Os atentados contra terreiros, o assassinato de Moïse e a fala do Monark: Sobram faces, mas a moeda é a mesma
Por: Pedro Rebelo
A esta altura a internet está saturada de informações sobre a fala absurda do podcaster Monark em alusão ao nazismo. Dada a gravidade do fato e dos desdobramentos, é importante pensarmos que esta fala não é um caso isolado (e criminoso) de mau-caratismo e/ou idiotice. Há muito mais conectado a este episódio. Há poucos dias presenciamos o assassinato brutal de Moïse Kabagambe e é impossível não pensar que haja relação.
Como um crítico da História eu diria que basicamente tudo nos últimos 522 anos está conectado com essa fala absurda e com o assassinato de Moïse, mas como professor de História preciso de um marco temporal mais específico. Então, trago como reflexão o espaço que discursos e ações de ódio crescentes no Brasil, assim como a relativização e até mesmo o enaltecimento de ideias reacionárias ganharam com o advento e popularização da internet no Brasil dos últimos trinta anos. Falo justamente em ganhar espaço, porque ideias e ações como esta já circulavam por aí. A era das redes sociais apenas proporcionou o palco.
Quem viveu os anos 90 vai lembrar do “Chute na Santa”, do Pataxó Galdino Jesus dos Santos, do Massacre do Carandiru, do caso Daniella Perez e da associação de Collor (às vésperas do impeachment) com o candomblé. Nos 2000 vivenciamos o caso de Mãe Gilda, o episódio que desencadeou a depressão e morte de Jorge Lafond… Na década seguinte vimos o caso de Alexandre Ivo, anos depois Amarildo, Claudia Silva, Kaylane, Marielle, Ágatha, João Pedro, Seu Antônio Correia, Moïse Kabagambe… Sem contar nomes anteriores ao nosso recorte temporal, como Chico Mendes. A lista é enorme. Alguns conhecidos e outros sem tanta cobertura da mídia. Outros acontecendo agora, inclusive.
O fato é que não estamos falando de nenhuma novidade, mas de um fenômeno de evidenciação do ódio cultivado em um país com sérios problemas de memória e um grande projeto de crise educacional (como diria Darcy Ribeiro), imerso na cultura do imediatismo e da modernidade líquida de uma geração que ainda questiona “De que forma?!”
Somos o país que não reviu os crimes da escravidão, da Ditadura Militar, o país que não trata adequadamente os casos de intolerância religiosa… O mesmo país que tolera ideias nazistas e racistas. Inclusive aquelas proferidas no Clube Hebraica, desferidas contra a população quilombola.
De tempos em tempos o Brasil elege seus absurdos referenciais. Nina Rodrigues, Arthur Ramos, Plínio Salgado, Gustavo Corção, Eneas Carneiro, Olavo de Carvalho… Estes últimos ainda com algum esforço para disfarçar suas ideias reacionárias em discurso científico. Agora, na teia dos novos tempos, uma gama de figuras preguiçosas como Monark, fruto de uma mistura indigesta de redes sociais e novas mídias saturadas de teorias da conspiração e fake news e relativismos vazios de qualquer estudo que viram em Bolsonaro a concretização prática de suas ideias nas eleições de 2018.
Por isso não é surpresa nenhuma que os casos de apologia ao nazismo tenham aumentado 900% em dez anos, como informa a Política Federal. Não é surpresa que em pleno 2021 os casos de Intolerância Religiosa (majoritariamente contra terreiros) tenham aumentado mais 100%. Não é supressa que o Brasil esteja entre os cinco países com maior taxa de feminicídio do mundo, não é surpresa que seja o que mais mata a população LGBTQIA+, ou que seja país em que jovens negros tenham 2,5 mais chances de morrer assassinados do que os jovens brancos.
Assim como não é surpresa que a maioria dos protagonistas dos crimes acimas citados e seus principais representantes não só não estejam presos, como liderando programas e lives de audiência na internet.