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UM TERRITÓRIO: As famílias de Cacau e Ovos

No ano de 1874, um conjunto de escravos que formavam a mão de obra do Engenho Santo Antonio da Campina, localizado na parte norte da Ilha de Colares, no Estado do Pará, foi incluído em uma transação de terras. Terra e escravos passaram às mãos do advogado Domingos Antonio Raiol – Barão de Gajará. Os Raiol foram proprietários dessas terras durante 54 anos. Desde então, os descendentes desses escravos vêm sendo submetidos a uma série de privações e expropriação de terras por sucessivos proprietários. A partir do fim da ordem escravagista, surgiram nessa localidade dois povoados, o de Mané João e o de Cacau e Ovos; representam a organização social das famílias de homens livres e suas histórias estão associadas ao antigo engenho de Santo Antônio da Campina.

As famílias de descendentes de escravos de Cacau e Ovos experimentaram a expropriação das terras e as mudanças nas atividades econômicas que reduziram as possibilidades de acesso aos recursos que sempre tiveram, como por exemplo, o acesso aos frutos de açaí ou às madeiras para construção de casas e barcos ou para a eventual comercialização. Os antigos locais de ocupação dessas famílias mudaram profundamente com a transformação da madeira, peixe e palmito em mercadorias valorizadas. A instalação clandestina de uma fábrica para produção de palmito provocou a derrubada de uma parte da vegetação de várzea.

Desde 1928 essas terras vêm sendo negociadas sucessivamente e as famílias dessas localidades vêem surgir novos donos sem ter nunca a certeza da natureza e legalidade das transações ocorridas. As duas mais recentes transferências de propriedade ocorreram em 1970 e 1981, para dois empresários. A negociação de 1970 foi feita por um migrante paulista do ramo de extração e beneficiamento do palmito de açaí. Seu objetivo era expandir os empreendimentos palmiteiros para a região. Sua atuação estava vinculada ao processo de integração econômica da Amazônia e ao aumento das exportações, recebendo, assim, incentivo fiscal da Sudam. Em 1981, uma nova negociação foi feita pela firma Empreendimentos Agroindustriais do Pará SA (Empasa), que declarou a posse de uma propriedade de 14.446 hectares. Posteriormente, esse cadastro foi questionado junto ao Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (Incra).

Nos últimos anos têm se intensificado as tensões e conflitos entre a Empasa e um grupo de famílias que experimenta as restrições ao uso dos recursos da área e ainda está submetida ao controle dos empregados da Empasa. Essas famílias encontram-se concentradas em uma área de menos de 100 hectares, cercados por uma cerca construída pela própria empresa. A proibição do uso de recursos como terra, floresta, manguezais, igarapés e lagos é o que tem gerado o conflito, na medida que atinge a sobrevivência dos membros dessas famílias.

Hoje as famílias estão organizadas na Associação Quilombola de Cacau visando recuperar o direito de usar uma terra ocupada por elas há 129 anos. Elas reivindicam junto ao Instituto de Terras do Pará (Iterpa) a demarcação e titulação das terras com base no artigo 68 da Constituição Federal. O Núcleo de Altos Estudos Amazônicos acaba de realizar um laudo sobre eles, visando o seu reconhecimento como remanescentes de quilombo.

FONTE: Boletim Territórios Negros (v.3, n.4. 2003)

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