UM POUCO DE HISTÓRIA: A revolta da Chibata
A Revolta da Chibata, ou a Rebelião dos Marinheiros, foi um levante armado liderado por João Cândido Felisberto, em 1910, contra os castigos físicos e por um melhor tratamento aos marujos. Naquela época, o uso do açoite como medida disciplinar era utilizado de forma recorrente na Marinha.Os marinheiros, de maioria esmagadora negra, eram obrigados a assistir seus companheiros serem espancados por determinação dos oficiais brancos.
João Cândido Felisberto era filho de ex-escravos, nascido em 1880, em Encruzilhada, Rio Grande do Sul, e entrou para a Marinha com apenas 14anos. Nessa época, era permitida a entrada de menores, assim como eram recrutados alguns jovens com passagem pela polícia, embora este não tenha sido o caso de João Cândido. Sua capacidade de liderança logo despontou, fazendo dele o interlocutor dos marujos junto aos oficiais.
Uma viagem feita em 1910 para a Inglaterra consolidou as bases para o levante que acabaria com os castigos corporais na Marinha e colocaria para sempre o nome de João Cândido na história do Brasil. Nessa ocasião, ele e seus companheiros tomam conhecimento dos movimentos por melhores condições de trabalho dos marinheiros britânicos, em 1903 e 1906, e dos russos embarcados no encouraçado Potemkin, em 1905. Ao retornar para o Brasil,como os castigos e os salários muito baixos continuavam, o clima para o levante estava armado
No dia 22 de novembro, após assistirem ao castigo de 250 chibatadas do companheiro Marcelino Rodrigues, os marujos se rebelaram. Os insurgentes estavam a bordo de quatro navios, São Paulo, Bahia, Minas Gerais e Deodoro, e durante quatro dias estiveram ancorados ao longo da Baía de Guanabara, mantendo os canhões apontados para a cidade do Rio de Janeiro. O comandante do navio Minas Gerais, Batista Neves, foi morto juntamente com outros oficiais. Houve também baixas entre os marinheiros, embora não haja dados precisos.
O objetivo da revolta era simples, como afirmaram Gregório do Nascimento, que comandava o navio São Paulo, e o próprio João Cândido: acabar com os maus-tratos e melhorar a alimentação dos marujos. Foi enviada pelo rádio uma mensagem de João Cândido para o presidente Hermes da Fonseca, ameaçando bombardear a cidade e os navios que não aderiram à revolta, caso as reivindicações não fossem atendidas.
O pânico tomou conta da cidade. As pessoas fugiam tentando se salvar do ataque dos marujos rebelados. Em apenas um dia, três mil pessoas saíram da cidade rumo a Petrópolis.
Sem alternativa, o governo aceitou a proposta do então senador Rui Barbosa, que atendia as exigências dos marinheiros e concedia anistia aos participantes do motim. Entretanto, assim que os marujos entregaram as armas, os novos comandantes dos navios revoltosos ordenaram a prisão de todos. Dos 18 que foram levados para a masmorra da ilha das Cobras, apenas dois voltaram vivos, entre eles, João Cândido, que deixou a ilha tuberculoso e mentalmente perturbado
Ele conseguiu se restabelecer, mas as perseguições perduraram até o dia de sua morte, em 1969, com 89 anos. João Cândido passou o resto de sua vida como vendedor de peixes no entreposto do Rio de Janeiro, sem patente, sem aposentadoria e tendo seu nome como sinônimo de conspiração.
Seus parentes continuam aguardando a decisão da Comissão de Constituição e Justiça da Câmara dos Deputados sobre o processo de anistia e indenização para a família de João Cândido. Em 22 de agosto de 2003, o caso foi retirado da pauta de votação para uma modificação do texto, mas até hoje não foi retomado.
No começo da década de 70, João Bosco e Aldir Blanc compuseram o samba “Mestre Sala dos Mares”, em homenagem ao herói negro. A Revolta da Chibata eternizou-se no mundo da música, embora não tenha obtido o mesmo reconhecimento nos registros históricos de nosso país:
“Glória a todas as lutas inglórias/que através da nossa história/não esquecemos jamais/Salve o almirante negro / que tem por monumento/as pedras pisadas do cais.”
Saiba mais:
O negro da Chibata , de Fernando Granato. Ed. Objetiva História do Negro brasileiro, de Clóvis Moura. Ed
FONTE: Boletim Territórios Negros, v. 5, n. 16, maio. 2005