UM TERRITÓRIO: Comunidade Remanescente de Quilombo de Santa Rita do Bracuí
A Comunidade Remanescente de Quilombo de Santa Rita do Bracuí, reconhecida pela FCP em 1999, encontra-se localizada em Angra dos Reis e originou-se de uma doação formal daquelas terras pelo fazendeiro aos seus escravos. Em seu testamento, este fazendeiro deixava 260 alqueires de terra aos seus escravos, em 1877, onze anos antes da abolição da escravatura. Além das parcelas individuais, que variavam entre um e cinco alqueires, o Comendador Breves deixou também uma área de 80 alqueires para todos os seus escravos “possuírem, morarem e trabalharem em comum”.
A memória que os moradores de Bracuí receberam de seus antepassados fala de uma relação de cordialidade do fazendeiro com seus escravos, da qual a doação seria a maior prova. Para os moradores de Bracuí, as terras que ocupam foram doadas aos seus ancestrais e são também de propriedade de Santa Rita, a padroeira da fazenda. Contam os moradores que havia sete imagens da santa espalhadas por toda a fazenda, mas todas foram roubadas. A que está atualmente no altar da igreja é uma cópia. Algumas pessoas afirmam que dentro da imagem havia ouro, outros dizem que guardava o documento que prova serem os descendentes de escravos os verdadeiros donos daquelas terras, o que explicaria a confusão a respeito do direito de uso daquela terra.
Após a abolição, os descendentes dos escravos da fazenda Santa Rita de Bracuí permaneceram naquelas terras durante décadas em posse pacífica e sem contestação. As primeiras tentativas de expropriação direta e violenta de suas terras ocorreram na década de 40, mas foram resolvidas pelos próprios moradores, que expulsaram os invasores. Mas o que os moradores só viriam a saber no início da década de 70 é que ações cartoriais realizadas no final do século XIX já lhes havia inviabilizado formalmente o direito à terra. Com base nessas ações, parte de suas terras foram expropriadas para a construção da estrada Rio-Santos e parte pelos empreendimentos turísticos.
A partir de 1975, os moradores passaram a sofrer pressões da empresa ‘Bracuhy Administração, Participações e Empreendimentos Ltda’ e, mais tarde, iniciaram-se as intimidações com homens armados, proibição de plantio, implantação de barragens ao longo do Rio Bracuí. Em 1978, os moradores entraram com uma ação ordinária de reivindicação contra a empresa, através de um advogado e assessor da FETAG. Os moradores começaram também a receber assessoria da Comissão Pastoral da Terra (CPT) e da Fase. O advogado usou como mecanismo de defesa a tese da posse imemorial, mas havia dificuldade de comprovar que os moradores eram descendentes dos herdeiros dos Breves. Somente cinco famílias conseguiram comprovar, e a ausência de uma legislação que defendesse o direito coletivo impediu que o reconhecimento fosse extensivo às outras famílias. Assim, a sentença foi favorável à empresa.
Depois de um longo período de conflitos fundiários, a comunidade perdeu a parte de suas terras localizadas próximo ao mar para o empreendimento turístico Bracuhy. Hoje, com as dificuldades de manutenção comercialização do plantio de produtos agrícolas, as terras de Santa Rita do Bracuí são utilizadas fundamentalmente para moradia. Os constantes parcelamentos entre os filhos de uma família forçaram os moradores a ocupar lotes que variam entre um e cinco hectares. Assim, uma das principais fontes de renda das famílias passou a ser os empregos no Marina Porto Bracuhy, localizado dentro de seu território original.
O reconhecimento dessas famílias como comunidades remanescente de quilombos que poderia representar a regularização de suas terras e a legalização das posses em nome dos descendentes de escravos das terras de Santa Rita até o momento, no entanto, não contribui para legalizar o direito que as famílias têm às terras seus ancestrais.
Fontes bibliográficas: Sandra Bragatto – Descendentes de escravos em Santa Rita do Bracuhy – memória e identidade na luta pela terra. Dissertação de Mestrado. UFRRJ, 1996. Laudo da Comunidade Remanescente de Quilombo de Santa Rita do Bracuhy. Processo nº01420.000103/99-87. Parecer nº 004/FCP/MinC/99. Autora: Sandra Bragatto
FONTE: Boletim Territórios Negros, v. 4, n. 16. 2004