UM TERRITÓRIO: São Francisco do Paraguaçu
Por Daniela Yabeta
A comunidade remanescente de quilombo de São Francisco do Paraguaçu localiza-se no município de Cachoeira, às margens da Baía do Iguape, no Rio Paraguaçu, Recôncavo Baiano, distante 110 km de Salvador por via terrestre. Sua origem remonta ao século XVII, quando, devido ao advento da produção de açúcar no Brasil, os escravos começaram a chegar para trabalhar nos canaviais e na construção do Convento de Santo Antonio, fundado em 1649, mas só concluído em 1686. Repleto de obras de arte, como imagens, pinturas e móveis, o imóvel foi tombado em 1941 pelo Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (Iphan).
Fugas e rebeliões de escravos eram comuns e contribuíram para a formação dos primeiros quilombos da região, que era propícia não só para a instalação e expansão das fronteiras agrícolas, mas também como importante via de acesso, pelo rio Paraguaçu, para o interior do Brasil.
Em São Francisco do Paraguaçu, cerca de 300 famílias vivem da agricultura de subsistência, da pesca, da coleta de marisco e do extrativismo da piaçava. A atividade produtiva é baseada no trabalho familiar, na cooperação simples entre diferentes grupos domésticos e no uso comum dos recursos naturais. O modo de vida tradicional dos quilombolas mantém a integridade do ecossistema ao longo das gerações.
Os integrantes da comunidade relatam que há vinte anos foi diminuindo a área de plantio, as famílias vêm sendo expulsas, espremidas em direção à vila. Muitos comunitários de São Francisco do Paraguaçu deixaram o território em busca de melhores oportunidades de emprego nas cidades e hoje habitam bairros periféricos de Salvador, sobretudo, Sussuarana, Palestina, Massaranduba, Pau da Lima e Fazenda Grande.
Organizados através da Associação dos Remanescentes do Quilombo São Francisco do Paraguaçu – Boqueirão, os moradores vêm sofrendo desde 2005 violentos ataques provenientes dos fazendeiros da região, como destruição de roças e da sede da associação; invasão de residências; restrição ao trânsito dos comunitários e perseguições armadas. Os quilombolas denunciam que esses fazendeiros contam com a colaboração de agentes públicos e policiais militares, cuja atuação clandestina está sendo alvo de sindicância pelo Comando da Polícia Militar de Cruz das Almas, Bahia, e foi atestada em relatório da Polícia Federal.
No campo judicial, uma das famílias que disputa a terra com a comunidade ingressou com uma ação de reintegração de posse na comarca de Cachoeira, respaldada por um título de propriedade datado de 1904. A Justiça Estadual acatou o pedido e concedeu liminar, ordenando que os quilombolas desocupassem suas terras. No entanto o Ministério Público Federal e a Fundação Cultural Palmares consideraram que a matéria não poderia ser julgada pela Justiça Estadual.
Assim, em maio de 2006, o processo foi remetido à Justiça Federal, que manteve a decisão liminar da Justiça Estadual mesmo sem realizar audiência de justificação de posse ou inspeção judicial, o que acabou agravando as investidas contra a comunidade remanescente.
Além de todas essas adversidades, a comunidade é acusada de cometer crimes ambientalistas e de fraudar o processo de certificação de autoreconhecimento enquanto comunidade quilombola. As acusações partem principalmente da TV Globo e de uma ONG fundada por fazendeiros da região. A questão da fraude, porém, já foi esclarecida por meio do resultado da sindicância da Fundação Palmares, que comprovou a legalidade do procedimento.
Fontes Bibliográficas: Centro de Mídia Independente (CMI Brasil): http://www.midiaindependente.org/ Comissão Pró-Índio de São Paulo (CPI-SP): http://www.cpisp.org.br/ Faculdade de Educação da UFBA: http://www.faced.ufba.br/ Observatório Quilombola: www.koinonia.org.br/oq
FONTE: Boletim Territórios Negros, v. 7, n. 30, jul./ago. 2007