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De olho nos royalties do petróleo, Búzios e Cabo Frio brigam por bairro humilde

 

Morador da Rua 22, na divisa entre Búzios e Cabo Frio, o missionário evangélico Carlos Roque passou os últimos dias buscando saber em que cidade poderia receber atendimento médico. Após um vídeo com o seu drama viralizar nas redes sociais, ele foi orientado a procurar um posto de saúde em Búzios. A situação é o retrato das dificuldades enfrentadas por quem vive na região e se sente perdido enquanto as duas prefeituras travam uma disputa na Justiça pelo bairro Maria Joaquina.

Foi justamente a mudança de lado desse bairro que fez Búzios figurar no levantamento divulgado pelo IBGE, no mês passado, como a segunda cidade com o maior crescimento populacional no país: 21,9%. O instituto decidiu contar os moradores de Maria Joaquina como buzianos — fez isso com base numa decisão judicial, que Cabo Frio já conseguiu derrubar. Para todos que vivem ali, o motivo da briga pelo bairro não é segredo: a chance de um aumento na receita, especialmente com os royalties de petróleo.

— Há dois anos, me mudei de Búzios para Maria Joaquina, em Cabo Frio. Mas, no lado esquerdo da calçada, em frente à minha casa, é Búzios — explica Roque, pulando de um lado para o outro da rua, para mostrar o que separa as cidades. — Eu já tinha o cartão do SUS, mas, na última terça-feira, não me aceitaram no posto de Vila Verde, em Búzios. Depois que eu gravei um vídeo, me ligaram para avisar que voltaria a ser atendido lá.

Crescimento desordenado

Maria Joaquina é um bairro pobre, com a maioria das ruas em terra batida e uma população em crescimento. Atualmente, são 13 mil habitantes, segundo a prefeitura de Búzios, mas é possível imaginar que o número aumente, devido ao surgimento de novos loteamentos irregulares. Historicamente, seus moradores são ligados a Búzios, cujo Centro fica mais próximo — 25 minutos de ônibus, contra uma hora e meia de viagem em duas conduções até o Centro de Cabo Frio — e onde a maioria trabalha. No local, existem dois serviços públicos: um posto de saúde e uma escola municipal, ambos da prefeitura de Cabo Frio.

Uma das marcas do bairro é a atuante comunidade quilombola, os primeiros habitantes dali. Landina Antônio Oliveira, presidente da Associação dos Remanescentes do Quilombo de Maria Joaquina, se recorda da época da votação pela emancipação de Búzios, em 1995. Segundo ela, todos em Maria Joaquina acreditavam que o bairro faria parte da então nova cidade.

— Naquele ano, enchemos três ônibus até o Rio para marcar presença na votação. Somente depois de um ano descobrimos que ainda estávamos dentro de Cabo Frio — contou Landina, que reclama do descaso das autoridades. — Cabo Frio leva o dinheiro, e Búzios leva os votos. No meio disso tudo, ficamos abandonados.

Uma das marcas do bairro é a atuante comunidade quilombola, os primeiros habitantes dali. Landina Antônio Oliveira, presidente da Associação dos Remanescentes do Quilombo de Maria Joaquina, se recorda da época da votação pela emancipação de Búzios, em 1995. Segundo ela, todos em Maria Joaquina acreditavam que o bairro faria parte da então nova cidade.

— Naquele ano, enchemos três ônibus até o Rio para marcar presença na votação. Somente depois de um ano descobrimos que ainda estávamos dentro de Cabo Frio — contou Landina, que reclama do descaso das autoridades. — Cabo Frio leva o dinheiro, e Búzios leva os votos. No meio disso tudo, ficamos abandonados.

Maria Joaquina teve grande crescimento recentemente, com a chegada de moradores que saíram do balneário turístico por causa da valorização imobiliária. Por isso, muitos ali ainda têm o título de eleitores de Búzios. Por lá, as contas também são divididas. Landina diz que a luz é cobrada por Cabo Frio, mas a água e a telefonia vêm de Búzios.

— Na prática, nunca pertencemos a Cabo Frio. Todo mundo aqui vai resolver seus problemas em Búzios — diz Landina, matriarca de um dos três núcleos que originaram as 147 famílias quilombolas do bairro. — E a receita de royalties, eles só usam para a Praia do Forte (Cabo Frio). Só quero que melhore meu bairro, independentemente da cidade a que pertencer.

