UM POUCO DE HISTÓRIA: Comunidade de São Benedito
Por Helena Costa
A comunidade negra da Igrejinha de São Benedito, localizada a 15 km de Campo Grande/ Mato Grosso do Sul, festejou a entrega da certidão de autodefinição como comunidade remanescente de quilombo no dia 26 de abril de 2008. O reconhecimento da Fundação Cultural Palmares representa mais uma etapa da luta dos descendentes de Eva Maria de Jesus, a Tia Eva, para manter a comunidade unida em torno do território.
A história da comunidade se confunde com a própria história de Tia Eva. Escrava nascida em Mineiros, Goiás, Eva Maria de Jesus decidiu ir para o Mato Grosso em 1905, já com suas três filhas: Joana, Lázara e Sebastiana. Chegando a Campos de Vacaria, hoje Campo Grande, trabalhou como lavadeira, parteira, cozinheira, curandeira e benzedeira. Procurada por inúmeras pessoas, tornou-se referência na comunidade.
Devota de São Benedito, ela fez uma promessa ao padroeiro para que curasse uma ferida que havia há anos em sua perna e que nunca curava. E foi realizada. Ao chegar a Mato Grosso, milagrosamente foi curada. Para pagar a dádiva ao santo, construiu em 1912 uma igreja de pau-a-pique. Ao longo do tempo, ganhando o respeito da comunidade e com a história da cura tornando-se conhecida, Tia Eva obteve ajuda material e financeira para, em 1919 reerguer a igreja, agora em alvenaria. A inauguração aconteceu em 13 de maio com grande festa em homenagem a São Benedito. Durou o tempo de uma novena, com reza, terço, música, fogos. Tia Eva renovou sua promessa: organizaria festa como essa todos os anos, no domingo mais próximo ao13 de maio.
Os preparativos para a festa duravam um ano inteiro. Tia Eva mantinha seu trabalho de assistência a doentes e grávidas, mas também na mediação de conflitos, pois era respeitada pela bondade e sabedoria. Em reconhecimento e gratidão ganhava muitos presentes, em dinheiro ou artigos como carne, latas de doce, material que era utilizado na festa. Assim, a cada ano as comemorações tornavam-se maiores e mais fartas, atraindo moradores de regiões vizinhas. Barracas eram erguidas embaixo das mangueiras e nada era cobrado, pois havia sido obtido por doações; o excedente era dividido na comunidade.
Antes de seu falecimento, dia 11 de novembro de 1926, aos 88 anos, Tia Eva fez seu último pedi – do: que a família nunca deixasse de fazer a festa de São Benedito todos os anos, no mês de maio. A festa em louvor ao santo é o maior orgulho da comunidade.
Em 1949, a igreja Católica começou a comprar terras na região para estabelecer ali o Seminário. Durante cerca de 15 anos, entre 1960 e 1975, a Diocese assumiu o controle da igreja e da festa de São Benedito. Com a resistência da comunidade em passar a posse da área à Igreja, os domínios da Diocese foram transferidos para uma nova igreja; durante 6 anos não houve missa na igreja da comunidade. Na década de 1980 a comunidade cria a Associação de Moradores e obtém conquistas, como redes de luz e água. Em 1996, a igreja de São Benedito foi tombada como patrimônio histórico de Campo Grande. Um levantamento realizado em 2001 mostrou que hoje vivem na comunidade 74 famílias compostas por descendentes diretos de tia Eva. No mesmo ano a Associação Beneficente dos Descendentes de Tia Eva cria o Projeto Negraeva, em parceria com a Universidade Federal do Mato Grosso do Sul, para manutenção e apoio a afro- descendentes no ensino superior.
Fontes Bibliográficas: Tia Eva, negraeva – História da comunidade de São Benedito , de Vanda Moraes. Editado pelo Projeto Negraeva, 2003. Informe Palmares, n. 33, maio de 2008
FONTE: Boletim Territórios Negros, v. 8, n. 34, maio/ jun. 2008