Povo de Santo e ativistas se manifestam contra mudança de nome das Dunas do Abaeté, em Salvador
Apresentado pelo vereador Isnard Araújo (PL), o Projeto de Lei Nº 411/2021 propõe alterar o nome das dunas do Abaeté para “Monte Santo Deus Proverá”, povos de santo sinalizam racismo religioso na ação.
Por: Luciana Faustine
Está tramitando na Câmara Municipal de Salvador o Projeto de Lei Nº 411/2021, de autoria do Vereador Isnard Araújo (PL), que propõe a alteração do nome das Dunas do Abaeté para “Monte Santo Deus Proverá”. A escolha do nome é uma referência aos cultos evangélicos que acontecem no local, localizado na Avenida Dorival Caymmi, no bairro de Itapuã.
No projeto, o vereador justifica que o Parque do Abaeté é um local “respeitado pelos evangélicos e grupos neopentecostais, que frequentam o lugar na intenção de realizar cultos”. Ele ainda utiliza como argumento o art. 5°, inciso VI da constituição de 1988, artigo que assegura na forma da lei o direito de integrantes de qualquer religião a professá-la livremente sem ser intimidados por sua fé.
A Lagoa do Abaeté faz parte do Parque Metropolitano Lagoas e Dunas do Abaeté, e está localizada em um local de proteção ambiental. O lugar também é utilizado por praticantes de religião de matriz africana que, juntamente com ambientalistas, ativistas e indígenas protestaram contra a ação, tanto de forma digital como presencialmente.
Realizado na última quinta-feira (10), um protesto contra a proposta do vereador culminou em um confronto entre evangélicos e integrantes de religião de matriz africana, no qual diversos integrantes de religião de matriz foram agredidos física e verbalmente. Em seu perfil no Instagram, a Yálorixa Jaciara Ribeiro se posicionou contra o projeto e ressaltou o racismo religioso presente na ação.
“Isso é extremamente perverso e racista, a Lagoa do Abaeté é um espaço público e não pode ser uma concessão apenas para um segmento religioso”, disse ela.
“Não há aqui a menor intenção de ferir o projeto de qualquer religião, mas sim a necessidade de registrar o preterimento, abandono, a falta de escuta, de diálogo e de disposição de acolhimento das demandas de todos os grupos religiosos de forma igualitária. Segundo o Mapeamento dos Terreiros de Candomblé de Salvador, revela que, até este ano, Itapuã possuía 48 terreiros. Historicamente as casas de candomblé cultuam no entorno da Lagoa do Abaeté, nas duas e utiliza dos recursos naturais de forma respeitosa. Salientamos que a natureza é o cerne do nosso culto e que estamos na disputa constante por este território e no combate a sua degradação. E, ainda assim, não temos a mesma visibilidade e celeridade no atendimento das nossas pautas. Exemplo disso foi a inauguração e manutenção do Busto de Mãe Gilda ou dos protestos contra a elevação do esgoto na Lagoa”, diz a nota emitida pela Yálorixa, no perfil do Axé Abassá de Ogum.
A Artivista, Educadora, Permacultora Clara Domingas também utilizou o Instagram para se manifestar sobre as ações que têm acontecido nas dunas, não somente agora, mas desde 2019, como ela explica, pontuando que mesmo antes da divulgação do Projeto de Leia já existia uma placa denominando a duna de Monte Santo.
“Estamos atravessando momentos de tormenta no Abaeté! Os ataques são históricos, mas os mecanismos democráticos estão cada vez mais frágeis e agora temos um contexto de crescente fascismo, fundamentalismo religioso e organização criminosa articulados. O que dizer sobre o PL de n. 411/2021 que propõe a denominação de uma região de dunas localizada na Av. Dorival Caymmi como “Monte Santo Deus Proverá”? O que dizer de um projeto de urbanização/ requalificação de dunas para atender aos interesses neopentecostais em ano de eleição? Passei minha infância escorregando nessas dunas, era conhecida como a “Duna do Campo” porque a prática esportiva na base da duna acontece há muito tempo, a Associação do futebol tem 40 anos. Como defender os patrimônios afro-indígenas desse território? Como evitar que construam numa área que fica ao lado da lagoa Catu? A APA Lagoas e Dunas do Abaeté foi criada e delimitada pelo Decreto Estadual n. 351 (1987) justamente para garantir a conservação de remanescentes da restinga, sistema de dunas e lagoas, e culturas associadas, dando ênfase ao desenvolvimento econômico relacionado à atividade turística voltada para o ecoturismo (BAHIA/CEPRAM, 2002) mas teve sua delimitação alterada algumas vezes (1993, 2002, e 2010) para atender aos interesses da especulação imobiliária, resultando em redução das área de APA e principalmente das áreas ditas não urbanizáveis. Vejam, a área em questão está na borda da APA justamente por conta de uma alteração de poligonal feita anteriormente. Precisamos que as gestões municipais e estaduais atuem de maneira integrada e comprometida com esse território que é fundamento ancestral da cidade de Salvador! Esse golpe vem sendo paulatinamente construído nos últimos anos, faz tempo que pautamos a existência de uma placa que já instituída o nome “Monte Santo” e assinavam Parque das Dunas (Unidunas) e Prefeitura de Salvador. Postei imagens de 2019. Vamos permitir mais essa privatização, intervenção “civilizatória” nos moldes dos colonizadores pregadores? Levante-se pelo Abaeté originário!”, diz o post.