“Só quero que melhore meu bairro, independentemente da cidade a que pertencer”

LANDINA ANTÔNIO OLIVEIRA
Presidente da Associação dos Remanescentes do Quilombo de Maria Joaquina

Todos apontam os royalties do petróleo como o maior pivô da briga. No entanto, ninguém revela o valor por trás de tanto interesse. Segundo o comerciante Jailton Barros, Maria Joaquina e a vizinha Tamoios seriam responsáveis por 30% da arrecadação de Cabo Frio. Procurada, a Agência Nacional de Petróleo (ANP) informou que não conseguiria chegar a uma conta exata. Já a prefeitura de Cabo Frio não respondeu ao GLOBO.

Briga judicial

Há anos, ações populares tentam anexar Maria Joaquina a Búzios. Em 2017, foi sancionada uma lei de autoria do então deputado estadual Paulo Ramos que garantia a mudança, mas a prefeitura de Cabo Frio, ao temer a perda de receitas, entrou com uma Ação Direta de Inconstitucionalidade, alegando que não foi realizado um plebiscito, conforme determinam as regras. A primeira ação foi arquivada, mas houve nova tentativa e, no último dia 12 de agosto, uma liminar (a segunda este ano) suspendeu os efeitos da lei.

Atualmente, Búzios, com população de 30 mil pessoas, tem 800 moradores de Maria Joaquina na sua rede de educação e mil no sistema de saúde. A prefeitura respondeu que ainda está levantando quanto arrecadará a mais de royalties, IPTU, ISS, ITBI e do Fundo de Participação dos Municípios caso fique com o bairro. O prefeito Henrique Gomes (DEM) diz que a anexação é uma demanda histórica.

— Já atendemos muitas pessoas de Maria Joaquina. É um desejo da sociedade. Eles têm ligação com a gente — afirmou o prefeito, que foi o vice da chapa eleita em 2016, mas assumiu o cargo há três meses pela quinta vez no período devido a decisões judiciais que afastaram o prefeito André Granado (MDB).

Em meio à disputa pelo bairro, o Ministério Público instaurou um inquérito para que não sejam interrompidos os serviços no posto de saúde de Maria Joaquina. No fim de agosto, foi decidido que Cabo Frio deverá melhorar o atendimento. Enquanto isso, Búzios atenderá quem já era anteriormente cadastrado em seu sistema, sem aceitar novos registros por enquanto. Hoje há um entendimento de que o bairro continua com Cabo Frio até o fim do processo na Justiça.

‘Fenômeno’ aparece em pesquisa

No último dia 28, o resultado da pesquisa do IBGE de estimativas de populações surpreendeu ao botar Búzios como a segunda cidade que, proporcionalmente, mais cresceu no país: 21,9%, com 40.532 habitantes.

O aumento, no entanto, tem uma explicação: no levantamento, foi considerada a anexação do bairro Maria Joaquina à cidade (o que resultou num acréscimo de aproximadamente 13 mil habitantes). Uma liminar devolveu a área a Cabo Frio, mas, na época da pesquisa, valia a decisão anterior.

O demógrafo do IBGE Marcio Minamiguchi lembra que uma das vantagens para Búzios com a nova população seria mudar de patamar na divisão do Fundo de Participação de Municípios (FPM), já que, com mais de 37 mil moradores, a cidade entraria numa nova faixa de coeficiente (de 1,6 para 1,8). Este ano, a estimativa é que Búzios receba R$17 milhões, um valor que pode aumentar em 2020, caso a população cresça oficialmente.

— Sempre atualizamos a estimativa em função de decisões judiciais — explica Minamiguchi. — A questão financeira, como a disputa de royalties, é algo comum nos limites territoriais.

Excluindo o caso de Búzios, o maior crescimento de população no estado sem ocorrência de aumento territorial é o de Rio das Ostras.

— Rio das Ostras partiu de uma base pequena e, por causa das novas atividades econômicas, cresceu muito rapidamente. Então, mesmo com a crise econômica dos últimos anos, a tendência de aumento populacional continuou se refletindo — diz Minamiguchi, acrescentando que o Estado do Rio pouco cresceu: 0,4%.

FONTE: Jornal O Globo em 15/09/2019

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