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Ofício enviado pela Associação Quilombola de Conceição das Crioulas às autoridades

Segundo a história oral, em meados do século XVIII, seis negras chegaram à região onde hoje é a comunidade de Conceição das Crioulas e arrendaram uma área de três léguas em quadra. Com a produção e a fiação do algodão que vendiam na cidade de Flores, situada também no sertão pernambucano, conseguiram pagar a referida renda e conquistaram o direito ao título de suas terras. Conta ainda a história oral que, em 1802, as crioulas receberam a escritura com o carimbo da Torre do Tombo com dezesseis selos, feita pelo Sr. José Delgado, escrivão do cartório da cidade de Flores, fazendo referência à época do império.

Conceição das Crioulas está localizada a 550 km do Recife, no município de Salgueiro, sertão do Estado de Pernambuco. Hoje seus cerca de 3.800 moradores sobrevivem basicamente da agricultura familiar e do artesanato, atividades prejudicadas pela presença de intrusos, que ocupam cerca de 70% das terras quilombolas. Quilombos são grupos étnicos, predominantemente constituídos pela população negra rural, que se autodefinem a partir das relações com a terra, parentesco, território, ancestralidade, tradições e práticas culturais próprias.

Os/as integrantes da Comunidade de Conceição das Crioulas participam da articulação nacional das comunidades quilombolas desde 1995, momento em que se oficializou ao Governo Federal, o pedido de regularização fundiária da comunidade. A Articulação Nacional hoje é a Coordenação Nacional das Comunidades Quilombolas – CONAQ.

Em 1996, a Fundação Cultural Palmares, atendendo às reivindicações da comunidade, elaborou o laudo antropológico do território, sendo aprovado em seguida pelo Governo Federal. Em 1998, a área foi reconhecida através da publicação no Diário Oficial da União, como Povo Remanescente de Quilombo, baseado no artigo 68º do Ato das Disposições Constitucionais Transitórias – ADCT que diz: “aos remanescentes das comunidades dos quilombos que estejam ocupando suas terras é reconhecida a propriedade definitiva, devendo o Estado emitir-lhes os títulos respectivos”. No ano 2000, a Fundação Cultural Palmares titulou a área de 16.865,0678 hectares, no entanto não regularizou as questões fundiárias. A não resolução dessas questões permite a permanência de intrusos no território, o que tem suscitado conflitos. No estado de Pernambuco, Conceição das Crioulas é uma das comunidades pioneiras na organização, mobilização e articulação das lutas quilombolas, se tornando uma referência nos âmbitos regional, nacional e internacional, a exemplo da participação na III Conferência Internacional contra o Racismo, Xenofobia e Intolerância Correlatas, Seminário de lançamento da Campanha Nacional pela regularização das Terras de Quilombos, em que se fez presente o relator da ONU.

A representação legal da comunidade é feita pela Associação Quilombola de Conceição das Crioulas – AQCC, que foi criada em 17 de julho de 2000. Surgiu com a finalidade de receber a titulação da terra de Conceição das Crioulas e atualmente é reconhecida como a entidade de representação máxima da comunidade, tendo como missão “promover o desenvolvimento de Conceição das Crioulas, fortalecendo a organização política, a identidade étnica e cultural e a luta pela causa quilombola”. A Associação congrega dez Associações de Trabalhadores e/ou Produtores Rurais dos sítios que compõem a Comunidade de Conceição das Crioulas. Desde 2003, a AQCC é a Secretaria Executiva da Comissão Estadual de

Articulação das Comunidades Quilombolas de Pernambuco, atribuição exercida pelo reconhecimento da sua capacidade de articulação política nos âmbitos local, nacional e internacional.

A AQCC tem se esforçado no sentido de envolver a comunidade internamente na busca por soluções às demandas da coletividade, ampliando a sua articulação com outras comunidades quilombolas, buscando parcerias e se fazendo representar junto às três esferas do poder público, com a intenção de buscar desses atores, no exercício das suas funções, a efetivação dos direitos dos(as) quilombolas.

De acordo com o Decreto Presidencial da Casa Civil da Presidência da República, de 20 de novembro de 2003, de n° 4887, é de responsabilidade do Ministério do Desenvolvimento Agrário – MDA/INCRA fazer cumprir as determinações constitucionais no que diz respeito às áreas dos descendentes dos quilombos no Brasil. No segundo semestre de 2004, para cumprir o Decreto mencionado, o INCRA iniciou os trabalhos de levantamento da área quilombola de Conceição das Crioulas – topografia, delimitação, demarcação, entre outros. Contudo, a presença do INCRA na área vem ameaçar o histórico domínio dos intrusos, elevando o nível de ameaças às lideranças da comunidade e suas famílias, chegando a situações extremamente graves conforme relatamos abaixo:

1. Um grupo de pessoas da Comissão de Patrimônio da Associação Quilombola de Conceição das Crioulas acompanhou os técnicos do INCRA na procura dos marcos antigos da Área Quilombola, no sentido de facilitar o geo-referenciamento, enquanto outro grupo acompanhou as reuniões do INCRA com a comunidade e o cadastramento das famílias.

Em alguns sítios da comunidade o trabalho foi tranqüilo, mas em outros não. No Sítio Rodeador, por exemplo, a fazendeira Sra. Maria Irene Eruça de Sá (Bebé), o Sr. Manoel Emídio Bezerra e “Júnior”, filho do Sr. Juvenal Pereira de Sá ameaçaram de morte as famílias do Sr. Adailton José Bezerra, residente no Sítio Rodeador, e do Sr. José Augusto Freire, residente na região de Queimadas, outro sítio da comunidade.

