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Dossiê Marambaia

Apresentação

ACERVO KOINONIA

Este dossiê reúne todo o material disponível nos arquivos do Programa Egbé Territórios Negros, de KOINONIA, que atua junto à comunidade desde 1999. Seu conteúdo nos permite traçar um significativo panorama da trajetória da Comunidade Remanescente de Quilombo da Ilha da Marambaia (RJ), desde a época da escravidão até os dias de hoje, por meio de notícias, textos jornalísticos, ensaios acadêmicos, fotografias e mapas.

O objetivo do OQ é fazer com que a sociedade civil tenha acesso a esse conjunto de informações para que assim possa compreender o verdadeiro contexto que envolve a causa quilombola e o processo de regularização das terras da Ilha, cuja legitimidade vem sendo injustamente contestada.

Introdução

ACERVO KOINONIA

O artigo Crime ambiental e erro histórico (Jornal O Globo, 25.02. 2005), assinado pelo prefeito César Maia, causou estranheza e preocupação entre os moradores da Ilha da Marambaia e todos aqueles que acompanham o seu drama, por constituir uma peça de grande visibilidade pública repleta de confusões e omissões.
A disponibilização deste dossiê no Observatório Quilombola tem o objetivo de alertar a população e os movimentos sociais para a campanha que tal peça jornalística articula. Nesta introdução, comentamos cada um dos tópicos levantados pelo prefeito contra a presença dos moradores na Ilha. Em seguida, apresentamos uma vasta documentação para que os leitores estejam aptos a produzirem seu próprio juízo sobre o caso.

Histórico

A Ilha da Marambaia fica localizada no litoral de Mangaratiba (RJ), em uma área considerada de segurança nacional e controlada por militares. Só se chega a ela por meio de barco da Marinha, com autorização prévia.

Era na Ilha da Marambaia que o “Breves” – senhor do café e do tráfico de escravos no Rio de Janeiro do século XIX – mantinha seus escravos para “engorda” antes de serem vendidos para outras fazendas. Os moradores da Ilha contam que, pouco antes de morrer, “Breves” teria deixado toda Ilha para os ex-escravos que ainda permaneciam nela, sendo os atuais moradores descendentes diretos destes.

Mas como essa doação foi feita “só de boca”, a família Breves não cumpriu o compromisso assumido pelo antigo proprietário e vendeu as terras da Ilha para a União (Companhia Promotora de Indústrias e Melhoramentos). Ainda assim, as famílias negras permaneceram ali em posse pacífica até 1939. Nesse ano, a Escola de Pesca Darcy Vargas instalou-se na Ilha, inaugurando um período de grande prosperidade. A partir de 1971, porém, depois de fechada a escola, a Ilha passou à administração militar da Marinha e a comunidade começou a viver um período de mudanças drásticas.

Segundo relatos dos moradores, a implantação dos serviços da Marinha na Ilha fez com que eles fossem proibidos de continuar cultivando suas roças de subsistência, de construir casas para os filhos ou mesmo de reformar ou ampliar as já existentes, e perdessem os serviços públicos antes oferecidos, sem nenhum tipo de compensação por tais perdas, além de serem submetidos a uma pressão psicológica constante, como uma forma de expulsão “branca”. A partir de 1998, esse método foi complementado pelas ações judiciais de Reintegração de Posse, que a Marinha move contra os moradores alegando que estes seriam invasores da área. Sem apoio jurídico e, na sua maior parte, não-alfabetizados, os condenados foram sendo expulsos.

A Diocese de Itaguaí, por meio da Pastoral Rural, montou um primeiro dossiê sobre a situação daquelas famílias em 1998 e o enviou para várias autoridades. Uma advogada da Fundação Cultural Palmares tentou conhecer a situação pessoalmente, mas foi impedida de ter acesso ao grupo pela Marinha. Rapidamente o assunto voltou ao silêncio e o processo de expulsão dos moradores foi retomado.

Com base em informações técnicas fornecidas por pesquisadores que trabalhavam na Ilha da Marambaia, o Ministério Público Federal (MPF) moveu uma Ação Civil Pública contra a Marinha de Guerra e a Fundação Cultural Palmares (FCP), exigindo da primeira a suspensão das ações (físicas e jurídicas) contra os moradores da Ilha e da segunda a realização dos estudos necessários à verificação da aplicabilidade do artigo constitucional 68 do Ato das Disposições Constitucionais Transitórias (ADCT) à comunidade da Marambaia.

Em decorrência disso, a FCP encomendou a realização do laudo antropológico, que foi realizado por uma extensa e qualificada equipe de pesquisadores ligados a diferentes universidades. O laudo – um volume de cerca de 350 folhas, montado em parceria por KOINONIA, pelo Núcleo de Referência Agrária e pelo Núcleo Fluminense de Estudos e Pesquisas, ambos da UFF, e com a colaboração do Departamento de História da UFRRJ – foi entregue à Fundação Palmares em dezembro de 2003 e ao Ministério de Desenvolvimento Agrário, Incra, Seppir e MPF (RJ e 6a. Câmara de Brasília) no início de 2004. O relatório produzido levantou claras evidências de que os ilhéus da Marambaia descendem, direta ou indiretamente, de famílias de escravos de duas fazendas da família Breves (e mesmo de fazendas anteriores a essas), tendo estabelecido uma posse plena e pacífica sobre a Ilha logo após a morte do Comendador Breves, em 1889, e o abandono da Ilha por parte de sua família.

