UM TERRITÓRIO: Invernada do Paiol de Telha
As terras da fazenda Capão Grande, conhecida como “Fundão”, localizadas no município de Guarapuava, no estado do Paraná, totalizavam aproximadamente 3000 alqueires de terra e foram deixadas para a comunidade Invernada do Paiol de Telha, formada por escravos e libertos residentes na fazenda. Assim determinou em testamento a última proprietária, Dona Baldina de Francisca de Siqueira, em 1860. Entretanto, o processo de expropriação das terras da comunidade começou logo após a morte da mesma, culminando com a expulsão total dos herdeiros em 1975.
O sobrinho de Dona Baldina, Pedro Lustroza de Siqueira, foi o primeiro a tomar terras da comunidade. Aproveitando a confiança dos herdeiros da Invernada teria se apossado de grande parte do território quilombola, reduzindo o a menos da metade, 1240 alqueires.
O processo de expropriação prosseguiu tomando força nas décadas de 60 e 70. Em escritura datada de 17 de agosto de 1967, 28 herdeiros transferiram seus direitos hereditários para Alvy Vitorassi e João Pinto Ribeiro, em transação no valor de 100 mil cruzeiros novos. Segundo a comunidade, João Pinto Ribeiro reuniu os nomes de alguns quilombolas alegando que iria legalizar a situação das terras das famílias e cada uma teria sua documentação. Em vez disso, ele registrou uma cessão de direitos em seu nome. Aproveitando o parentesco com o juiz da cidade, seu filho, Pinto Ribeiro vendeu sua cessão para Alvy Vitorassi, empurrando a comunidade para 50% da área restante da Invernada.
A expropriação do restante do território acontece entre os anos de 1973 e 1975 com novos atores, mas utilizando métodos semelhantes. A Cooperativa Central Agrária Ltda adquiriu de Aly Vitorassi seus direitos hereditários sobre as terras antes dos remanescentes de escravos da Invernada, com um novo elemento: a medida de 1600 alqueires, abrangendo assim a pequena área ocupada pela comunidade. Em 1991, o processo foi julgado definitivamente, dando ganho de causa à Cooperativa, declarada proprietária de toda a área herdada pela comunidade.
A partir daquele momento, as violações de direitos sofridas pela comunidade passam da questão judicial para a forma física da violência.
Inconformadas com a perda de seu território, algumas famílias resolveram contestar a legitimidade do processo e se manter na terra. Como resposta, a força policial foi acionada e agiu utilizando métodos truculentos para desocupar as terras: as plantações foram queimadas, as casas e o maquinário destruídos, tiros disparados durante a noite. A memória de um membro da última família a sair da Invernada é:
“Eu fui uma das últimas pessoas a sair de lá, em 27 de setembro de 1975, (…) quem queimou tudo isso foi o doutor Pacheco (delegado). Quando eles viram que eu não saía mesmo, aí eles tentaram tirar minha vida. Tomei um projétil assim, não sei de onde veio …”
Atualmente existem 1000 herdeiros do “Fundão” espalhados por diversos estados brasileiros, conforme pesquisa realizada pela Associação Comunidade Paiol de Telha. Cerca de 340 deles vivem na região de Pinhão, Guarapuava e Reserva do Iguaçu. Uma boa parte desses descendentes, 31 famílias aproximadamente, vivem em um assentamento organizado pelo Incra. No início esse assentamento chega ou abrigar 64 famílias, mas a organização diferenciada entre assentamentos de sem terra e comunidades tradicionais dificultou a adaptação de muitos negros, o que resultou na saída de várias famílias.
Após trinta anos de luta, os descentes dos escravos da Invernada Paiol de Telha receberam da Fundação Cultural Palmares em 28 de setembro de 2005 a Certidão de Auto Reconhecimento como Comunidade Remanescente de Quilombo. Esse reconhecimento oficial reacende a esperança de que um dia recuperem suas terras, o maior desejo da comunidade.
Ana Gualberto Graduanda em História UERJ
Fonte bibliográfica: O Sangue e o espírito dos antepassados, de Miriam F. Hartung. Florianópolis: NUER, 2004
Comunidade de Invernada Paiol de Telha é o primeiro grupo reconhecido como quilombola no Paraná.
Disponível em: www.cpt.org.br acesso em 31 de julho de 2006
FONTE: Boletim Territórios Negros, v. 6, n. 22- 23, mar./jun. 2006