UM TERRITÓRIO: Preto Forro
Na área rural de Cabo Frio, em um bairro chamado Angelim, ficam localizadas as terras de Preto Forro. Seus moradores (distribuídos por 10 casas somam aproximadamente 60 pessoas) são descendentes de antigos escravos que trabalhavam em duas fazendas vizinhas que foram antecedidas pela grande fazenda Campos Novos. Não se sabe ao certo a origem da denominação “Preto Forro” conhecida e utilizada por todos naquela região para referirem-se àquelas terras e seus moradores. Os moradores mais velhos da região afirmam que o nome foi atribuído àquela terra para distingui-la das fazendas vizinhas, ocupadas por trabalhadores em regime de escravidão. Alguns depoimentos dizem que tais terras teriam sido doadas aos escravos alforriados da área, mas não é claro para a memória local se tal alforria foi antes ou depois da abolição, já que afirma-se também que foi o senhor de escravos, Antônio dos Santos que, depois da abolição, deu aos seus escravos seu sobrenome e parte de sua propriedade.
Toda a história que conseguem recuperar a respeito de um passado mais recuado, refere-se a Ludgério dos Santos, ancestral mais velho lembrado como primeiro “dono” da terra, estando totalmente direcionada para as regras de uso e transmissão da posse de suas terras. Segundo essas histórias os 24 alqueires da terra de Preto Forro são regidos por uma regra local que estabelece que aquelas terras nunca poderiam ser partilhadas ou vendidos por se tratarem de “terras de herdeiros”, onde somente os parentes do ancestral Ludgério dos Santos poderiam habitar. Há cerca de vinte anos e com maior violência, nos últimos dez anos, esse reconhecimento e esta estabilidade territorial começou a ser ameaçada. A partir do arrendamento de parte da terra para pasto, concedida por seus moradores em função das dificuldades com o pagamento dos impostos territoriais, um grileiro vem derrubando toda a mata remanescente da Mata Atlântica existente e passou a intimidar os moradores, impedindo-os de continuarem construindo casas para os seus filhos e obrigando-os a cercarem as posses familiares do que até então era uma terra de uso comum. De forma complementar, o grileiro passou a produzir provas documentais da sua posse continuada das terras, registrando-as em cartório.
Diante desse avanço do grileiro, da destruição de suas plantações pelo gado e das proibições de retirarem os frutos dos pequenos trechos de mata que ainda restam, os moradores tomaram a iniciativa de finalmente buscar a defesa jurídica de suas terras. No entanto, foram acompanhados por um profissional que, além de desconsiderar as razões e formas de percepção do direito construído pelo grupo, montou uma ação repleta de erros que de certa forma agravaram a situação do grupo.
Foi apenas a partir da participação de um dos membros dessas famílias na 1ª Oficina Territórios Negros (ver Informativo 3), organizada por Koinonia, que o grupo iniciou uma discussão sobre a situação do processo na justiça, solicitando apoio ao projeto Egbé – Territórios Negros. Foram, então, realizadas algumas reuniões entre aquelas famílias e a equipe do projeto, sobre o estado do processo, sobre os procedimentos legais e sobre o funcionamento da justiça (incluindo informações sobre o artigo 68). A partir daí, os moradores fizeram os primeiros contatos com o Sindicato de Trabalhadores Rurais de Cabo Frio e foi criada uma comissão para representar a comunidade junto a advogada do sindicato que, no entanto, não assumiu a causa. A partir de março, um advogado voluntário, membro do Grupo de Trabalho Jurídico sobre Territórios Negros deu entrada em um novo processo em nome das dez famílias que ocupam as terras de Preto Forro.
*Preto Forro recebe o documento de regularização territorial em 2011.
FONTE: Boletim Territórios Negros, v. 2, n. 1. 2002