Os processos da Marinha, que têm levado à expulsão dos moradores da área, coincidem justamente com o momento de maior popularidade do tema das “comunidades remanescentes de quilombos” e se acirraram depois das primeiras iniciativas da Diocese de Itaguaí na defesa daquelas famílias, pautada em tal argumentação. De forma coerente, tais processos são cuidadosa e trabalhosamente fragmentados em processos individuais, distribuídos por diferentes varas, como forma de impedir que o caráter coletivo do conflito se manifeste. No entanto, uma leitura em conjunto dos processos aos quais pudemos ter acesso não deixa dúvidas de que configuram uma ação que incide sobre uma coletividade: o mesmo autor, o mesmo objeto e as mesmas argumentações, tendo por réus pessoas que vivem sob as mesmas condições, fazendo parte de um grupo social estreitamente tecido por relações de parentesco e de memória. Qualquer argumentação jurídica que se sustente em particularidades relativas a um ou outro caso em pauta tem por objetivo, em primeiro lugar, obscurecer a natureza coletiva do conflito instaurado pelas ações práticas e judiciais da Marinha.

Degradação Ambiental

ACERVO KOINONIA

O primeiro argumento do prefeito para a manutenção exclusiva da Marinha na Ilha da Marambaia é o de que a Ilha constitui uma importante área de preservação da diversidade biológica e do patrimônio histórico graças à presença das forças armadas, que teriam conseguido um equilíbrio entre treinos militares e preservação ambiental e patrimonial.

Como documenta uma matéria jornalística publicada no mesmo jornal, no dia seguinte à publicação do artigo do prefeito, sob o título “Rajadas e explosões num paraíso preservado” (O Globo, 26.02.2005), os treinamentos militares são, na verdade, a maior ameaça ao patrimônio natural da Ilha.

Um efeito importante dos treinamentos militares são as constantes derrubadas de árvores e as queimadas na Mata Atlântica, para abrir passagens para os tanques de guerra ou em função dos combates simulados. Mas caberia acrescentar que tal ameaça paira não só sobre espécies exóticas, nativas da restinga, mas também sobre o patrimônio histórico e arqueológico, assim como sobre a população residente.
As ruínas das fazendas dos Breves existentes ali, incluindo uma capela do século XIX, que era freqüentada e preservada pelos ilhéus, foram destruídas nesses treinamentos.

O mesmo tende a acontecer com as ruínas das senzalas. Uma delas, que a administração militar diz preservar, na realidade foi profundamente modificada, sem qualquer consulta ou autorização do Iphan, para abrigar um hotel.

Os combates colocam em risco também, ainda que isso pareça menos relevante às autoridades, a vida dos pescadores e a integridade de suas casas. Além de acidentes envolvendo minas terrestres espalhadas pela Ilha, há casos de casas atingidas por “balas (de canhão) perdidas” e são numerosos os relatos sobre quintais e roças destruídas pelas tropas em treinamento.

Por tudo isso e buscando uma solução negociada, a comunidade definiu sua demanda territorial (por meio do laudo antropológico) reivindicando a posse sobre algo em torno de 40% da Ilha e não os 75% de que fala o prefeito. Sua reivindicação prevê, portanto, a manutenção da Marinha na Ilha, mas restrita às atuais instalações militares e aos trechos já altamente impactados por seus treinamentos. O que lhes importa é a garantia de autonomia sobre as áreas que sempre foram de uso comum e sobre as que ainda têm condições ambientais de voltarem a ser. Não são os moradores que degradam e pretendem exclusividade.

Quilombos e auto-atribuição

ACERVO KOINONIA

Outro argumento do prefeito é o de que o decreto presidencial 4887, que desde novembro de 2003 regulamenta a aplicação do artigo 68 das ADCT da Constituição Federal, estaria sustentado em visões equivocadas e distantes da realidade, tanto por atribuir aquelas terras aos ilhéus da Marambaia quanto por privilegiar a auto-atribuição como critério de reconhecimento de indivíduos como remanescentes de quilombos.
Nesse ponto o prefeito confunde debates e manipula a desinformação do público mais amplo sobre o assunto. Ele usa um conceito equivocado de “remanescentes de quilombos” e sobrepõe os debates sobre a Marambaia e sobre o decreto presidencial como se fossem um só.

Os debates travados entre o movimento social, parlamentares e acadêmicos desde 1992 chegaram a um consenso, também ainda mal conhecido pelo público mais amplo, em torno da ressemantização do termo quilombos, no contexto do artigo constitucional. Se na historiografia o quilombo era a designação atribuída a um grupo de escravos fugidos e se na mitologia criada em torno do tema isso remete a uma comunidade tipicamente africana, isso não se aplica ao conteúdo do artigo 68. O artigo lança mão dessa figura histórica e ideológica, por meio da expressão “remanescentes de quilombos”, para contemplar aquelas comunidades que, tendo ligações históricas com a população africana escravizada no Brasil, se mantiveram relativamente distintas dos outros setores da sociedade brasileira por perseverarem em uma determinada organização social, sustentada no parentesco, na memória e na posse de um território comum.

Tais comunidades, portanto, não são apenas aquelas formadas por meio da fuga, mas também por meio de outros mecanismos, quase sempre variações da forma de apossamento de uma terra coletiva. Nelas o controle dos recursos básicos se dá através de normas específicas instituídas pelo grupo para além do código legal vigente, e acatadas pelos vários grupos familiares que compõem a unidade social.

É nesse sentido – repito, acatado pelo movimento social, pela academia e por instâncias jurídicas, como o Ministério Público Federal e a Advocacia Geral da União, além do próprio governo Federal – que a Ilha da Marambaia se enquadra, de forma absolutamente coerente, como está extensamente documentado no laudo antropológico que produzimos sobre o grupo, na caracterização sociológica acerca das chamadas “terras de preto”, que hoje sustenta a interpretação pacífica do conceito de remanescentes de quilombos.

