Daniela Yabeta
Professora do Departamento de História (UNIR-PVH)
Editora do Observatório Quilombola
Depois de 10 dias de folia no Rio de Janeiro, retorno a Porto Velho para a labuta e encaro a difícil tarefa de escrever essa coluna pós-carnaval. Como a vida é feita de desafios, não estou aqui para correr desse que se apresenta nesse momento.
Logo de cara coloco a seguinte questão: quem sou eu na fila do pão quando o assunto é carnaval? Ninguém! Sou apenas uma foliã circulando pelos blocos do centro do Rio. Entre uma ressaca e outra, procuro ficar atenta aos debates acompanhando nas redes sociais os comentários do historiador Luiz Antônio Simas e da minha querida Martha Abreu (História – UFF), grandes referências para quem quer se dedicar aos estudos sobre a temática momesca. Aproveito para deixar aqui o link de uma matéria onde Simas “indica cinco obras sobre o carnaval que mostram por que essa festa é chave essencial para entender o Brasil”, com direito ao acréscimo de Martha Abreu, ao incluir na lista “A Corte em Festa – Sobre os carnavais negros em tempo de luta abolicionista no Rio de Janeiro (1879-1888)” de Eric Brasil (História – UNILAB).
Entre os meus rituais de carnaval a apuração é um dos momentos mais esperados. Esse ano eu assisti em Porto Velho ao lado meus cachorros, gatos e uma garrafinha de cerveja que estava esquecida na geladeira desde 2019. A briga foi boa! Viradouro e Grande Rio fecharam com a mesma pontuação: 269,60. No entanto, a escola de Niterói levou a melhor nos critérios de desempate e tornou-se bicampeã do carnaval carioca, repetindo o feito do gigante Joãozinho Trinta (1933-2011), que em 1997 levou para a avenida o enredo “Trevas! Luz! A explosão do universo!”.
Sendo assim, minha tarefa aqui será apenas indicar algumas leituras sobre cada um dos enredos vencedores e finalizar com dicas preciosas do que vem sendo produzido na Universidade Federal de Rondônia (UNIR) sobre o carnaval de Porto Velho.
A Unidos do Viradouro, grande campeã do Carnaval 2020, levou para a avenida o enredo criado por Tarcísio Zanon e Marcus Pereira – “Viradouro de alma lavada”, que fala sobre as Ganhadeiras de Itapuã (BA), grupo tradicional de mulheres negras de Salvador “batizado com este nome em homenagem às mulheres que desde o século XIX e início do século XX, faziam lavagem de ganho (lavando roupas) ou saiam com seus balaios a pé para vender peixe e quitutes pela cidade e assim ganhar o sustento da família”. Harue Tanaka, professora do Departamento de Música da Universidade Federal da Paraíba (UFPB) é autora da tese de doutorado intitulada: “Articulações pedagógicas no coro das ganhadeiras de Itapuã: um estudo de caso etnográfico”, defendia em 2012 no Programa de Pós-Graduação em Música da Universidade Federal da Bahia (UFBA). Durante a passagem por Salvador, ao ter notícia da pesquisa realizada por Tanaka, a direção da escola de samba levou uma cópia do trabalho para ser utilizado como referência na montagem do desfile. Para quem quer saber mais sobre “onde nossas ancestrais acordavam as manhãs”, deixo aqui também o link do documentário “Ganhadeiras de Itapuã”. Meus olhos brilham quando História, Música e Cinema se encontram, o carnaval possibilita tudo isso e muito mais.
A Acadêmicos do Grande Rio ficou com o segundo lugar e o prêmio Estandarte de Ouro do Carnaval 2020. O enredo apresentado pela escola foi sobre a trajetória do pai de santo João Alves de Torres Filho, popularmente conhecido como Joãozinho da Gomeia (1914-1971). Nascido em Inhambupe (BA), mudou-se ainda criança para Salvador e fez santo com pai Severino Manoel de Abreu, o Jubiabá. Seu primeiro terreiro foi erguido num espaço herdado de sua madrinha, localizado na Rua da Gomeia. Chegou ao Rio de Janeiro na década de 1940 e se estabeleceu em Duque de Caxias, município onde está localizada a escola de samba que o homenageou. Em 2016, André Chevitarese (UFRJ) e Rodrigo Pereira (UFRJ) publicaram o texto “O desvelar do candomblé: a trajetória de Joãozinho da Gomeia como meio de afirmação dos cultos afro-brasileiros no Rio de Janeiro”. O texto busca analisar a trajetória de vida do pai de santo defendendo que sua visibilidade nas mídias, entre os artistas e mesmo como referência religiosa para os cultos afro-brasileiros no Rio de Janeiro e Brasil foi fator importante para a legitimação do candomblé dentro de um movimento mais amplo que se remete ao fim das perseguições a estes cultos com Decreto-Lei nº 1.202 de 8 de abril de 1939 promulgada por Getúlio Vargas. Essa é apenas uma dica, existem inúmeras pesquisas sobre Joãozinho da Gomeia e vale a pena conferir.
