UM POUCO DE HISTÓRIA: Os Agudás: africanos no Brasil e brasileiros na África
Durante os séculos XVIII e XIX, viviam na Costa Ocidental da África, na região que hoje abrange o Benim, Togo e Nigéria, além dos africanos, traficantes negreiros brasileiros e ex escravos que eventualmente retornavam do Brasil, antes mes mo da abolição da escravatura.
O antigo escravo retornado do Brasil, embora continuasse sendo um africano, ao chegar na África não era mais aquele indivíduo, filho de fulano, casado com sicrana, natural de tal aldeia e súdito de tal rei. Todos os seus laços familiares e sociais tinham sido cortados pela escravatura. Dessa forma, organizavamse socialmente a partir da experiência de vida adquirida no Brasil, assimilandose aos brasileiros já estabelecidos na região. Os seus descendentes, tanto os dos brasileiros traficantes como dos antigos escravos, são conhecidos até hoje como “brasileiros” ou ainda nas línguas locais como agudás.
Não se trata de uma comunidade de imigrantes brasileiros, tratase de uma diferenciação étnica, cuja identidade social, assim como as outras que compõem o Estado nacional, é bem definida. A palavra agudá vem, provavelmente, da palavra “ajuda”, nome português da cidade de Uidá no Benim, onde se localizava o forte português chamado de Forte São João Baptista da Ajuda, construído no final do século XVII, local de desembarque de milhões de africanos e hoje transformado em Museu Histórico.
Os agudás são facilmente reconhecidos pelos sobrenomes de origem portuguesa, como Souza, Silva, Almeida, entre outros tantos. No seu calendário festivo estão incluídas comemorações como Nosso Senhor do Bonfim, São Cosme e Damião; dançam a “burrinha”, uma variação do bumbameuboi, fazem desfiles de carnaval e se reúnem freqüentemente em torno de uma boa feijoada. Infelizmente, não há meios de saber com precisão quantos são, mas estimase que eles representam cerca de 5% da população total do Benim. Embora esses descendentes de brasileiros e de antigos escravos não mantenham relações com o Brasil há mais de um século, vivem num processo permanente de construção e afirmação social do seu grupo para que não sejam diluídos no conjunto da população.
A presença da cultura brasileira foi tão forte nessa região durante esses séculos que pode ser considerada como uma forma de colonização informal e atípica. Foi por intermédio desses “brasileiros”, em conseqüência direta do tráfico de escravos, que essa região teve acesso, de forma sistemática, a bens manufaturados, como armas de fogo, e a uma língua de expressão universal como o português.
Além disso, foram responsáveis pela introdução da técnica de alvenaria construindo a primeira igreja católica e chegaram mesmo a impor o português como língua oficial de uso corrente naquela costa africana. Foram tão importantes culturalmente que as primeiras escolas da região, criadas pela Missão Católica Francesa de Lyon, ensinavam português já em 1862 para os filhos desses “brasileiros”. Com a administração francesa, no entanto, o português foi abolido, mas isso não impediu que diversas palavras en trassem definitivamente para as línguas regionais. Ainda hoje é comum os agudás mais velhos se cumprimentarem com “Bom dia, como passou?”.
A existência dos agudás nos leva a pensar que o fluxo e o refluxo de gente entre o golfo do Benim e o Brasil representou muito mais que o tráfico de escravos e a movimentação de navios a seu serviço. Entre as duas praias, teciase, no tear da tragédia, um mundo atlântico de essência negra, uma cultura nova. Assim, os agudás tornaramse propagadores não só da cultura portuguesa africanizada no Brasil, mas também de uma nova maneira de ser e de verse africano aprendida dolorosamente no outro lado do mar.
Daniela Yabeta
Fonte Bibliográfica: Agudás: os “brasileiros” do Benim , de Milton Guran – Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 2000
FONTE: Boletim Territórios Negros, v. 6, n. 22- 23, mar./jun. 2006