Favelização

Outro argumento levantado pelo prefeito é o de que o reconhecimento do direito dos ilhéus da Marambaia às terras que ocupam há mais de 150 anos daria origem a um sem número de alegações de direitos que abriria espaço para o parcelamento das terras e a transformação da Área de Preservação Ambiental (APA) em “área residencial precária” e local de economia informal. Como os editoriais de O Globo traduziram, ao reproduzirem como seus tais argumentos, trata-se do alerta contra a “favelização” da Ilha.

Nesse ponto, além de disseminarem desinformação, tais opiniões revelam um dramático preconceito contra essa população. Está evidente que o medo de favelizar a Ilha corresponde a uma decisão direta e indisfarçada de favelizar a sua população, ao expulsá-la das suas terras para qualquer outra “área residencial precária”. Mas o erro fundamental neste ponto é o de sugerir que a regularização dessas terras daria origem a direitos comerciais sobre elas. Ao contrário, a regularização das terras de remanescentes de quilombos se dá por meio de um título coletivo e indiviso, sobre o qual apenas os atuais moradores e seus descendentes têm direitos plenos. A regularização como terra quilombola é a maior garantia que tais populações têm de se manterem fora de alcance da especulação imobiliária

Por fim, não parece acidental que o prefeito tenha feito, como dizíamos, tal confusão entre os debates sobre a Marambaia e sobre o decreto presidencial, sobrepondo-os como se fossem um só. Quando ele aconselha o presidente a não esperar o pronunciamento do STJ sobre a Ação Direta de Inconstitucionalidade que o PFL moveu contra o decreto presidencial, providenciando ele mesmo a anulação do seu decreto, ele fala como homem de partido. Quando confunde esse tema com a questão específica da Marambaia, ele fala como pré-candidato à presidência da República em um movimento de aproximação das Forças Armadas. O patrimônio ambiental não é senão o último argumento, mesmo assim forjado com o custo da falsificação, que o seu discurso, ponto de convergência entre os seus interesses, os interesses da Marinha e do PFL, pode mobilizar contra direitos legítimos e amplamente reconhecidos daquela população.

José Maurício Arruti
Coordenador do Observatório Quilombola

ACERVO KOINONIA
Cronologia

A presente cronologia apresenta os principais acontecimentos envolvendo a Ilha da Marambaia desde junho de 1804 a maio de 2005.

