UM POUCO DE HISTÓRIA: Revolta dos Malês
Durante as primeiras décadas do século XIX, várias rebeliões de escravos explodiram na província da Bahia, sendo que a mais importante delas foi a dos Malês.
A rebelião ocorreu na noite de 24 para 25 de janeiro de 1835, enquanto os africanos muçulmanos celebravam em suas senzalas o Ramadã (o mês de jejum dos muçulmanos) e os católicos celebravam, na igreja do Bonfim, a festa de Nossa Senhora da Guia. Nessa época, a cidade de Salvador tinha cerca de metade de sua população composta por negros escravos ou libertos, das mais variadas culturas e procedências africanas, dentre as quais a islâmica, como os haussás e os nagôs.
Os nagôs foram a maior liderança do levante (em iorubá, língua dos nagôs, muçulmano é imale , daí o termo malê), que terminou com a morte de rebeldes e adversários, muitos feridos e centenas de presos. Os rebeldes conseguiram atacar o quartel que controlava a cidade, mas devido à inferioridade numérica e de armamentos, acabaram massacrados pelas tropas da Guarda Nacional, pela polícia e por civis armados que estavam apavorados ante a possibilidade do sucesso da rebelião negra.
Os objetivos do movimento não ficaram totalmente esclarecidos. Podemos afirmar que queriam o fim da escravidão africana, mas não é certo que quisessem extinguir a escravidão enquanto sistema de organização de trabalho e da sociedade. É possível encontrar depoimentos acusando-os de planejar a escravização de mulatos e o massacre de brancos e negros nascidos na Europa e no Brasil.
Não há muitos indícios de que desejassem impor o islamismo, já que consideravam todos os africanos seus aliados em potenciais. Havia um islamismo militante e um mais adaptado à religiosidade local baseada em práticas de magia como adivinhação e confecção de amuletos. Mesmo entre os malês mais letrados, não havia uma unidade de experiência religiosa.
Como consequência do levante, as autoridades brasileiras fizeram uma repressão deslanchada contra os africanos, em especial contra os adeptos do Islã, através de uma perseguição brutal que levou centenas de africanos libertos a serem expulsos do país, embora tenha havido também a resistência de escravos e libertos que conseguiram ficar. A Revolta dos Malês demonstra às autoridades e às elites o potencial de contestação e rebelião que envolvia a manutenção do regime escravocrata.
FONTE: Boletim Territórios Negros, v. 5, n. 20, ago./dez. 2005