UM POUCO DE HISTÓRIA: Família escrava
Desde o século 19, vários intelectuais e pesquisadores afirmaram que os escravos eram promíscuos e que não era comum a constituição de família entre eles. Pensar na hipótese de que os escravos poderiam ter acesso a uma família seria, nesta época, um absurdo. A falta de regras e os costumes “imorais” da vida afetiva, sexual e reprodutiva dos negros eram resultado da própria origem africana dos escravos e, assim, os estudiosos podiam afirmar que nas senzalas não havia “famílias, apenas ninhadas”.
Somente a partir das décadas de 1960 e 1970 foram modificados os estudos sobre a escravidão no Brasil e miravam uma nova perspectiva. Esses novos estudos mostram que a situação moral em que se encontravam os negros não se explicava em função da sua origem racial, mas do violento regime escravista em que foram obrigados a viver. O principal ponto que esses estudiosos criticavam era o argumento de que os negros eram uma “raça” inferior, incapazes de competir com os brancos em igualdade de condições.
A partir desses primeiros estudos, muitos outros surgiram para falar de uma nova visão do escravo e da família escrava. Começou-se a ver o escravo não como coisa, como uma mercadoria sem capacidade de agir, mas como homens ativos. Esses estudos afirmavam a humanidade do escravo e a existência da família escrava mesmo no interior do violento regime escravista, o que era negado por estudiosos do século XIX. Hoje os estudos mostram que os escravos possuíam famílias e, que muitas vezes, eram constituídas sob as bênçãos da Igreja Católica, tornando-se extremamente importantes para a reprodução das culturas africanas.
Um dos estudiosos mais importantes para essa nova visão da vida escrava, Robert Slenes, mostra as identidades criadas através de “recordações africanas” durante o cativeiro. Ele também afirma que os escravos viviam em senzalas coletivas ou nas casas dos senhores, mas que era comum os escravos casados construírem uma casa separada dos outros, sendo possível inclusive, possuírem um pedaço de terra para plantar alimentos que seriam de sua propriedade. Atualmente, entre os estudiosos não se aceita mais a hipótese da inexistência da família como instituição presente e importante no cativeiro. Ao contrário, todos os autores que tratam deste tema percebem sua importância para o estudo do sistema escravista. O que existe são diferentes interpretações sobre o papel da família escrava: para uns ela foi fundamental para a manutenção do regime escravista, pois na medida que criava vínculos, ela pacificava seus membros. Para outro autores, a família contribuía para formar aliados, tornando-se uma ameaça para o escravismo, ao favorecer a formação de uma comunidade escrava em oposição aos senhores.
Para saber mais, leia: Na senzala uma flor: Esperanças e recordações na formação da família escrava – Brasil sudeste, século XIX, de Robert Slenes. Ed. Nova Fronteira tel: (21) 2537-8770.
FONTE: Boletim Territórios Negros (v.2, n.3. 2002)