Data Evento
1804 (junho) Nasce Joaquim José de Souza Breves.
1846-1847 O comendador ocupa o cargo de deputado da Assembléia Provincial
1850 Aprovada a lei de terras, marco dos esforços estatais para discriminar entre as terras públicas e as privadas.
1856 (fevereiro) Joaquim José Breves fez constar no livro de registro de terra da Paróquia de Itacuruçá: “Declaro que sou proprietário da Ilha da Marambaia, cujos terrenos são cultivados, compreendendo nos seus limites a restinga e o mangue de Guaratiba até a divisa do canal e também são acessórias à mesma Ilha as três pequenas ilhas fronteiras denominada Saracura, Bernardo, Papagaio.” Na Marambaia ele mantinha duas fazendas, uma delas dedicada à “quarentena” dos recém-chegados da África. No mesmo ano é feito um flagrante policial na Ilha da Marambaia, o que gera um processo judicial acusando o comendador de crime de contrabando de africanos.
1860 O comendador encerra suas atividades na Câmara e no juizado e assume a função de “capitalista” (referente à atividade financeira e creditaria). Neste mesmo ano o comendador Breves desloca suas atividades como fazendeiro do município de São João do Príncipe para o de fazendeiro e capitalista em Mangaratiba em função da estrada aberta entre São João Marcos e Mangaratiba.
1889 (setembro) Morre o comendador Joaquim José de Souza Breves e a fazenda entra em decadência. Pouco antes de morrer, segundo memória do grupo de moradores, o comendador Breves promete doar a Ilha da Marambaia para as famílias de seus escravos, mas essa doação nunca seria formalizada em documento.
1891 (outubro) Dona Isabel de Moraes Breves, viúva e herdeira da Ilha, vende a Marambaia à Companhia Promotora de Indústrias e Melhoramentos.
1896 (novembro) Por liquidação forçada, a Companhia transferiu a propriedade ao Banco da República do Brasil, por noventa e cinco réis.
1905 (maio) A União, através da Fazenda Nacional, adquire a Marambaia do Banco da República do Brasil.
1908 (junho) A Marinha do Brasil instala na Ilha a Escola de Aprendiz de Marinheiros do Estado do Rio de Janeiro.
1910 (junho) A Escola de Aprendiz de Marinheiros é transferida para Campos (RJ).
1924 (fevereiro) A Ilha é posta à disposição da Diretoria de Portos e Costa, com a finalidade de ali instalar uma colônia de pescadores e uma escola de curso primário e profissional de pesca.
1927 Instalação da Fundação Cristo Redentor na Ilha da Marambaia.
1931 A Confederação Geral de Pescadores do Brasil funda, na Ilha, a sede da Colônia de Pescadores Z-23.
1933 (janeiro) A Ilha passa a ser área restrita para a instalação de um polígono de tiro do Comando de Artilharia de Costa do Exército, continuando sob jurisdição da Marinha.
1939 O presidente Getúlio Vargas dá um despacho favorável à doação da Ilha da Marambaia para o Abrigo Cristo Redentor construir uma escola profissional de pesca, a Escola Técnica Darcy Vargas.
1940 Visando elevar o nível do pescador brasileiro com preparo técnico, a Escola Darcy Vargas é ampliada, incluindo capela, clausura para as religiosas, hospital, farmácia, lavanderia, padaria, estaleiro, fábrica de gelo, fábrica de rede de pesca, fábrica de sardinha e de filé de cação prensados, assim como são implementadas a horticultura e a pecuária para abastecimento dos operários e técnicos que, nesse ano, eram cerca de 150 indivíduos.
1943 Com o decreto Lei 5760 de 1943, o Presidente Getúlio Vargas transfere ao Patrimônio Nacional todos os bens pertencentes ao Abrigo Cristo Redentor, criando a Fundação Abrigo Cristo Redentor. Conforme certidão do livro de terras, os bens que são reincorporados ao patrimônio da União são os que estão descritos no processo protocolado no Ministério da Fazenda sob o número 35.751/70 e 1.306/70 – RJ.
1955 A estrutura montada na Ilha da Marambaia entra em decadência.
1971 (fevereiro/maio) É autorizada a reincorporação da Ilha à União, com todos os bens móveis e imóveis da Escola Técnica Darcy Vargas da Fundação Abrigo Cristo Redentor, e a administração da Ilha retorna para o Ministério da Marinha, que reativa a Prefeitura Militar do campo da Marambaia, instalando no local uma base de adestramento. A comunidade começa, então, a viver sob o impacto de nova dinâmica, repleta de restrições impostas pela Marinha, que proíbe os moradores de construir novas casas para seus filhos recém-casados, de reformar ou ampliar as já existentes.
1981 (fevereiro) É inaugurado o Centro de Adestramento da Ilha da Marambaia.
1988 A União inicia ações de reintegração de posse contra moradores da comunidade, algumas delas resultando na expulsão de famílias e derrubada de casas.
1989 Primeiras tentativas de organização comunitária, que levam à organização da Associação de Moradores e Amigos da Ilha da Marambaia (Amadim), com o apoio de três vereadores e um advogado do município de Mangaratiba.
1997 A Marinha intensifica seu movimento no sentido da retirada dos moradores e entra com várias ações de reintegração de posse contra pescadores residentes na Ilha, alegando invasão e ocupação indevidas de terras da Ilha da Marambaia.
1998 Com a intensificação das ordens de despejo e destruição de casas, reiniciam-se as tentativas de organização dos moradores. De um lado, elas levam à criação da Vitória – Associação para o Desenvolvimento Socioeconômico Cultural da Ilha da Marambaia, composta exclusivamente por evangélicos. De outro, levam a reuniões na pastoral social da igreja católica de Mangaratiba, que resultam em um abaixo-assinado, denúncias à imprensa, cartas às autoridades e, finalmente, num dossiê que seria entregue à Fundação Cultural Palmares (FCP).
1999 (janeiro) A Pastoral de Itaguaí escreve uma carta à FCP denunciando as constantes ameaças de despejo feitas pela Marinha contra as famílias residentes na Ilha e envia cópia de dossiê elaborado pela própria Diocese.
1999 (março/maio) A FCP abre um processo, envia ofício para a Marinha requerendo informações sobre a Ilha e produz um parecer onde afirma: “Ao passar para a jurisdição de Marinha, em 1906, a Ilha já era habitada por várias pessoas, remanescentes de escravos que, vivendo basicamente da pesca, criaram uma comunidade distinta.” A presidente da FCP escreve à comunidade informando que em breve estará mandando uma equipe para trabalhar com eles para fins de titulação da área. A equipe nunca chegou à Ilha.
2000 (agosto) A Procuradoria da República do Rio de Janeiro entra em contato com a FCP requerendo providências para o caso. A FCP dá despacho afirmando necessitar de elaboração de um laudo técnico.
2002 (janeiro/fevereiro) O Procurador da República responsável pela pasta dos Direitos do Cidadão no Rio de Janeiro, Daniel Sarmento, solicita ao Projeto Egbé – Territórios Negros um relatório preliminar com dados que começavam a ser levantados sobre a comunidade. Com base nesse relatório preliminar, o Ministério Público Federal (MPF) entra com uma Ação Civil Pública solicitando o reconhecimento da comunidade como remanescentes de quilombo e a interrupção das ações de expulsão da Marinha contra os moradores da ilha, no que é atendido pela juíza de primeira instância.
2002 (abril) A liminar da juíza Lucy Costa atende a três dos quatro pontos solicitados na Ação Civil, ficando o último na dependência de que a Fundação Cultural Palmares se pronuncie sobre o reconhecimento do grupo como comunidade remanescente de quilombo.
2002 (novembro) Moradores da Ilha voltam a se reunir, dando início ao processo de organização de uma associação comunitária.
2002 (dezembro) A Fundação Cultural Palmares retoma o processo aberto em 1989, atendendo a um oficio do MPF, e firma convênio com KOINONIA para a realização do laudo antropológico sobre o grupo.
2003 (fevereiro) É criada a Associação da Comunidade Remanescente de Quilombos da Ilha da Marambaia (ARQIMAR).
2003 (dezembro) O laudo antropológico sobre o grupo, produzido por KOINONIA com a colaboração de dois núcleos de estudos da UFF sob a coordenação de José Maurício Arruti (um volume de cerca de 350 páginas), é finalizado e entregue à Fundação Palmares, com cópia para diversas instâncias oficiais, entre elas o Incra, que depois de 2003 passou a ser o órgão responsável pela regularização das comunidades quilombolas.
2004 (novembro) FCP emite certidão de auto-reconhecimento para a Comunidade da Ilha da Marambaia e o Incra inicia o trabalho de demarcação.
2005 (janeiro) O trabalho de demarcação é interrompido pelo Incra sem maiores esclarecimentos e a diretoria da ARQIMAR vai à sede da Superintendência Regional do órgão para pedir esclarecimentos. Em resposta, a diretoria é informada de que a equipe da instituição estaria de férias, mas que em breve os trabalhos seriam retomados.
2005 (fevereiro) Em um artigo de opinião publicado no jornal O Globo, o prefeito do Rio de Janeiro, César Maia (Crime ambiental e erro histórico) questiona, depois de ter visitado a área a convite dos militares, o reconhecimento dos ilhéus da Marambaia como quilombolas, assim como sugere que tal reconhecimento representaria um desastre ecológico. No dia seguinte, o mesmo jornal publica uma matéria informando que o Incra teria sido proibido de entrar na Ilha para dar continuidade aos trabalhos de demarcação e regularização fundiária. A matéria é acompanhada de um Boxe com a opinião do jornal que repete os argumentos do prefeito. No dia seguinte, a equipe do Programa Egbé Territórios Negros de KOINONIA visita a comunidade a pedido da população para discutir as alternativas de ações contra as declarações do prefeito. Os moradores redigem, então, uma carta-resposta, que é enviada a todos os principais veículos de comunicação, mas é ignorada pela maioria deles.
2005 (março) KOINONIA reúne em sua sede no Rio de Janeiro representantes do Ministério Público Federal; do Ministério Público Estadual; da Secretaria Especial de Direitos Humanos (SEDH); dos moradores da Ilha da Marambaia, assim como advogados e militantes engajados na causa quilombola, para discutir os desdobramentos do episódio da carta de César Maia, a interrupção dos trabalhos do Incra e a situação da violação dos direitos dos ilhéus em diversos âmbitos.
2005 (maio) Toma posse a nova diretoria da ARQIMAR. No mesmo mês, a comunidade recebe visita de técnicos da Subsecretaria de Políticas para Comunidades Tradicionais da Seppir da Presidência da República, juntamente com outros órgãos governamentais integrantes do programa Brasil Quilombola (incluindo o Incra), para “conhecerem” a situação. Poucos dias depois, a equipe do Balcão de Direitos, constituído por meio de uma parceria entre KOINONIA e a SEDH, recebe resposta negativa ao ofício em que solicitava a sua entrada na Ilha para dar continuidade aos seus trabalhos, que consistem na promoção de oficinas de capacitação em direitos humanos e cidadania e na promoção da documentação básica de seus moradores.

