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UM TERRITÓRIO: Machadinha

A comunidade de Machadinha, localizada no município de Quissamã, região norte fluminense, é composta por dois agrupamentos residenciais de famílias negras, estreitamente aparentadas entre si, que descendem diretamente dos escravos do Engenho Central de Quissamã.

A fazenda Machadinha, onde se encontra um dos núcleos, foi adquirida em meados do século XVIII por um contratador de diamantes da Coroa portuguesa, e atualmente pertence ao Engenho Central. Suas terras continuam sendo usadas no cultivo da cana-de-açúcar, enquanto o casarão (em ruínas, já não é mais reconhecível) e as antigas senzalas formam um conjunto arquitetônico tombado pelo Inepac, em 1977. As senzalas, apesar de uma reforma sanitária recente, não perderam suas características fundamentais, continuando a abrigar as famílias descendentes dos escravos, que continuam a trabalhar na cana para o Engenho Central.

O sítio Santa Luzia, onde se encontra o outro núcleo residencial, está localizado há poucos metros da fazenda, e teve origem em uma doação feita pelos antigos proprietários do Engenho a um casal de ex-escravos. Atualmente, o sítio abriga 21 casas e suas terras são partilhadas em regime de usufruto. Apesar das apropriações familiares, as terras são de “uso comum” (ver informativo nº 1), que não podem ser vendidas ou doadas.

As famílias de ambos agrupamentos se vêem e são vistas como uma mesma comunidade. O casamento entre as principais famílias de cada núcleo é comum e, por isso, as do sítio podem vir a morar nas casas de senzala da fazenda, enquanto as famílias da fazenda podem adquirir trechos de terra de “uso comum” no sítio, sem que isso implique perderem seus direitos nos núcleos originários.

Mas a diferença na situação da posse das terras no sítio e das casas na fazenda acaba tendo importantes conseqüências sobre sua organização social e formas de sobrevivência. As 134 pessoas residentes na fazenda estão praticamente obrigadas a trabalhar para o Engenho Central, como forma de garantirem o direito ao uso das senzalas. Os moradores do sítio, ao contrário, por terem a propriedade das suas terras, podem procurar formas alternativas de trabalho.

Como o Engenho Central de Quissamã funciona apenas na época de moagem e passa por sérias dificuldades financeiras (está constantemente ameaçado de falência), a prefeitura possui uma política assistencialista que garante a manutenção das famílias durante a entressafra. Cestas básicas são distribuídas todos os meses aos mais necessitados, que são quase todos. Grande parte dos adultos tem emprego nos quadros do município, em geral como garis. As crian¬ças são atendidas pelo programa federal de erradicação do trabalho infantil (PETI), enquanto os jovens acima de 14 anos são atendidos por uma versão municipal do mesmo PETI. Com isso, sem promover qualquer mudança na sociedade local, o poder público pode continuar adiando as contestações daquela população, mantendo um sistema de exploração que se reproduz há mais de um século.

Recentemente foi anunciado um projeto da prefeitura para transformar Machadinha em local de turismo histórico, cultural e étnico. A prefeitura anunciou que o conjunto arquitetônico foi desapropriado e que planeja transformar o antigo casarão em um centro cultural, iniciando a construção de uma praça em frente às antigas casas de senzala, sem qualquer consulta ou negociação com as famílias do local. Agora, os moradores de Machadinha esperam que a promessa do município em doar as terras de Machadinha às famílias que a ocupam, há tanto tempo, se concretize.

FONTE: Boletim Territórios Negros, v. 1, n. 5, out. 2001

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