Construção Municipal
Para além da mudança do nome, há ainda um projeto desenvolvido pela prefeitura de Salvador que prevê a construção de uma casa de acolhimento a ser construída nas dunas, com intuito de receber os frequentadores neopentecostais, quando esses estiverem fazendo cultos no local.
A diferença nos temas dos protestos foi explicada por Ana Gualberto, assessora de Koinonia e Camila Chagas, advogada e educadora popular em Koinonia. Ana e Camila debateram sobre as questões religiosas, assim como a questão de as dunas estarem localizadas em uma área de proteção ambiental e o fato de haver dois projetos paralelos, para além da construção de uma rede elevatória de esgoto a ser construída no local, que gera protestos desde 2020.
Em conjunto com diversas instituições, os povos de terreiro enviaram uma carta aberta à Câmara Municipal de Salvador. Leia a carta abaixo.
CARTA ABERTA DOS POVOS DE TERREIRO À CÂMARA MUNICIPAL DE SALVADOR
Viemos a público, manifestar nossa indignação e oposição ao Projeto de Lei Municipal nº 411/2021, proposto pelo Vereador Isnard Araújo (Partido Liberal – PL) que pretende denominar as dunas do Abaeté localizadas na av. Dorival Caymmi de “Monte Santo Deus proverá”.
A localidade está inserida na região da Área de Preservação Ambiental – APA das Lagoas e Dunas do Abaeté. Este espaço é parte do patrimônio histórico e cultural de Salvador, portanto de uso e pertencimento a todas as pessoas, religiosas ou não, para usos diversos. A justificativa da proposta é que o local é utilizado por diversos grupos religiosos, tanto evangélicos e grupos neopentecostais, segundo o Projeto de Lei.
Contudo, este local também é frequentado por outras religiosidades, em especial religiosos de Matriz Africana, grupos culturais, moradores da região e turistas. Compreendemos que, caso seja aprovado, a denominação como “Monte Santo Deus Proverá” acarretará na discriminação das práticas religiosas outras, em especial afro-brasileiras na medida em que conferirá um tratamento diferenciado aos grupos cristãos em detrimento de outras práticas religiosas contra-hegemônicas.
Nesse sentido, somos contrários a mudança de nome do Parque das dunas do Abaeté para “Monte Santo Deus Proverá” porque que vai de encontro a laicidade do Estado e fortalece o fundamentalismo religioso que desrespeita, segrega, oprime, violenta e mata nosso povo que sofre racismo religioso, cotidianamente, e agora está na eminência de ver as dunas do Abaeté, espaço que para nós também é sagrado, ser denominado com expressão não nos representa, enquanto profissão de fé, e que fomentará o discurso de ódio e a prática da intolerância religiosa.
Dizemos não ao PL 411/2021!
Pelo Estado verdadeiramente laico!
Assinam esta carta:
KOINONIA Presença Ecumênica e Serviço
Ìlẹ̀ Àṣẹ Ẹwà Ọ̀lódùmarè
Egbé Lecy Omi Okutá Lewá
Axé Abassa de Ogum
Ilê axé Oyà Bagan Bàbá Alaefurun
Undeke – Bahia – União Nacional das Ekédes Bahia
Instituto IABEPE- África -900
Rede de Mulheres Negras da Bahia
No Twitter, após as manifestações contrárias ao projeto, o prefeito de Salvador, Bruno Reis (DEM), fez um post alegando que não existe a possibilidade de o projeto ser aprovado e que tem grande repeito por todas as religiões, sobretudo a de matriz africana.