As notícias reunidas nesta seção foram coletadas em diversas fontes e cobrem os seguintes temas:

 

Visões sobre o Conflito
Pescadores pedem socorro na ilha

FONTE: Jornal da Província
SEM DATA

Vereador o que está acontecendo com os pescadores da ilha da Marambaia?

A maioria dos municípios de Mangaratiba tem ciência de que os pescadores e as famílias que vivem na ilha da Marambaia estão lá bem antes da Marinha chegar, muitos chegam a ser descendentes de escravos, inclusive minta avó viveu na ilha 80 anos, meu pai nasceu lá.

A Marinha está querendo expulsar estes pescadores que já construíram suas famílias, casas, vivem da pesca e querem coloca-los ninguém sabe onde.

O que a Câmara Municipal vai fazer?

Em função desses acontecimentos a Câmara Municipal de Mangaratiba vem pedindo informações ao Ministério Público Federal, estamos convidando o Comandante do CADIM para prestar esclarecimentos a esta casa que é a casa do povo, para podermos tomar algumas medidas como seguir com uma Ação Cívil Pública, ou uma GPI, e que se crie uma comissão de investigação para não deixar a Marinha retirar os pescadores de suas casas na ilha da Marambaia.

Mas a ilha é uma área militar?

Sabemos que a ilha é uma área militar, agora só queremos saber há onde é que os pescadores prejudicam alguma ação da marinha no local, muito pelo contrário os pescadores sempre tiveram uma convivência harmoniosa com a Marinha, nunca desrespeitaram e sem contar que são pessoas muito humildes.

Concordamos até que a Marinha desde que chegou a ilha, não permita mais nenhuma Invasão, agora de retirar os pescadores de suas casas, suas redes, suas canoas tudo o que conseguiram com muito sacrifício ao longo de suas vidas, não podemos concordar, a Marinha é um órgão, instituído para proteger o cidadão, não paira gerar ameaças, o que se vê hoje nitidamente é medo nos olhos dos pescadores, porque desde que muitos nasceram foram criados, constituíram suas famílias, seus filhos que lá estudam, a sua sobrevivência é retirada da ilha através da pesca. Fica aqui uma pergunta vão retirar eles da ilha e colocar a onde? Na favela de Sepetiba!

Sem contar que nem a Prefeitura Municipal nem a Câmara foram consultadas, não houve uma troca de opiniões para discutir o problema, a Marinha tinha que pelo menos ter dado uma satisfação ao Poder Público, por isso é que estamos convocando o Comandante da Marambaia, para prestar esclarecimentos a esta casa, porque nós não sabemos o que será feito com essa gente, e nós somos responsáveis temos que nos preocupar com o bem estar e o destino dos nossos cidadãos.

Quais são as medidas que a Câmara Municipal vai adotar?

O Vereador Kabeça através da Presidência da Câmara, já pediu ao Ministério Público Federal cópia dos processos que foram feitos contra os pescadores, inclusive os mesmos tiveram perda de prazos, nós achamos que houve má fé da Marinha e até mesmo da justiça, porque soubemos que muitas das ações foram julgadas a revelia, e se analisarmos bem o fato veremos que se trata de uma gente que não tem muita instrução, não entende da Lei, não tem condições de pagar um advogado, então achamos que foi feito uma covardia pela Marinha brasileira, inclusive eu gostaria que o jornal publicasse o que vou dizer agora – Hoje eu tenho vergonha de ter nascido no dia 13 de Dezembro -Dia do Marinheiro – por causa dessa ação que está sendo movida contra os pesca-dores. eu que era uma pessoa tão feliz com minha data de nascimento, hoje se eu pudesse mudaria minha data no cartório, por conta do que a Marinha vem fazendo com os pescadores do nosso Município, que é uma grande covardia.

