UM TERRITÓRIO: Ilha da Marambaia
A Ilha da Marambaia fica localizada no litoral de Mangaratiba (RJ), em uma área considerada de segurança nacional e controlada por militares. Só se chega a ela por meio de barco da Marinha, com autorização prévia. Ao desembarcar nos deparamos com as casas de alvenaria, todas brancas, que se espalham pela extensão da chamada praia do CADIM (Centro de Adestramento da Marinha) onde, desde 1971, residem militares e outros funcionários federais. A leste, em direção à restinga, e a oeste, em direção à ponta da Marambaia, encontramos um cenário diferente. Antigas casas de alvenaria e estuque abrigam uma população de cerca de noventa famílias que descendem, direta ou indiretamente (por meio dos casamentos) de escravos. O “Breves” – senhor do café e do tráfico de escravos no Rio de Janeiro do século XIX, mantinha ali seus escravos para “engorda” antes de serem vendidos para outras fazendas.
Os atuais moradores lembram que, pouco antes de morrer, o “Breves” teria deixado toda ilha para os ex-escravos que ainda permane¬ciam nela. A cada família ele teria atribuído uma praia, mas essa doação foi “só de boca”, como contam. Apesar da família Breves não ter cumprido o compromisso assumido pelo antigo proprietário de transferir a propriedade da Ilha, as famílias negras permaneceram ali em posse pacífica até 1939. Nesse ano, a Escola de Pesca Darci Vargas instalou-se na Marambaia, inaugurando um período de grande prosperidade: “aqui no tempo da Escola tinha de tudo, tinha fábrica de gelo, fábrica para sardinha, a gente tinha escola que profissionalizava a gente”, nos conta um senhor de 80 anos.
Tudo mudou quando, em 1971, a escola foi fechada e a ilha entregue ao Ministério da Marinha. A partir dessa data, os moradores da Marambaia começam a viver sob o impacto de uma nova dinâmica social, repleta de restrições que os proíbem de manter roças, construir casas para os filhos recém-casados ou mesmo reformar ou ampliar as já existentes. Finalmente, a partir de 1998, a Marinha entra com diversas ações judiciais de Reintegração de Posse, alegando que os pescadores são invasores de suas terras. Sem apoio jurídico e na sua maior parte não alfabetizados, aqueles que vão sendo citados nesses processos são progressivamente expulsos. Essa foi uma estratégia criada pelo CADIM para que o seu objetivo fosse alcançado sem os custos judiciais e políticos de ter que expulsar toda a comunidade de uma só vez.
A Diocese de Itaguaí, por meio da Pastoral Rural, montou um primeiro dossiê sobre a situa¬ção daquelas famílias em 1998 e o enviou para várias autoridades. Entre elas, o presidente da República, que usa a ilha como balneário oficial em feriados prolongados. Nessa época, o assunto ganhou algum destaque na imprensa e uma advogada da Fundação Cultural Palmares tentou conhecer a situação pessoalmente, sem sucesso. Rapidamente, no entanto, o assunto voltou ao silêncio e o processo de expulsão dos moradores foi retomado. Em agosto passado, foi a vez da Dona Sebastiana, de 84 anos, ser expulsa por ter reformado sua casa. Analfabeta, ela tinha tido a autorização “de boca” de um militar administrador da área para a reforma, mas que depois foi desmentida, resultando na ação de despejo. Os senhores mudam, mas seus métodos permanecem semelhantes.
Boletim Territórios Negros, v. 1, n. 4, ago. 2001