Navio alemão acusado de racismo
Além do Bouboulina – o navio de bandeira grega que é apontado como o responsável pelo maior desastre ambiental já registrado no Litoral do Nordeste – outra embarcação estrangeira está dando o que falar na região. Mas não por derramamento de óleo no mar, e sim por preconceito racial e intolerância religiosa. É o Logos Hope, que está ancorado em Salvador, cidade que, segundo a tripulação do navio, é conhecida “pela crença do povo em espíritos e demônios”.
A definição foi colocada em uma rede social, pouco antes do navio chegar à Bahia, onde está aberto à visitação, por ostentar aquilo que chama “a maior livraria flutuante do mundo”. O navio é administrado pela organização alemã de origem cristã Good Books For All, e virou alvo não só de protestos como também da Justiça. E criou problema sério com os povos de axé da Bahia, que nesta segunda-feira realizam protesto em frente ao Logos Hope, em defesa da liberdade religiosa e pelo fim da discriminação entre os povos.
Ao lado do navio ancorado, representantes dos terreiros colocaram uma faixa contra a atitude do grupo alemão, e lá fizeram um ebó coletivo, com dez horas de protesto ( as manifestações começaram às 9h e se prolongam até 19h, no ancoradouro. Em uma das faixas, colocadas ao lado da embarcação, o recado do povo baiano, onde a presença das religiões de origem africana é muito forte. “A Bahia é de todos os santos, voduns, nikisis, orixás e santos. Racismo não”. Também foram distribuídos panfletos afirmando que “livros e intolerância religiosa” não combinam.
Depois da polêmica frase postada pela organização em uma de suas redes sociais, a confusão começou, com muita gente indignada, principalmente os povos de terreiros. A falta de respeito chegou ao Ministério Público da Bahia, que instaurou inquérito para apurar o incidente, por achar que o navio praticou “racismo e intolerância religiosa”. Manifestantes diziam hoje, durante o ebó, que é preciso “a compreensão de que o que nos mantém vivos é cultuar os orixás, os voduns encantados, os pretos velhos, os caboclos. Estamos aqui na Bahia, e a Bahia tem a nossa cara”.
“Nada menos de 519 anos depois da chegada ao que chamamos de nosso país, daqueles que afirmavam agir pela e para a salvação das almas, sabemos bem o mal que nos legaram. Ou seja, para os povos do Litoral do que viria a ser identificado como Brasil, o demônio chegou de caravela. Hoje chega disfarçado de biblioteca”. O que a tripulação do navio alemão não sabe, no entanto, é que bem pertinho dela, a cinco metros de profundidade, encontra-se um “assentamento de Exu”, que segundo os especialistas teria sido colocado como guardião da Baía de Todos os Santos, e protetor dos marítimos. Sem discriminar cor, origem nem religião. E viva o povo brasileiro!
Texto: Letícia Lins Fotos: Fernando Batista
FONTE: OxeRecife em 04/11/2019