UM POUCO DE HISTÓRIA: A conversão da Rainha Jinga
Por Daniela Yabeta
Jinga nasceu em Ndongo, na África Central, em 1582. Seu primeiro contato com os portugueses ocorreu em 1622, aos 40 anos, quando foi enviada a Luanda para negociar com eles na qualidade de embaixadora de seu irmão, o chefe de Ndongo. Do contato com os jesuítas que pregavam em Luanda Jinga converteu-se ao catolicismo e recebeu o nome cristão de Ana de Sousa. Tudo indica que seu batismo foi uma estratégia diplomática para construir relações pacíficas com os brancos, cedendo às crenças místicas destes. Com isso, chegou a firmar um tratado de paz com os portugueses, que insistiam em conquistar seu território, mas que jamais foi cumprido. De volta Ndongo, Jinga abandonou o catolicismo.
Em 1624, seu irmão morreu e acredita-se que tenha sido envenenado por ela. Seu sobrinho foi designado sucessor de seu irmão e Jinga nomeada sua tutora, mas logo em seguida a criança também morreu. Como não havia mais ninguém na linha sucessória, Jinga assumiu a chefia de Ndongo, mas não foi reconhecida pelos portugueses, que apoiaram outro candidato que aceitava a dominação portuguesa, tornando Ndongo uma chefia subordinada a Luanda.
Inconformada, Jinga procurou apoio entre os imbangalas também conhecidos como jagas. Do contato com os estes, casou-se com um chefe guerreiro e tornou-se sacerdotisa do maji-a-samba, cerimônia que envolvia a confecção de um ungüento que dava a invencibilidade aos guerreiros e na qual eram feitos sacrifícios humanos. Assim, tornou-se a maior opositora a presença portuguesa na região.
Esbulhada de seus direitos ao trono do Ngondo, Jinga aproveitou sua aliança com os jagas e fundou o reino de Matamba. Na chefia da sociedade guerreira até então comandada por homens, Jinga criou um harém de rapazes, praticava a antropofagia e infanticídios. Os portugueses passaram a referir-se à Matamba como um reino de luxúria e perversidades, transformando-o no paradigma da “barbárie” africana.
A paz entre o reino de Matamba e os portugueses só foi possível graças aos missionários capuchinhos que atuavam em Angola e dedicava-se a evangelização dos povos nativos. Contrários ao tráfico negreiro, principal fonte de enriquecimento em África, os capuchinhos se recusavam a possuir escravos e eram adeptos de uma audaciosa política de infiltração nos reinos africanos. Atuação completamente inversa a dos jesuítas, o que acabou gerando uma forte rivalidade entre as duas ordens missionárias.
A política dos capuchinhos resultou em um dos maiores trunfos missionários e coloniais da África no século XVII: a conversão definitiva da rainha Jinga, inimiga convicta dos europeus, conseguida pelo capuchinho napolitano Antonio Gaeta.
Ao contrário do que havia acontecido durante a sua primeira conversão, realizada pelos jesuítas, nesta segunda conversão, realizada pelos Capuchinos, Jinga renegou a poligamia, o infanticídio e introduziu em seu povo a adoração ao crucifixo, às procissões, missas, chegando a construir uma igreja de Santa Ana de Matamba.
Com a morte de Jinga em 1663, sua sucessora, “dona Bárbara”, também conhecida como “Mocambo”, não conseguiu manter as práticas católicas e os missionários presentes por muito tempo. Ela morreria logo depois em 1666 e os chefes que assumiram o poder retornaram ao paganismo.
Um dos seus generais, Jinga-Amona, lançou de novo os jagas no combate contra os portugueses. Em seguida, a região de Matamba ficou sendo chamada de Jinga. Em 1682, o capitão do navio negreiro Santo Antonio e Almas transportou 74 soldados e quinze cavalos da Bahia, Brasil, até Luanda para auxiliar as autoridades locais na “guerra da Jinga”. Desse modo, o nome de Jinga perpetuou-se como o de uma guerreira imortal.
A história da rainha Jinga continua viva no imaginário não só da região, como de diversas partes do mundo. A figura da Jinga pagã, da Jinga guerreira contra a tradição dos brancos perpetuou-se na filosofia, na literatura, na religião, nos movimentos negros e feministas. Considerada uma das mais importantes heroínas de Angola, sua história tornou-se popular nos Estados Unidos na década de 1960 onde é considerada heroína das feministas americanas. Muitas meninas foram e continuam sendo batizadas com seu nome, que se tornou sinônimo de resistência.
No Brasil de ontem e hoje o nome de Jinga continua irrompendo nas congadas encenadas nas diversas regiões do país em que o coro celebra a grande guerreira africana. Mas, nesses bailados dramáticos cristianizados, a rainha de Matamba figura sempre como um pólo negativo, a pagã, a guerreira invasora, em oposição a positividade cristã e pacífica do rei do Congo.
Bibliografia: Mello e Souza, Marina de. A rainha Jinga – África Central, século XVII. Texto publicado no site da Casa das Áfricas. ALENCASTRO, Luiz Felipe. O trato dos viventes: formação do Brasil no Atlântico Sul – São Paulo: Companhia das Letras, 2000. pgs. 277-282
FONTE: Boletim Territórios Negros, v. 9, n. 37, jan./ fev./ mar. 2009