UM TERRITÓRIO: Comunidade de Jesus (RO)
Por Daniela Yabeta
Localizada a 108 km do Município de São Miguel do Guaporé, no coração de Rondônia, vive a Comunidade de Jesus. A comunidade foi a sexta a ser certificada pela FCP no estado (em 2006), e a primeira a ter seu relatório de reconhecimento territorial publicado pelo Incra (em 2009).Suas origens remontam à década de 1940, quando Jesus Gomes de Oliveira abandonou seus trabalhos na extração de borracha nas imediações de Limoeiro, para tentar sorte por conta própria em outra região.
Em 1959, Jesus chegou às terras que a comunidade ocupa até os dias atuais. Casou-se com Luísa Assunção, que já habitava a região com sua família, também trabalhando na extração de borracha. Com o declínio dos preços do produto, a família de Dona Luísa migrou, deixando na região apenas o casal com seus 12 filhos. Com o tempo, estes filhos constituíram suas próprias famílias.A população da comunidade conta, hoje, com um total de 56 pessoas, distribuídas por quatro grupos familiares principais, todos vinculados a Seu Jesus.
A vida às margens do rio São Miguel implicava inúmeras dificuldades, mas a complementação dos trabalhos na borracha com a pesca, a caça, a coleta do cacau nativo e o plantio de mandioca para a produção de farinha, permitiu que a família reunisse os recursos necessários à construção de um pequeno barracão para guarda e depósito dos gêneros deixados pelos regatões durante suas incursões na região.
Nas décadas de 1970 e 1980, com a extensão do eixo da BR-364 e o consequente avanço das frentes de expansão econômica, as terras da região do São Miguel passaram por sucessivos processos de ocupação e colonização de base agropastoril. Neste contexto, as terras ocupadas pela família de Seu Jesus foram invadidas por um projeto de assentamento, o projeto “Primavera”, que se transformou em fonte de especulação imobiliária: as terras destinadas aos colonos do projeto terminaram sendo vendidas a fazendeiros, convertendo a região em uma área de latifúndios pecuaristas.
Depois que as melhores terras foram ocupadas pelos grandes pecuaristas, a família de Seu Jesus ficou relegada às áreas alagadiças e suas atividades econômicas ficaram restritas à agricultura e à pecuária de subsistência. Além disso, tais fazendeiros fecharam as estradas públicas, controlando o acesso dos moradores às suas terras, inclusive os da comunidade quilombola.Um dos fazendeiros chegou a justificar suas restrições, impostas por meio de sucessivas porteiras, argumentando que Seu Jesus “não impede ninguém de pescar em suas terras e com isso o peixe tem ficado escasso”.
Este mesmo fazendeiro denunciou Seu Jesus ao IBAMA em 2005, por extração ilegal de madeira, mas sem consequências práticas. Na verdade, o órgão vê a conclusão do processo de titulação da comunidade como um anteparo aos avanços dos fazendeiros sobre as terras, imediatamente contíguas da Reserva Biológica do Guaporé, construída em 1982.
FONTE: Boletim Territórios Negros, v. 9, n. 38, mar./abr. 2009