UM POUCO DE HISTÓRIA: Rosa Egipcíaca
Por Daniela Yabeta
Nascida na África, mais precisamente na Costa da Mina, de nação Courana, Rosa desembarcou de um navio negreiro no Rio de Janeiro em 1725, quando tinha apenas 6 anos de idade, e foi comprada pelo senhor José de Souza Azevedo.Aos 14 anos, foi deflorada pelo seu dono e logo em seguida vendida, em 1733, para a mãe de um dos nossos mais destacados literatos do período colonial, Frei José de Santa Rita Durão.
Foram 500 quilômetros percorridos a pé do Rio de Janeiro até Minas Gerais, a caminho da casa de seu novo dono, na freguesia do Inficcionado, a duas léguas de Mariana.
Rosa chegou à região no auge da produção aurífera e, como tantas outras escravas, passou a se prostituir, conseguindo juntar um pequeno pecúlio durante 15 anos de sua vida. Em 1748, com quase 30 anos, passou a sofrer ataques, como convulsões, descontroles físicos e mentais, que acreditava serem obra do próprio diabo.
Foi a partir daí que a escrava decidiu mudar de vida, largou o meretrício e se tornou uma beata. Passou a freqüentar os ofícios divinos e as liturgias que eram celebrados nas igrejas barrocas mineiras.
Nessas suas andanças, conheceu o Padre Francisco Gonçalves Lopes, conhecido como Xota- Diabos por realizar exorcismos. Impressionado com as visões de Rosa, o Padre comprou e alforriou a africana, tornado-se a partir daí, seu fiel escudeiro.
Após interromper a pregação de um missionário capuchinho na Igreja do Pilar com uma de suas visões, foi presa e enviada para a sede do Bispado em Mariana, sendo flagelada no pelourinho com tal rigor, que ficou para o resto da sua vida com o lado direito do corpo semiparalisado. O povo passou a chamá-la de feiticeira e acabou fugindo de volta para o Rio de Janeiro em 1751.
De volta à cidade que a recebera, Rosa passou a se apresentar como Rosa Maria Egipcíaca de Vera Cruz, acumulando prestígio e devotos, entre brancos, negros e clérigos. Os franciscanos do Convento de Santo Antônio, no Largo da Carioca, se impressionaram tanto com a sua vida mística, que passaram a chamá-la de “Flor do Rio de Janeiro”.
Em 1757, fundou o Recolhimento de Nossa Senhora do Parto, casa destinada a mulheres em busca de reclusão e penitência. A capela, reformada, permanece até hoje no Centro do Rio, na Rua da Assembléia.
A história dessa ex-escrava africana do século XVIII, transformada em superiora de um recolhimento de mulheres devotas, não seria conhecida se Rosa não tivesse aprendido a ler e escrever, extrapolando os limites permitidos pela Igreja Católica.
Previu um dilúvio no Rio de Janeiro e passou a ter visões celestiais dizendo que recebia mensagens de “Seu Divino Esposo” Jesus Cristo. Essas visões e o apoio constante do Padre Francisco Gonçalves acabaram levando os dois aos cárceres da Inquisição de Lisboa.
Todos os detalhes da sua vida encontram-se conservados em três processos na Torre do Tombo. O padre Xota-Diabos foi condenado ao degredo em Castro Marim, Portugal, por cinco anos. Já o destino de Rosa é desconhecido. Acusada de heresia, o mistério sobre o seu fim permanece até hoje.
Através da vida dessa ex-escrava africana, alguns aspectos cruciais da sociedade colonial podem ser observados. Em um contexto, em que o negro equivalia à escravidão e indignidade, e os africanos eram desprezados como raça inferior, Rosa destaca-se por ter sido venerada e idolatrada como uma santa negra africana no Brasil.
Fonte Bibliográfica: Rosa Egipcíaca: uma santa africana no Brasil – Luiz Mott – Rio de Janeiro, Bertrand, 1993. Inferno Atlântico – Laura de Mello e Souza – São Paulo, Companhia das Letras, 1994. Dicionário do Brasil Colonial (1500-1808) – Ronaldo Vainfas – Rio de Janeiro, 2000.
FONTE: Boletim Territórios Negros, v. 6, n.24- 25, jul./ out. 2006