Outro detalhe, vamos fazer um levantamento de área, fotografia aérea e se ficar.

Paraíso proibido

Militares e ecologistas se unem para preservar uma das mais exuberantes reservas naturais do País

por Hélio Contreiras e fotos de Pedro Agilson

FONTE: Revista Isto É

DATA: 26/11/1996

Quem sobrevoa o litoral sul do Rio de Janeiro certamente já reparou uma estreita faixa de terra, entre o Oceano Atlântico e a Baía de Sepetiba, que se prolonga por 42 quilômetros, com praias em toda a sua extensão. O que poucos sabem é que ali está situado um dos últimos paraísos ecológicos da Mata Atlântica: a Ilha da Marambaia. A 90 quilômetros do centro do Rio, há 110 anos a ilha era escala obrigatória para os navios negreiros que vinham para o Sul do Brasil. Hoje, ela é um dos raros lugares do planeta onde podem ser vistos pássaros silvestres quase em extinção, como o gavião-pombo, além de macaco-prego, tatu, capivara e a borboleta capitão do mato, com seu azul forte. Em Marambaia, até o popular sabiá, pássaro que entrou na literatura brasileira com o poema Canção do Exílio, de Gonçalves Dias, é diferente. Chamado de sabiá-da-praia, ele é maior que o sabiá-da-mata – comum nas montanhas de Minas, em Goiás, Brasília e na Bahia – e que o sabiá-laranjeira, figura carimbada no cenário ecológico do Rio de Janeiro, São Paulo, Minas, Goiás, Norte e Nordeste. Observar essas espécies, porém, é privilégio de poucos. Atualmente, cerca de 400 nativos residem na Ilha de Marambaia, onde funciona um centro de adestramento da Marinha. Além dos militares e dos moradores, ninguém mais tem autorização para entrar na ilha.

O futuro deste paraíso, porém, ainda é uma incógnita. Alguns políticos fluminenses periodicamente insistem em defender a exploração da ilha pela indústria do turismo e lutam para que o acesso às lindas praias não seja restrito. Para evitar que isso aconteça, o biólogo Roberto de Xerez, da Universidade Federal Rural do Rio de Janeiro, idealizou um convênio com a Marinha visando a preservação da ilha para pesquisas e pretende transformar Marambaia em área de preservação ambiental. O convênio, assinado em setembro, é o primeiro passo para isso. “A presença da Marinha em Marambaia tem sido decisiva para a preservação da Mata Atlântica”, diz Xerez. “Mas a ilha precisa ser declarada oficialmente como reserva ecológica e o acesso a ela deve continuar a ser restrito.” Na Marambaia há uma aliança implícita entre ecologistas e militares. O comandante do Centro de Adestramento da Marambaia, capitão-de-mar-e-guerra Carlos Alberto Beda de Oliveira, e seu imediato, capitão-de-fragata Eduardo Tibúrcio, também defendem a preservação da ilha e acreditam que isso só pode ser concretizado se o acesso a suas praias continuar proibido. Ao contrário do que fazem em Alcatrazes (SP), os militares não usam a ilha para operações que possam provocar danos à fauna e à flora e até recolhem pedaços de papel ou de plástico eventualmente encontrados nas areias.

Os que moram no paraíso não admitem a possibilidade de sair dali, embora na ilha não exista sequer supermercado. Descendentes de escravos, esses moradores ainda sobrevivem da pesca artesanal e mantêm o hábito de visitar a capela de Nossa Senhora das Dores, erguida em 1940, numa época em que a ilha ainda abrigava alguns cafezais. Teodorina Alves de Lima, 77 anos, é a mais antiga moradora da ilha. Ela nasceu lá e nunca residiu em outro lugar. Sua mãe, Rosa, falecida há cerca de 50 anos, foi levada à Marambaia no século passado por um navio negreiro, sendo libertada só com a decretação da Lei Áurea, em 13 de maio de 1888. Na época, a ilha era usada para a triagem dos escravos. Os que tinham saúde, bom físico e dentes em bom estado eram logo separados para ser vendidos a preços mais altos. “Minha mãe me dizia que o trabalho escravo afetou sua saúde”, diz Teodorina. Ela lembra que sua mãe lhe contava que, por ser escrava, além de ser mal-tratada, nem sequer tinha direito a alimentação adequada, e por isso enfraqueceu. A senzala, onde a mãe de Teodorina passou boa parte da vida, permanece construída na ilha. Viúva, Teodorina recebe R$ 112 como aposentada do Fundo Rural. “Aqui eu vivo com esse dinheiro. Em outro lugar acho que não daria”, diz. “Na ilha, um ajuda o outro e não falta nada para ninguém.”

Outro descendente de escravo e que também nasceu na ilha é Caetano Silva, 76 anos. Defronte a seu barraco, ele diz que sempre recorreu à pesca para garantir sua alimentação. “Hoje, penso apenas em tentar viver mais alguns anos”, diz o pescador. No passado, porém, esses habitantes do paraíso ecológico queriam melhorar o padrão de vida. Ercília Silva, 67 anos, mulher do pescador, costuma recordar o período em que mais alimentou o sonho de dias melhores. “Nos anos 40, fui empregada do presidente Getúlio Vargas, quando ele tinha uma casa na Marambaia.” Fala-se na ilha que a casa do ditador do Estado Novo era usada por ele para encontros fortuitos com amigas. Mas Ercília faz uma ressalva: “Dona Darcy Vargas, a mulher do presidente, estava sempre lá.” A casa, na verdade, pertence ao governo federal, mas os moradores não têm lembrança de que outros presidentes a tenham utilizado. Hoje, ela é ocupada pela Marinha.