Além da Viradouro e da Grande Rio, voltarão para o desfile das campeãs – no próximo sábado (29/02) as seguintes escolas: Mocidade Independente de Padre Miguel – com enredo sobre a cantora Elza Soares; Beija-Flor de Nilópolis saudando o povo de rua e cantando “ê laroyê ina mojubá”; Acadêmicos do Salgueiro que contou a história de Benjamim de Oliveira (1870-1954), primeiro palhaço negro do Brasil e a Estação Primeira de Mangueira, que levou para a Sapucaí as várias faces de Jesus – negro, mulher, favelado e indígena. A escola também trouxe uma faixa que dizia: “Independente de sua fé, o respeito deve prevalecer” e para minha surpresa, quem estava lá ao lado de outros líderes religiosos de diferentes credos? O diretor executivo de KOINONIA, representante do Fórum Ecumênico Brasil ACT Aliança e ogã da Casa Branca do Engenho Velho, Rafael Soares de Oliveira. Não desfilei, mas me senti representada em diversos momentos em cada uma dessas escolas.
Em Porto Velho, perdi a festa de comemoração pelos quarenta anos da “Banda do Vai Quem Quer”. Porém, antes de cair na gandaia, visitei o Museu da Folia montado no shopping da cidade. O objetivo do museu é contar um pouco da história do carnaval portovelhense. Foram expostos abadás dos principais blocos da cidade, bonecos, marchinhas e jornais com páginas inteiras dedicadas a relatar os dias de folia. Um material que desperta interesse em qualquer historiador! Para quem não passou por lá, dá tempo de conferir até o dia 29 de fevereiro.
Ainda sobre o carnaval de Porto Velho, deixo aqui a dica de alguns textos produzidos no âmbito da Universidade Federal de Rondonia (UNIR). O primeiro chama-se “Nas tramas da alegria: a Banda do Vai Quem Quer no carnaval de Porto Velho (1990)”, dos historiadores Ítalo Lima de Moura e Marco Antônio Domingues Teixeira (História-UNIR), publicado na Revista Labirinto em 2018. Moura também é autor do texto “Você me conhece? A história de alguns carnavalescos de Porto Velho”, publicado na Revista Veredas da Amazônia em 2019 e autor da monografia “Bailes, Blocos e Escolas de Samba – Histórias do Carnaval em Porto Velho” de 2016. No final de 2019, Seliane de Souza Costa escreveu a monografia intitulada “Eu não vou, vão me levando: análise das marchinhas de carnaval da Banda do Vai Quem Quer de 1995 e 2015”. Nas palavras da autora, o objetivo da pesquisa foi “analisar duas marchinhas de carnavais da Banda do Vai Quem Quer referente aos anos de 1995 e 2015”. O recorte temporal foi justificado “pelo fato de ter sido nestes dois anos que a banda entoou marchinhas criticando o governo federal”. De acordo com a jovem historiadora, “desenvolver tal atividade ajuda a resgatar a memória do carnaval de rua em Porto Velho”, além de “compreender melhor o momento político em que as marchinhas foram concebidas”.
Não posso prometer abandonar meu Rio de Janeiro e cair nos braços do rei momo portovelhense no próximo ano. Sou nascida na Praça XV, criada no subúrbio de Irajá – terra dos Tupinambás que foram enredo da Portela esse ano, e imperiana de fé e coração. Nunca fui do samba, mas me descobri no carnaval. É nessa festa que recarrego minhas energias. De qualquer forma, sigo firme me encantando com o trabalho de pesquisa na floresta e estou aqui para lembrar que o carnaval de Rondônia também é História da Amazônia e o nosso mestrado vem aí!
Evoé!