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UM POUCO DE HISTÓRIA : As ações de liberdade no sul da Bahia

Desde a primeira metade do século XIX a população africana ou afrodescendente luta pela liberdade nos tribunais brasileiros. Uma lei de 7 de novembro de 1831 determinava o fim do tráfico de escravos e considerava livre qualquer africano que fosse capturado a bordo de navios usados para o tráfico (a partir de então declarado ilegal) ou que tivesse sido apreendido em terra como “recém-importado”. Foi com base no artigo primeiro dessa lei que muitos cativos moveram ações contra seus proprietários, a fim de obterem liberdade. Contando com a ajuda de abolicionistas, simpatizantes do movimento e com o apoio de outros escravos e libertos, os cativos buscavam provas que viabilizassem suas reivindicações, tais como os registros da matrícula geral de escravos, em que suas idades eram anotadas e, principalmente, a apresentação de testemunhas que certificassem que eles haviam sido ilegalmente importados para o Brasil.

Ainda não se sabe o número de africanos que chegaram ao Brasil e foram reconhecidos como livres nessa campanha de repressão ao tráfico ilegal. Já quanto ao total de africanos desembarcados clandestinamente, estima-se algo que só na Bahia foram cerca de 32.500 durante a década de 1830. A baía de Camamu, em especial, tornou-se um importante palco desses desembarques e de inúmeras ações de liberdade de escravos que alegavam terem aportado em território brasileiro depois da lei de 1831.

Um desses casos foi o do jovem escravo Bernardo que, em 1886, moveu uma ação de liberdade contra seu senhor, o Capitão Domingos Francisco do Nascimento, dono de uma fazenda localizada em Marau. Bernardo afirmava perante a Justiça que sua mãe, a africana Angélica, havia desembarcado clandestinamente de um navio negreiro em Barra Grande de Camamu. Para provar a veracidade de seu relato, o procurador de Bernardo alegou que Angélica havia sido matriculada como cativa do Capitão em 23 de agosto de 1872 com apenas 23 anos de idade, além de ter sido declarada como africana no documento. Bastava uma simples subtração entre a data da matrícula e a idade apresentada no documento para perceber que a mesma havia entrado no Brasil depois de 1849, portanto, muito tempo depois da lei de 1831.

O procurador do Capitão Nascimento contestou a afirmativa de Bernardo. Segundo ele, o fato de Angélica e o filho terem vivido durante longos anos sem questionar o cativeiro significava o reconhecimento da autoridade senhorial. Um argumento que se sustentava na fantasia de que todos conheciam e tinham acesso igual às leis e às formas de aplicálas. Um argumento que naturalizava a injustiça ao desconsiderar a dificuldade de acesso aos tribunais – de brancos e letrados – e, sobretudo, o mérito de Bernardo de ter interpretado a lei a seu favor.

Preso na ambigüidade da alegação do Capitão Nascimento, em 1887 o juiz responsável pelo julgamento anulou o processo e determinou que Bernardo entrasse com uma nova ação. Seu procurador apelou da sentença e o processo foi remetido para o Tribunal da Relação da Bahia, em 3 de maio 1888. Bernardo não sabia que faltavam apenas dez dias para a Abolição oficial da escravatura no país.

Entre os anos de 1885 e 1888 foram identificadas pelo menos 32 ações de liberdade nas vilas da baía de Camamu, envolvendo cerca de 50 cativos. Esses processos encontram-se no Arquivo Público do Estado da Bahia.

Daniela Yabeta Mestranda em História das Instituições UNIRIO

Fontes Bibliográficas: Lembranças de um desembarque de escravos na Bahia oitocentista através das falas dos cativos que disputavam suas liberdades na justiça. Bahia (1885-1888), de CAÍRES, Ricardo Tadeu Silva. To be a líberated african in Brazil: labour and citizenship in the nineteenth century. Tese de Doutorado de MAMIGGONIAN, Beatriz Gallotti. Canadá: University of Waterloo, 2002

FONTE: Boletim Territórios Negros, v. 8, n. 32, dez. 2007- jan./fev. 2008

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