A ilha também foi usada, na década de 70, como esconderijo de perseguidos políticos. Muitos dos que eram procurados pela repressão fugiam para Marambaia. “Os fugitivos políticos eram vistos com desconfiança, não falavam com quase ninguém e nunca se ficava sabendo de onde eles tinham vindo”, recorda Ercília. “Mas eles não faziam mal a ninguém. Não sabiam pescar e se limitavam a pedir apenas um prato de comida.”

Dossiê sobre tentativa de expulsão de moradores

FONTE: Revista Paratodos. n.3
DATA: 1998

Foi entregue pelo ex-prefeito Emil de Castro ao presidente em exercício do PDT-RJ, ex-deputado federal Carlos Lupi, 1º Suplente de Senador na Chapa de Saturnino Braga, um dossiê sobre a tentativa de expulsão dos moradores da Ilha da Marambaia, por determinação do alto do presidente FHC. A questão deverá ser discutida com o candidato a governador Garotinho, uma vez que a Ilha da Marambaia pertence ao Estado do Rio. O líder do PT, na região Mariano Moreira, também levará um dossiê sobre o assunto ao candidato Lula e outras lideranças nacionais do partido, visando uma providência urgente, a fim de impedir essa decisão infeliz.

Marinha expulsa moradores do paraíso

Moradores da Ilha da Marambaia brigam para não perder casas para militares que alegam deterioração do patrimônio público

por Maurício Barros de Castro

FONTE: Jornal do Brasil
DATA: 18/07/2001

O paraíso não é para todos, nem mesmo para quem nasceu nele. É a lição que se tira da história de D. Sebastiana Henriqueta de Lima. Passou toda a sua vida morando na Ilha da Marambaia, um sítio ecológico onde o presidente Fernando Henrique gosta de passar as férias. Agora, aos 83 anos, a velha senhora corre o risco de ter que deixar o lugar porque perdeu um processo de reintegração de posse, iniciado pela Marinha há quatro anos. Além disso, foi acusada de deteriorar o patrimônio público, que, no caso, é a própria casa de alvenaria que ela construiu.

Como perdeu a ação, além de não poder voltar para a Ilha, ela ainda vai ter que indenizar a União por “danos ao patrimônio público” e arcar com as custas judiciais. Diante de tudo isso, D. Sebastiana não resistiu e teve que ser internada, com pressão alta, num hospital. Depois de ter alta, foi esperar os recursos contra a ação na casa da filha, na Pavuna, na Zona Norte. “Eu quero voltar pra lá, nasci lá, me criei lá, tive dez filhos, criei porco, criei galinha, trabalhei na roça, carreguei mandioca, lenha, tudo na cabeça”, diz saudosa.

Hoje, resta às cem famílias que vivem na ilha o sustento dos mares. Não é mais permitido fazer roçado na Ilha, assim como não é permitido erguer novas construções. Uma medida que, se preserva a beleza do lugar, contribui para tornar mais tensas as relações entre a Marinha e os moradores, quase todos pescadores humildes, na maioria descendentes de escravos que viveram ali há gerações.

Acesso _ O acesso a Marambaia é proibido aos civis. Há apenas uma maneira das pessoas de fora conhecerem a ilha onde nasceu D. Sebastiana: entrar como convidado de um dos moradores. Isso significa que o nome da pessoa deve constar na lista que um militar confere no porto. Depois disso é que se pode ingressar na barca de metal que a Marinha coloca à disposição para fazer a travessia ao longo da Baía de Sepetiba. O ponto de partida é Itacuruçá, uma pequena e calma cidade onde os pescadores colorem o mar com seus barcos e alguns poucos turistas costumam visitar. Distrito de Mangaratiba, o lugar fica a cerca de uma hora e meia do Rio de Janeiro.
Na barca não há vestígios de preocupação com conforto. Não há assentos ao ar livre e os que existem, uns bancos de madeira, ficam no porão. A viagem dura uma hora e os passageiros acomodam-se como podem, espalhados pelo convés, conversando para matar o tempo. Ao longe, já se desenham os contornos da Marambaia. O que se destaca, assim que a costa fica mais visível, são duas palavras gigantescas, marcando com cal o verde das montanhas: FUZILEIROS NAVAIS.

A embarcação atraca na Praia do Cadim, batizada por ser a sede do Centro de Adestramento da Ilha da Marambaia, o comando local da Marinha. É ali que estão as melhores residências, predominantemente habitadas por militares, todas de alvenaria e bem pintadas. Na maior delas, com ar-condicionado, mora o comandante. É nela que se hospeda o presidente Fernando Henrique.

Caminhada _ Para chega à casa de D. Sebastiana, que fica na Praia do Sítio, é preciso caminhar por uns quarenta minutos pelas areias brancas, quase sempre desertas, banhadas pelas águas calmas e azuis da Baía de Sepetiba. É o tempo aproximado que leva para, atravessar a pé as praias Suja, do José e do Caju. “Aqui é tudo ao contrário, a Praia Suja é limpa, a do Caju não tem fruta e o José ninguém sabe quem é”, conta, divertido, Marcílio Lima, um filho da Marambaia que, como a maioria dos que nasceram na ilha, é herdeiro da escravidão. A marca desse tempo está numa placa, na Praia do Cadim, que indica a Estrada da Senzala.

O cenário selvagem, que se estende por uma restinga vizinha, tem uma rica vegetação, ornamentada por figueiras, orquídeas e bromélia, e uma população de tamanduás, pacas e guaxinins. Em alguns lugares, é preciso ter cuidado porque o Exército e a Aeronáutica, que também tem campos de treinamento na região, usam as áreas mais isoladas para fazer testes militares. A bateria de tiros pode ser ouvida na Praia do Sítio, garantem os moradores, que costumam ser avisados pelos militares para manter distância da área de provas.

