Humano), de 0,54, é inferior ao das regiões mais carentes do Nordeste.
Não dá para brigar pela terra, preservar o ambiente e resgatar a cultura negra sem saber ler ou escrever. Ninguém respeita quem não tem educação. O analfabetismo dá margem à manipulação , diz Claudionor Ribeiro dos Santos, do Sindicato dos Trabalhadores Rurais.
Para os novos alunos, a oportunidade de ler e escrever abre uma perspectiva de independência. Conheço o dinheiro, mas tenho muita dificuldade quando preciso comprar alguma coisa. As pessoas riem quando pergunto o preço, acham que eu não enxergo , conta Ilda Maria da Silva, 55, do acampamento Novo Palmares.

Além das aulas que começaram neste mês, a população terá direito a consultas médicas e oftalmológicas. Os alfabetizadores receberão uma bolsa de R$ 250 reais durante dez meses. Sempre tive vontade de estudar para não ter que trabalhar só na roça. Essa é a chance , afirma Célia Maria da Silva, 30, da comunidade Salinas II. Ela ouve atentamente as histórias de seu colega de classe, Geraldo Francisco dos Santos, 54. Professor aposentado da rede municipal de ensino, ele fez questão de participar do curso. Não sabia planejar uma aula. Sempre recebi tudo pronto, não tinha chance de criar nada , diz Geraldo.
Os novos alfabetizadores participarão de oficinas pedagógicas periódicas e as lideranças da região já trabalham para que eles sejam reconhecidos como professores e possam dar aulas na rede municipal.

Luanda Nera viajou a convite da Fundação Banco do Brasil

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