UM TERRITÓRIO: Barra do Aroeira,Tocantins
Durante a Guerra do Paraguai (1854-1870), o governo imperial anistiava os escravos que fossem apresentados para servir e fazia “vista grossa”, aceitando como voluntários os que fugiam e se apresentavam para participar do exército imperial em busca da liberdade. Consta que o contingente de escravos brasileiros atuando como soldados não ultrapassava 10%. Dentre eles, encontramos o soldado negro Felix José Rodrigues, que deu origem à comunidade de Barra do Aroeira, localizada no município de Santa Tereza, a cerca de 90km de Palmas, capital do Tocantins.
De acordo com os moradores, Felix recebeu de D.Pedro II uma área de terras na região do Jalapão, na então província de Goiás, hoje estado do Tocantins, como recompensa pela sua atuação na Guerra do Paraguai. Com outros roceiros – talvez alguns antigos quilombolas — teria iniciado a ocupação em um lugar denominado São Domingos, plantando arroz, feijão, mandioca, milho e hortaliças. Consta que o documento que comprovava a doação feita pelo imperador foi queimado num incêndio ocorrido na casa do ex-escravo.
Em 1950, uma comissão de representantes da comunidade foi ao Rio de Janeiro e conseguiu uma segunda escritura da terra. O documento foi entregue pessoalmente pelo brigadeiro Eduardo Gomes. Infelizmente, os moradores contam que a segunda doação também foi extraviada após tentativa de registrá-la em cartório.
Os moradores de Barra do Aroeira têm muito orgulho de sua história, mas a falta de um documento de comprovação da propriedade colocou-os sob a constante atuação de grileiros, o que diminuiu o território que teria sido concedido a Felix José.
Quando recorreram à justiça para a defesa do território, tomaram conhecimento da possibilidade de se auto-declararem remanescentes de quilombos. Mas o que parecia simples gerou uma grande polêmica. A comunidade se orgulhava de não ser descendente de grupos fugidos, e sim daqueles que lutaram na Guerra do Paraguai e que, por isso, se tornaram cidadãos brasileiros e receberam terras diretamente do imperador.
Foi só depois de muita discussão em torno do conceito de “remanescentes de quilombo” que a comunidade decidiu dar início ao processo de reconhecimento. Assim, em 20 de janeiro de 2006, a Fundação Cultural Palmares emitiu a certidão de auto-reconhecimento da comunidade e, no mesmo ano, foi lançado o filme “Soldado Negro”. Produzido pela Universidade Federal do Tocantins, pelo Núcleo de Estudos Afro-Brasileiros e pelo Ponto de Cultura Tambor de Tocantins, o filme retrata a memória social e histórica da comunidade.
No início de 2007 foi iniciado o Relatório Técnico de Identificação e Delimitação (RTID) do território da comunidade, que tem 62,3 mil hectares e abrange trechos dos municípios de Santa Tereza do Tocantins, Lagoa do Tocantins e Novo Acordo. A área reivindicada é justificada pelos remanescentes quilombolas de Felix José como um direito de herança.
De acordo com o Incra, a área proposta tem o objetivo de garantir aos remanescentes quilombolas a reprodução física, social, econômica e cultural, tanto dos que moram no interior do território, como dos que se viram obrigados a viver fora dele por questão de sobrevivência e que também foram cadastrados para retornar ao antigo território. Segundo lideranças quilombolas, hoje existem 94 famílias instaladas em Barra do Aroeira e mais de 80 morando fora da área pleiteada, nas periferias de algumas cidades ou em assentamentos do Incra.
Daniela Yabeta Mestranda em História das Instituições UNIRIO
Fontes Bibliográficas: Observatório Quilombola (25-10/2007), (10/04/2007), (25/08/2006) Revista de História da Biblioteca Nacional – 01/12/2007 – Origens da roça negra – Comunidades negras rurais se multiplicaram em várias regiões mesmo depois de acabada a escravidão – A diversidade do fenômeno força uma revisão da idéia de quilombo – Flávio Gomes e Antonio Liberac C. S. Pires Revista Estudos Avançados (USP) – Estud. av. vol.9 no.24 São Paulo May/ Aug. 1995 – A participação dos negros escravos na guerra do Paraguai – André Amaral de Toral Agradeço a colaboração do Professor Dr. Ricardo Salles (UNIRIO) autor do livro “Guerra do Paraguai: escravidão e cidadania na formação do Exército”.
FONTE: Boletim Territórios Negros ( v. 8, n. 36, set./ out./ nov. 2008)