UM POUCO DE HISTÓRIA: O Projeto Vida de Negro
O primeiro mapeamento sistemático sobre comunidades negras rurais no Brasil começou a ser realizado no Maranhão em 1988 pelo Projeto Vida de Negro (PVN), criado a partir da parceria entre o Centro de Cultura Negra (CNN) e a Sociedade Maranhense de Defesa dos Direitos Humanos (SMDDH). A equipe do PVN é constituída basicamente por militantes do movimento negro, alguns originados dessas comunidades, apoiada por técnicos, advogados e cientistas sociais. Para o PVN a pesquisa sobre as comunidades não pode ser pensada separada de um trabalho educativo, assim como de incentivo às organizações locais e estaduais. Disso, resultaram vários encontros estaduais e regionais, além da titulação de duas comunidades remanescentes de quilombos.
O PVN surgiu da experiência acumulada, desde 1986, com o I Encontro de Comunidades Negras do Maranhão. O seu principal objetivo era o levantamento das formas de uso e posse da terra, das manifestações culturais, religiosas e da memória oral da população que vivia nas chamadas “terras de preto” durante os períodos de escravidão e pós-abolição. Para isso, o projeto levantou informações em sindicatos, casas paroquiais, bibliotecas e nos encontros regionais de comunidades negras rurais. Esse amplo levantamento localizou nada menos que 401 comunidades negras rurais no estado, mais de cem delas já identificadas como remanescentes de quilombos.
A partir de 1991, o PVN também passou a atuar juridicamente na campanha pela legalização das terras das comunidades que apresentavam problemas fundiários. Desde a década de 30, a história dos povoados dos municípios de Itapecuru Mirim e Codó está repleta de tentativas de expropriação territorial por parte dos poderes locais. Os enfrentamentos das comunidades dos municípios de Brejo e de Buriti, contra invasores, registrados desde 1940, resultaram na morte de moradores nos anos 60. As tentativas de expropriação, vividas pelas comunidades do município de Presidente Vargas, começaram em 1972 prolongando-se até hoje. Em Jamary (Turiaçu) e em Itamaratatiua (Alcântara) os negros ainda resistem às tentativas de grilagem, iniciadas em 1977, com ameaças de pistoleiros.
Mas não são apenas os grileiros que ameaçam essas comunidades. Elas enfrentam também a política do IBAMA, que passou a impedir-lhes o acesso às matas, rios e animais, com o argumento de que esses “recursos naturais” precisam ser protegidos do homem. Parecem esquecer que esses “recursos” só existem ainda hoje porque aquelas populações estão ali, utilizando-os de forma equilibrada, há mais de cem anos. Em lugar de proteger, essa política parece ser apenas uma forma de criar reservas de “recursos naturais”, para o uso futuro das grandes empresas atraídas para a região. A cria¬ção, em 1992, da Reserva Extrativista Quilombo do Frechal no município de Mirinzal foi uma primeira conquista que resultou diretamente do trabalho do PVN na luta contra essa política discriminatória.
Para saber mais, os livros:
Frechal – Terra de Preto – Quilombo reconhecido como Reserva Extrativista. Organizado por SMDDH/CCN em 1996.
Projeto Vida de Negro – 10 anos de luta pela regularização e titulação das Terras de Preto do Maranhão. Organizado por SMDDH/CCN em 1998.
FONTE: Boletim Territórios Negros, v. 1, n. 4, ago. 2001