UM POUCO DE HISTÓRIA: Zungus e Taguás
A imagem ao lado é uma gravura do francês Jean Baptiste Debret (1768-1848) intitulada ‘Negras cozinheiras vendedoras de angu’. O local é a movimentada Praia do Peixe, próximo ao Paço Imperial, no coração da cidade do Rio de Janeiro. Estas quitandeiras, como também eram conhecidas, podiam ser libertas ou “escravas de ganho”. O angu, como ainda hoje, era um alimento popular a base de milho moído, cozido e temperado, por vezes condimentado com carnes ou camarão. O negócio ocupava pontos fixos e constituía espaços de sociabilidade entre escravos, ex-escravos e libertos. Sua designação popular se adequou ao yorubá usado pelos afro-cariocas do início do século XIX, tornando-se conhecidos como zungus.
O correlato aos zungus do Rio de Janeiro eram os taguás da região de Campinas (SP), onde também se vendiam alimentos, e serviam como locais de diversão, batucadas e religião de negros livres e escravos. Os taguás surgiram após a demolição do Mercado de Hortaliças em 1885, mas, mesmo depois da sua reconstrução, não desapareceram, passando a ser alvo da perseguição policial.
Tanto os zungus quanto os taguás foram colocados na clandestinidade, classificados como locais ordinários, lúgubres, imundos, ponto de reunião de desordeiros, vagabundos, gatunos. Eram, enfim, perseguidos por instigarem e acobertarem negros fugidos, sendo por isso classificados pela polícia como ‘casas de quilombo’. Na cidade no Rio de Janeiro, as campanhas contras os zungus na Rua da Vala, no Beco do Cotovelo e na Rua do Lavradinho datam de 1830. Em Campinas, no final deste mesmo século, a Câmara aumentava os impostos sobre os taguás, lhes negava novas licenças e os perseguia com fervor.
As contradições inerentes à existência destes espaços os faziam tão necessários ao funcionamento da cidade (movimentavam o comércio local e eram convenientes aos senhores que não proviam a alimentação dos seus escravos) quanto perigosos à ordem pública, já que serviam de espaço à insubordinação escrava e à sociabilidade negra dos principais centros urbanos do país.
Fontes Bibliográficas: MARTINS, Valter. Taguás: simulacros da liberdade no últimos anos da escravidão em Campinas. XXIV Simpósio Nacional de História – ANPUH, 2007. SOARES, Carlos Eugênio Líbano. Zungú: rumor de muitas vozes. Rio de Janeiro: Arquivo Público do Estado do Rio de Janeiro, 1998. Imagem: DEBRET, Jean Baptiste. Viagem pitoresca e histórica ao Brasil. Belo Horizonte, Itatiaia; São Paulo: Edusp, 1989
FONTE: Boletim Territórios Negros, v. 8, n. 36, set./ out./ nov. 2008