UM POUCO DE HISTÓRIA: Irmandades negras
No Brasil Colonial e depois, já no país independente mas ainda escravocrata, proliferaram irmandades para cada categoria ocupacional, raça, nação – sim, porque os escravos africanos e seus descendentes procediam de diferentes locais com diferentes culturas. Havia irmandades dos ricos, dos pobres, dos músicos, dos pretos, dos brancos, etc. Quase nenhuma de mulheres, e elas, nas irmandades dos homens, entraram sempre como dependentes para assegurarem benefícios corporativos advindos com a morte do esposo. Para que uma irmandade funcionasse, era necessário encontrar uma igreja que a acolhesse e ter aprovados os seus estatutos por uma autoridade eclesiástica.
O principal critério de identidade dessas organizações era a cor da pele em combinação com a nacionalidade. Desse modo, havia irmandades de brancos, mulatos e de pretos. As de brancos podiam ser de portugueses ou de brasileiros. As irmandades negras eram subdivididas em de escravos nascidos no Brasil, e de africanos. Além disso, eram subdivididas de acordo com as “nações”, isto é, de acordo com a região de origem na África, por exemplo: irmandades de angolanos, de benguelas, jejes, nagôs etc. Com o passar do tempo o critério de nacionalidade foi se tornando mais flexível, eram aceitos membros de outras origens, porém, estes nunca tinham acesso aos cargos de destaque dentro da irmandades.
As irmandades faziam mais que cultuar santos católicos e orixás, constituam-se em verdadeiras associações de classe, reservadas, que tinham por objetivo atender aos interesses de seus associados. A confraria sempre obrigou seus membros a colaborarem. Jóias de entrada, anuidades, esmolas coletadas e outras formas de renda sempre foram usadas para as mais diversas finalidades: compra de alforria, realização de festejos, obrigações religiosas, pagamento de missas, caridade, vestuário etc.
A irmandade representava um espaço de relativa autonomia negra, no qual seus membros construíam identidades sociais vivenciadas no interior de uma sociedade opressora. A irmandade era uma espécie de família ritual em que tantos os africanos desenraizados de suas terras, como os negros brasileiros deslocados no contexto social viviam e morriam solidariamente. Foi um meio de constituição de instrumento de identidade e solidariedade coletivas. Toda a dinâmica que vivenciavam em torno das políticas dentro das irmandades visavam à integridade do negro diante da sociedade branca e paternalista. A morte significava o momento de maior ostentação dessas instituições, um funeral digno orientava as irmandades. Os fundos arrecadados promoviam a vida através de várias benfeitorias, e a morte a partir de um funeral apresentável.
Alguns historiadores ressaltam o caráter ambíguo dessas instituições pois ao mesmo tempo que promoviam a reunião dos negros, reproduziram em seu interior a hierarquia da sociedade escravocrata. Por exemplo, um negro que ainda era escravo não poderia ter cargo de destaque até que fosse alforriado. Os brancos, sobretudo os que tinham condições financeiras satisfatórias, tinham lugar de destaque dentro das irmandades. Como os negros não tinham como manter as irmandades sozinhos, aceitar um branco significava que as instituições receberiam generosas doações. E também pelo fato de que a maioria dos negros não sabiam ler nem escrever, e precisavam dos brancos para organizar seus livros e documentos.
Segundo o historiador João José Reis, em algumas irmandades havia critérios específicos que garantiam o lugar de um branco abastado na irmandade. Um exemplo foi a Irmandade do Rosário de Freguesia de São Bartolomeu que criou o cargo de “protetor” especificamente para brancos. João José Reis ressalta que apesar da ambigüidade que envolvia as Irmandades Negras, o fator fundamental foi posto: os negros se reunirão pelo direito de celebrar vida e morte.
Para saber mais
“Rebelião escrava no Brasil”, de João José Reis, São Paulo, 1986.
FONTE: Boletim Territórios Negros (v.3, n.1. 2003)