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UM POUCO DE HISTÓRIA: O abolicionista Abdon e as redes da liberdade em Camamu (BA)

Por Antonio Carvalho Costa

A “rede da liberdade” foi uma articulação entre abolicionistas com o objetivo de conquistar a liberdade dos escravos nos últimos anos de vigência da escravidão legal no Brasil. Para isso, faziam uso de ações movidas na justiça que se assentavam na Convenção de 1826, entre o Brasil e a Grã-Bretanha, cuja finalidade foi “por termo ao comércio de escravatura da Costa da África”, estabelecendo que, após três anos, (1827 a 1830) não seria mais lícito ao Império do Brasil comercializar escravos na Costa da África, equiparando sua prática à pirataria.

A estratégia das redes abolicionistas era percorrer cartórios em busca de irregularidades nas matrículas dos africanos e, em seguida, reunir testemunhas para depor em favor dos cativos. Reunia simpáticos à causa abolicionista e escravos.

A repercussão destas ações afetava financeiramente e moralmente o poderio dos senhores de escravos. Isso atingiu diretamente os senhores de escravos do Baixo Sul da Bahia, em especial de Camamu. Uma das figuras mais mencionadas nestas redes foi o curador Abdon Ivo de Moraes Vieira que, a exemplo de outros curadores, abolicionistas e juízes, fazia uso principalmente dos argumentos da importação ilegal e da filiação desconhecida. Sob este segundo argumento os senhores que não identificassem para os seus escravos uma mãe igualmente escrava, como determinava a lei brasileira, eram submetidos a processos mais rápidos, que em poucos meses davam ganho de causa aos escravos.

Os dois argumentos estavam pautados na Convenção de 1826 e as ações eram movidas pelos próprios escravos que buscavam testemunhas entre seus grupos de amigos e parentes. Além disso, Abdon ficou conhecido por fundamentar a argumentação de defesa da liberdade dos escravos não apenas nas provas documentais, mas também nas falas dos cativos.

Esta estratégia contribuiu para um importante registro do protagonismo escravo em acionar tais redes em busca de liberdade. Também permitiu que se produzissem documentos ricos em detalhes, que complicaram em muito a defesa escravocrata que muitas vezes desistiam do processo antes mesmo deste ser concluído. Com esta estratégia, dezenas de escravos das proprieda des agrícolas de Marau, Camamu e Barra do Rio de Contas, no Sul da Bahia, foram libertos.

Abdon era fazendeiro em Barra do Rio de Contas e era conhecido por acobertar escravos em sua propriedade. Foram localizados 22 processos, entre os anos de 1884 e 1888, envolvendo cerca de 50 cativos e tendo como curador o abolicionista Abdon que, não raro, era acusado de abolicionista por dinheiro, charlatão e usurpador.

As argumentações de Abdon e das redes abolicionistas estavam, porém, de acordo com os documentos oficiais, bastando para isso saber manipular a lei, coisa que em geral era atributo dos poderosos. Por isso, segundo os pesquisadores, a participação de abolicionistas como Abdon foi fundamental no período: ‘Conhecedores dos meandros da justiça, estes letrados, rábulas, bacharéis e juízes deram aos cativos a possibilidade de contestar o direito de propriedade que em outros tempos parecia inabalável’ (SILVA, 2002).

Referência Bibliográfica

SILVA, Ricardo Tadeu Caíres. “Memórias do tráfico ilegal de escravos nas ações de liberdade: Bahia, 1885-1888”. In: Afro-Ásia, 35 (2007). 37-82.

FONTE: Boletim Territórios Negros, v. 9, n. 38, mar./ abr. 2009

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