UM TERRITÓRIO: Comunidade São José da Serra
Dia primeiro de maio é “dia do trabalhador”, e é também o dia em que se homenageia São José Carpinteiro. Nesse dia, a comunidade São José da Serra, localizada na Serra da Beleza, em Valença (RJ), se reúne com amigos e parentes e festeja o seu padroeiro. O trabalho em conjunto, a crença religiosa, a culinária, o futebol e o caxambu se sucedem repetindo num só dia de festa a consagração de laços criados por seus antepassados em meados do século XIX na mesma fazenda.
O grupo é a sétima geração desde os primeiros escravos comprados para trabalhar nas lavouras de café da fazenda São José. Com a abolição, os ex-escravos construíram suas casas de adobe cobertas de sapê no alto da serra, à beira de um córrego. As gerações seguintes construíram laços de parentesco e solidariedade, viveram a crise do café e sua substituição pelo milho e depois pelo gado. E assim conseguiram permanecer, por mais de um século, na mesma terra herdada por seus ancestrais do antigo proprietário da fazenda.
As famílias de São José assistiram a sucessivas gerações de herdeiros adiarem a promessa de legalizar a doação originalmente feita “de boca” pelo primeiro proprietário. Mesmo sem sua posse legal, essas famílias têm resistido como podem ao avanço da expropriação de suas terras, como quando impediram que o velho jequitibá fosse derrubado. Com seus mais de duzentos anos, a árvore representa para os moradores a antiguidade da sua relação com o território.
Nessas terras, os negros de São José constituíram um núcleo religioso e cultural procurado não só pelos moradores das cidades próximas, mas de vários outros pontos do estado. Além do poder místico de sua matriarca, a comunidade é uma referência também por seu jongo, que atrai bailarinos, estudiosos ou simples simpatizantes. É em São José que o grupo de jongo da Serrinha, local em que nasceu a escola de samba Império Serrano (município do Rio de Janeiro), tem ido se realimentar nas raízes dessa dança tradicional das populações ex-escravas da região sudeste.
O reconhecimento como “remanescente de quilombo” (5 de abril de 1999) abriu caminho para a titulação de suas terras, mas o processo tem se mostrado muito demorado. Ele depende da desapropriação da fazenda, vendida pela primeira vez há cerca de doze anos. A venda quebrou com a continuidade dos herdeiros e com as promessas de legalização da doação ancestral. O atual proprietário resiste em aceitar os direitos adquiridos pela comunidade e tenta impedir que ela continue lutando por eles. Depois do reconhecimento esse fazendeiro parou de investir na agricultura e tentou convencer os fazendeiros vizinhos a negar trabalho aos moradores de São José, alegando que eles “queriam tirar terra dos outros”.
Atualmente essa situação está mais controlada, em decorrência de muitas denúncias feitas aos órgãos competentes e da organização de uma associação de moradores, registrada em junho de 2000. Com ela renasce a expectativa de que a regularização do território finalmente se torne uma realidade. Uma expectativa partilhada com os familiares distantes, que retornam todos os anos para reviver seus laços no dia da festa de São José.
FONTE: Boletim Territórios Negros, v. 1, n. 2, mar. 2001