O Sr. Damião João da Silva e o Sr. João Francisco Mendes, da AQCC, foram ameaçados pelo Sr. Donato Galdino dos Santos e pelo Sr. Davi Neto dos Santos, sobrinho e filho, respectivamente, do Sr. Simão Gonçalves dos Santos (Simão David), fazendeiro dos arredores da comunidade. O motivo alegado pelos opressores foi a informação de que os dois quilombolas teriam, junto com os técnicos do INCRA, colocado marcos na sua fazenda, o que não procede.

No dia 04 de dezembro de 2004, o próprio Sr. Simão Gonçalves dos Santos (Simão David) esteve na residência da Coordenadora Executiva da AQCC, Sra. Maria Aparecida Mendes Silva, a procura do Sr. João Francisco Mendes, pai de Maria Aparecida. Como não o encontrou, falou em tom agressivo para a Coordenadora Executiva da AQCC e para o Sr. Andrelino Antonio Mendes, também liderança da comunidade. Usou o mesmo discurso do filho e do sobrinho e acrescentou: se tiver parte do terreno dele demarcado dentro da área, as lideranças não continuariam vivas para trabalhar na terra.

Vale salientar que este é o mesmo grupo de ameaçadores que vêm, há muito tempo, junto com o Sr. João Pompilho Carvalho Filho (João Filho) e o Sr. Francisco de Assis Alencar (Chicola) – atual vereador do PMDB de Salgueiro e também fazendeiro dentro da área quilombola –, agredindo moralmente e ameaçando a Sra. Givânia Maria da Silva, Andrelino Antonio Mendes, João Alfredo de Souza, Maria Aparecida Mendes Silva, Maria da Penha, José Alfredo de Souza, Vicente José Ferreira, entre outras lideranças da comunidade.

Sobre estas ameaças, formalizamos uma denúncia na Polícia Federal de Salgueiro no dia 07 de dezembro, em nome da Associação Quilombola de Conceição das Crioulas, e na Polícia Civil no dia 15 de dezembro, conforme cópias das certidões em anexo.

2. Na madrugada do dia 11/12/2004 para o dia 12/12/2004, por volta de 00:40h, jogaram gasolina e colocaram fogo na sede da Associação Quilombola de Conceição das Crioulas – AQCC. Embora não tenham obtido o sucesso desejado, parte do prédio foi queimado. Há um rodízio na coordenação da AQCC para garantir a segurança da sede durante a noite. A referida noite era de responsabilidade da coordenadora executiva, Sra. Maria Aparecida Mendes Silva, mas quem a substituía era o seu esposo, Sr. Expedido Antonio da Silva. Apagaram as luzes de um povoado de 150 famílias e praticaram a ação danosa. Sabe-se que dentre os alvos, Maria Aparecida Mendes Silva e Givânia Maria da Silva são as primeiras da lista. No entanto, hoje já somam mais de 15 pessoas que correm risco de vida.

Após o ocorrido, todos os procedimentos normais de registros de ocorrência foram novamente realizados – Delegacia da Polícia Civil de Salgueiro e Delegacia da Polícia Federal em Salgueiro. Encaminhou-se um breve relato ao Ministério Público Federal, em Brasília. Enquanto liderança da comunidade e parlamentar, a Sra. Givânia Maria da Silva encaminhou um relato para o Ministro da Justiça, Dr. Márcio Tomaz Bastos, com cópia para o Ministro do Desenvolvimento Agrário, Dr. Miguel Rosseto; Secretário Nacional de Direitos Humanos, Ministro Dr. Nilmário Miranda; Secretaria Nacional de Política de Promoção da Igualdade Racial-SEPPIR, Ministra Matilde Ribeiro; Procurador Geral da República do Estado de Pernambuco, Dr. Francisco Salles; Governador do Estado de Pernambuco, Dr.Jarbas Vasconcelos; e Secretaria de Defesa Social do Estado de Pernambuco, Dr. João Braga

Esses opressores, além de disputarem a terra, também são motivados pelas questões políticas, principalmente pela possibilidade real de desintrusão das terras por parte do Governo Federal.

Portanto, solicita-se aos poderes constituídos competentes a investigação dos fatos, bem como a devida providência no sentido de dar segurança à comunidade, que ora se encontra apreensiva diante do quadro de constantes ameaças.

Certos/as do empenho de todos/as em garantir a efetivação dos direitos dos povos e comunidades etnicamente diferenciados deste país e no combate a todo e qualquer tipo de violência aguardamos providências urgentes.

Salgueiro, 16 de dezembro de 2004

Associação Quilombola de Conceição das Crioulas -AQCC

Subscrevem este documento:

Coordenação Nacional das Comunidades Quilombolas –CONAQ
Comissão Estadual de Articulação Estadual de Comunidades Quilombolas de Pernambuco.
Centro de Cultura Luiz Freire – CCLF
Gabinete de Assessoria Jurídica às Organizações Populares – GAJOP
Conselho Indigenista Missionário – CIMI
Comissão Pastoral da Terra – CPT
Centro Dom Helder Câmara – CENDHEC
OXFAM
Igreja Anglicana
Comitê Direitos Humanos da Prefeitura da Cidade do Recife
Movimento Nacional dos Direitos Humanos – MNDH/NE
Doutores da Alegria
Comissão de Direitos Humanos da Assembléia Legislativa – Deputado Isaltino Nascimento/PT
Partido dos Trabalhadores
Rede Nacional de Advogados Populares – RENAP
Universidade Federal de Pernambuco / Imaginário Pernambucano.

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