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MG – Reunião de representantesde Comunidades Quilombolas

Reunião de representantes de Comunidades remanescentes de Quilombos

Comissão Provisória de representantes de comunidades remanescentes de quilombos discutem a criação de uma federação estadual

Dia 18 de fevereiro de 2005, no CEDEFES, foi realizada a reunião da comissão provisória e consultiva das comunidades quilombolas de Minas Gerais. Nesta reunião estavam presentes lideranças Quilombolas regionais, facilitadores do CEDEFES, CONSEA, IDENE, Instituto Fala Negra, Centro Quingemm, Unegro e T’zé (José Antônio Ribeiro), representante do Ministério Público Estadual, entre outros. A reunião teve como objetivo construir idéias em prol da estruturação de uma Federação Quilombola. Para tanto foram contextualizados os problemas das várias regiões do Estado, as demandas das comunidades e construídos coletivamente objetivos e o cronograma de planejamento de ações essencial a criação da anseiada Federação.
Neste encontro foram relatados, pelas lideranças quilombolas presentes, inúmeros problemas que perpassaram desde a questão da terra, a problemática da criação de reservas biológicas, a perda gradativa da identidade das comunidades quilombolas e a ausência de informações quanto seus direitos, postos em lei.
A problemática da terra perpassa pela ganância de latifundiários que não reconhecem o valor histórico das áreas espaciais dos quilombos nem mesmo a cultura destes povos que trazem consigo o som de tambores e a arte de danças tradicionais dos povos Bantus, entre outros originários do continente africano. Estes grandes proprietários ao assistirem lideranças quilombolas organizadas cobrarem seus títulos de propriedades, os ignoram, usam da força e de armas, ou mesmo de interesses políticos para impedir que as comunidades quilombolas resgatem seu espaço que lhes é de direito perante a lei. .
A pressão imobiliária, crescente tende a afetar diretamente a cultura quilombola, que perde a cada dia o seu espaço de vivência mediante interesses das elites, detentoras de capital. Este fato é claro ao analisarmos a fala de Maria Luzia, integrante da comunidade quilombola de Luízes: “Tivemos nosso centro cultural destruído, com este a extinção de nosso grupo de capoeira Senzala e de dança Swing do Cais. Com a perda do espaço da cidadania crianças e jovens se dispersaram e passaram a se envolver com as drogas e criminalidade. Já encaminhamos uma denuncia ao governo que engavetou o processo. Observamos em nossa comunidade a perda de nossa identidade, até mesmo as missas foram proibidas.”
A perda do vínculo com o espaço vivido também é algo claro na comunidade quilombola de Indaiá e Porto Coris. Na primeira o fato tem como causa maior a silvicultura de eucalipto, cuja finalidade é exclusivamente comercial. Já na segunda os impactos sócio-ambientais associam-se a instalação de um empreendimento hidrelétrico que ocasionou o reassentamento da comunidade quilombola, que se deslocou das margens do Rio Jequitinhonha para Fazenda Manda Saia situada em uma área de chapada. O espaço é impróprio para a agricultura familiar, mediante a porosidade do solo e baixo índice de drenagens. Algo é evidente é necessário o investimento de recursos em longo prazo para que esta área se torne produtiva.
Apropriações do espaço original, mediante a inserção de atividades econômicas, gradativamente tendem a ocasionar a redução das terras das comunidades quilombolas acarretando a ausência de auto-estima, a migração, a falta de espaço para produção. Para reverter esse quadro torna-se indispensável à construção de parcerias. A fala de Sandra, representante da comunidade Tabatinga situada em Bom Despacho, expressa bem a situação: “Hoje a gente não tem terra, não temos mais nada, vieram pessoas e tomaram nossa propriedade”. Para que nossa cultura se mantenha utilizamos um galpão da prefeitura, onde foi criada nossa Associação para tanto foi necessário parcerias.”
Outro fato vivenciado pela comunidade de Tabatinga é o racismo. Este ocorre em todos os espaços, nas igrejas, escolas, lojas…. Na cidade o negro não tem oportunidades de emprego, isso faz com que parte da comunidade não se reconheça como integrante de uma comunidade remanescente de quilombos. Segundo o relato de dona Eva este episódio se estende a comunidade de Misericórdia, localizada na Chapada do Norte, onde crianças e jovens não querem participar do Congado, sentem vergonha de se manifestarem na frente dos brancos que hoje ditam as regras.“Quem mora na terra é o Negro, mas quem manda é o Branco” Ticão (liderança comunitária da comunidade do Brejo).
Cabe aqui ressaltar que conflitos também são visíveis a medida em que o governo inicia o processo de criação das reservas biológicas. Por vezes, ignoram a presença de comunidades quilombolas, o que leva a perda parcial ou total das terras destas. Este fato é o que vem ocorrendo na comunidade de Mumbuca. Segundo João, representante desta na reunião da comissão provisória, desde junho de 2000 foi implantado um decreto que ditou que a área que lhes é cabida pertence, segundo interesses do IBAMA, a uma reserva biológica. Em uma visita feita pelo órgão sua equipe técnica identificou 200 moradores quilombolas, contudo somente na área delimitada como reserva biológica existem aproximadamente 600 pessoas. Mediante a diferença significativa de pessoas a procuradoria relatou que faria um novo levantamento, contudo este ainda não foi posto em prática.
Determinadas representações presentes relataram que muitas das propriedades quilombolas, dotadas de cunho histórico, ainda não foram tituladas para seus povos, o que desencadeia um menor proporção espacial para a produção de subsistência, essencial a alimentação das comunidades. Estas têm como ideal produzir o que é necessário ao consumo familiar e um excedente para o comércio local, o que seria mais uma forma de geração de renda, que se integraria a tradição artesanal de parte das comunidades quilombolas.
Para que este quadro problemático se reverta é essencial a organização e a criação de uma entidade que possibilite as comunidades quilombolas um maior poder de barganha. Diante deste fato, a comissão presente discutiu o papel das associações, sindicatos dos trabalhadores rurais e Federações relatando a importância destas enquanto entidades que lutam pela efetivação dos direitos das comunidades quilombolas. Esta ultima é uma forma de organização essencial ao reconhecimento de novas comunidades e ao repasse de verbas destinadas às comunidades quilombolas mediante aprovação da secretaria de Brasília.
A Federação Quilombola será uma entidade civil que represente política e juridicamente, a nível estadual, as comunidades remanescentes de quilombos, em pról do desenvolvimento sustentável e fomento ao funcionamento das Associações quilombolas locais. A esta poderão se integrar inúmeras associações e sindicatos. Ressalta-se, que posteriormente a sua criação inúmeros propósitos demandados pela comissão quilombola sejam atendidos, dentre estes: a disseminação de informação dos direitos quilombolas; o auto-reconhecimento acompanhado pelo levantamento real do território; trabalhos específicos sobre a mulher quilombola; participação em seminários e congressos em âmbito estadual e federal; desburocratização da titulação das terras e criação de políticas públicas voltadas aos anseios das comunidades quilombolas, tais como espaços de convergência religiosa, artística e social.

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