BA – Sapiranga quer resgatar origem
Comunidades tradicionais de Mata de São João reivindicam reconhecimento de suas áreas como remanescentes de quilombos
Maiza de Andrade
Moradores de comunidades tradicionais do município de Mata de São João reivindicaram ontem à Fundação Palmares o reconhecimento de suas áreas como remanescentes de quilombos. O pedido foi feito em audiência pública na Assembléia Legislativa convocada pela Comissão de Proteção ao Meio Ambiente para discutir o futuro das populações tradicionais de Tapera, Pau Grande e Barreiros localizadas em fazendas situadas do litoral norte, como a Fazenda Praia do Forte, onde fica a Reserva Sapiranga, gerida pela Fundação Garcia dÁvila.
A audiência foi convocada em razão de denúncias à AL de ameaça de expulsão de moradores da Reserva Sapiranga, de 533 hectares. A representante da Fundação Palmares, Andréa Montenegro, disse que em cerca de 40 dias deverá ser emitida a certidão oficial que iniciará o processo de demarcação e titulação das terras. “Até que todo o processo seja concluído ninguém poderá tirar os moradores do local”, disse ela.
A fundação é uma entidade pública, vinculada ao Ministério da Cultura e que tem a finalidade de “promover a preservação dos valores culturais, sociais e econômicos decorrentes da influência negra na formação da sociedade brasileira”. O reconhecimento de remanescentes de quilombos é feito com base no Decreto Federal 4887, de 20 de novembro de 2003. Segundo Andréa, 60 comunidades já foram reconhecidas na Bahia, em municípios como Bom Jesus da Lapa, Senhor do Bonfim e Rio de Contas.
LIMITAÇÕES – Entregue em documento, no qual os moradores se declaram descendentes de escravos fugitivos da escravidão, que ocuparam o local há mais de 200 anos, o pedido de reconhecimento foi bem recebido pela Fundação Garcia dÁvila. Duramente criticada pelas limitações impostas aos moradores, a fundação foi representada por um funcionário, guarda-parque, que também é nativo da região, José Ferreira Júnior, que falou das ações da instituição no local. O gerente da fundação, Adriano Paiva, justificou sua ausência alegando estar em trabalho de plantio em outra fazenda pertencente ao mesmo proprietário da Reserva Sapiranga, Klaus Peter.
Por telefone, ele afirmou que vê com otimismo o processo de reconhecimento das comunidades como remanescentes de quilombos, que poderá resolver a questão fundiária que há muitos anos está pendente. “Tentamos resolver com o município, mas entre idas e vindas, não tivemos sucesso”, disse ele. Segundo Adriano, somente a comunidade de Tapera é localizada dentro dos limites da reserva, estando as demais em outras fazendas da região.
Pobreza em área rica do litoral
O presidente da Associação Comunitária Tupinambá, que reúne moradores de Tapera, Pau Grande e Barreiros, Elias Evangelista, destacou a situação de extrema pobreza em que vivem as 150 famílias dessas comunidades que não contam com água encanada, luz elétrica e saneamento básico.
– Estamos na parte mais rica do litoral norte e vivemos ilhados pela pobreza. A estação de tratamento de esgoto de Praia do Forte tem energia e nós não temos. Será que somos menos importante do que as fezes? – disse ele. “Não queremos brigar com ninguém, procuramos o
nosso direito, aquilo que nossos pais e avós nos deixaram como herança”, acrescentou.
A reunião foi curiosamente “vigiada” pelas caretas feitas pelo pequeno agricultor Manuel Emílio Coutinho, que permaneceu em pé no fundo do auditório. “Esse negócio de água do pote já acabou, queremos ter geladeira e que as crianças vejam TV”, desabafou, no final do evento. Animador cultural, Emílio é responsável pela organização do Carnaval local, que, segundo ele, é alegrado por um rádio carregado por um jegue. “Luto com as crianças, fazendo as caretas, mas não temos energia para nossas brincadeiras”, lamentou.
O presidente da Comissão de Proteção ao Meio Ambiente da AL, deputado Zé Neto, disse que encaminhará as denúncias e reivindicações das comunidades aos órgãos competentes. O parlamentar disse que a discussão vai continuar e marcou outra audiência pública para o mês de julho em local a ser definido em uma das comunidades tradicionais.