UM TERRITÓRIO: Conceição das Crioulas (PE)
O povoado de Conceição das Crioulas está situado no distrito de Salgueiro, no alto sertão de Pernambuco, a 550 km de Recife. A população conta com cerca de 4 mil habitantes distribuídos em 16 núcleos denominados “sítios”, que se estendem por uma área hoje reconhecida como remanescente de quilombo.
O ano de 1808 é apontado como o da chegada de seis negras à região. Não se sabe ao certo a origem delas ou o que as teria levado a esse lugar, mas existe o consenso de que não se tratava de escravas. Conta-se então que as seis mulheres arrendaram uma terra de três léguas e com a venda da produção e fiação do algodão conseguiram quitar o que deviam e ganhar o direito à posse da terra.
Só em 1998 o território de Conceição das Crioulas foi identificado como comunidade remanescente de quilombo. Em 2000, foi criada a Associação Quilombola de Conceição das Crioulas (AQCC), cuja finalidade era possibilitar a titulação coletiva da terra, reconhecida nesse mesmo ano pela Fundação Cultural Palmares.
Área de confluência de povos indígenas e negros, entre outros grupos, Conceição das Crioulas hoje é vizinha da Terra indígena Atikum, homologada por decreto presidencial em 1996. A atual organização espacial da região vem sendo marcada por diversos problemas e conflitos, uma vez que a indefinição do processo fundiário, somente regularizado entre novembro de 2003 e março de 2004, fez com que as ameaças por parte dos fazendeiros que se instalaram nas terras quilombolas se intensificassem.
Porém, o foco da disputa entre fazendeiros e quilombolas foi habilmente deslocado para um confronto entre negros e índios. Isso porque a ausência de políticas de assistência social específicas aos quilombolas vem provocando uma cisão no movimento. Visando o acesso aos benefícios concedidos pelo governo aos povos indígenas, algumas ex-lideranças quilombolas defendem a ampliação da Terra Atikum como forma de terem suas terras incorporadas à área indígena e, consequentemente, dentro do raio de abrangência dos programas governamentais. Além disso, ambas as populações vêm sendo ameaçadas por plantadores de maconha da região.
Esse complexo cenário configura-se muito conveniente aos interesses políticos e econômico dos que buscam se apropriar do território. Em 2004, quando foi iniciado o trabalho de regularização fundiária do Incra, os fazendeiros, inconformados, decidiram passar do plano das ameaças verbais para a ação. Exemplo disso foi o atentado à sede da AQCC, alvo de um incêndio criminoso no dia 12 de dezembro de 2004. No mesmo momento do incêndio, o fornecimento de energia foi cortado para 150 famílias, como forma de “recado” para aqueles que pensavam em se manifestar. Mesmo assim, as lideranças encaminharam a denúncia a diversas autoridades estaduais e federais, mas em fevereiro de 2005, ocorreu uma nova investida.
Mais uma vez tentando incitar a suposta disputa entre indígenas e quilombolas, os fazendeiros promoveram no dia 12 de fevereiro um “Toré” – ritual típico indígena – na vila de Conceição das Crioulas. Contudo, como o ritual em si não representava nenhum tipo de afronta, já que sempre foram fortes as ligações, inclusive de parentesco, entre os índios e negros da região, os fazendeiros decidiram proibir que os jovens quilombolas ouvissem música dentro de suas próprias casas, alegando que estariam atrapalhando a realização do Toré, e ainda invadiram a residência dos irmãos Juciê e Adalmir, lideranças do movimento quilombola.
Diante desse quadro de constantes agressões, faz-se urgente uma intervenção das instâncias governamentais competentes para que essa situação não se agrave. É verdade que a luta e as estratégias desenvolvidas para garantir a permanência no local e a sobrevivência são o maior legado que aquelas seis mulheres deixaram para as gerações por vir, mas não se pode contar apenas com a coragem dessa gente para quem a ameaça mais grave é ver toda sua história desaparecer.
FONTE: Boletim Territórios Negros, v. 5, n. 17/18, jan./abr. 2005