No percurso para a Praia do Sítio, algumas casas vão surgindo no caminho. As construções simples costumam ficar dentro da mata, ninguém mora na praia propriamente dita. A trilha passa pela casa de Seu Joel da Rosa Lima, o mais antigo morador do lugar, com 83 anos. “Era para as terras serem nossas. O Breves deixou pra gente, mas não assinou nada, foi só de boca, então…”. O velho pescador, sentado na soleira de sua casa, deixa a conclusão da frase ao soprar do vento.

Escravos _ A pessoa a quem se refere seu Joel é o comendador Joaquim José de Souza Breves, dono dos escravos e das terras da Marambaia no século 19. Era ele quem recebia os negros vindos da África, abatidos pela viagem, e os fortalecia para serem vendidos para o trabalho escravo. Com a abolição, a Marambaia deixou de ser uma estação de engorda e foi vendida, em 1905, para a Marinha. Esta, no entanto, só veio a ocupar definitivamente a ilha no início da década de 70. Antes, o lugar chegou a ter uma escola de pesca, que incluía o ensino básico, e uma fábrica de gelo e sardinha, financiadas pela Fundação Cristo Redentor, uma iniciativa da era Vargas que permaneceu na ilha por mais de trinta anos. Na ilha, atualmente, há penas uma escola primária e uma mercearia na Praia do Cadim, o único lugar que possui energia elétrica, vinda de um gerador.
A chegada da Marinha trouxe novas regras. Ao mesmo tempo que não permite que nenhuma nova construção seja erguida, a instituição também condena casas consideradas abandonadas, em mau estado de conservação. “Nós não podemos melhorar nossa casa para dar mais conforto à nossa família e aos visitantes”, conta João Paulo Lima, pescador e irmão de Marcílio, explicando porque muitos dos nativos têm deixado a ilha em busca de oportunidades na cidade. Ele não se ufana com a preferência do presidente pelo lugar onde nasceu. “Como posso sentir orgulho se não posso nem chegar perto dele?”, pergunta. O pescador conta que, nas primeiras vezes em que Fernando Henrique esteve na ilha, a vigilância era severa. Os moradores eram escoltados quando iam e voltavam da Praia do Cadim.

Fora às férias presidenciais, os dias transcorrem calmamente, no cotidiano dos afazeres domésticos e da pesca. Como não podem mais plantar alimentos para subsistência, os pescadores aproveitam a ida para Itacuruçá, onde vendem peixe e compram mantimentos. Apenas três crianças das que moram nas redondezas da Praia do Sítio enfrentam a caminhada até a Praia do Cadim para estudar na escola primária. Neste lugar costumam acontecer eventos comunitários, como festas juninas. Nos dias de santos importantes, como São Pedro, padroeiro dos pescadores, a procissão é no mar, numa romaria de barcos que parte da Marambaia e percorre as ilhas vizinhas. Um ritual que não é compartilhado pelos freqüentadores da Igreja Evangélica que foi inaugurada na Marambaia.

Casas simples _ A casa de D. Sebastiana fica incrustada na mata. Trata-se de uma construção simples, de tijolos crus, com uma varanda amontoada de objetos, e portas e janelas fechadas na ausência da dona. Devido à idade, D. Sebastiana passou a ter necessidade de acompanhamento médico, que não existe na ilha. Por isso as saídas da Marambaia para tratar-se na cidade, onde moram seus filhos, se tornaram mais constantes. “Quando melhorar eu volto, fico lá, durmo sozinha, sou acostumada a ficar lá”.

Os argumentos da Advocacia- Geral da União não reconhecem o direito de terra do nativo. Nas palavras do representante judicial da União, Mauro Chaves Reis, “a Sra. Sebastiana, por mera liberalidade do Centro de Administração da Ilha da Marambaia, reside em imóvel público”. O advogado ainda acrescenta que “durante uma das inspeções realizadas pelo Centro de Administração da Marinha, foi constatado que o imóvel não está sendo ocupado pela Sra. Sebastiana, encontrando o mesmo em estado de abandono”. Esta seria a justificativa para o pedido de ressarcimento por “danos ao patrimônio público”.

A advogada de D. Sebastiana, Fernanda Maria da Costa Vieira, sai em sua defesa. “O simples fato da D.Sebastiana se ausentar por motivos de saúde não justifica o argumento de abandono”. Ela também vê outros “furos” nas argumentações do advogado. “Para se propor reintegração de posse é preciso ter a posse. Quem vem exercendo a posse naquela área são as famílias que lá residem antes mesmo da Marinha chegar. A alegação de que D. Sebastiana não conservou o imóvel gerando prejuízos para o patrimônio público também não prospera, porque basta dar uma olhada na casa para perceber que é uma morada humilde, e não depredada”.

Recesso _ O recesso de julho trouxe boas notícias para a D. Sebastiana. A advogada de defesa conseguiu, no início desta semana, que o pedido de reintegração de posse fosse suspenso. “A decisão temporária foi da desembargadora Maria Helena Cisne, que está respondendo pelo presidente do tribunal. Ao saber da idade de D. Sebastiana e do seu estado de saúde, ela achou mais cauteloso suspender a reintegração”. Finalmente livre para voltar para a Ilha da Marambaia, D. Sebastiana não pode comemorar completamente. Quando o recesso acabar, no início de agosto, a guerra contra a Marinha continua.

Uma comunidade ameaçada na Marambaia

Ministério Público denuncia a Marinha por querer expulsar na ilha 90 famílias de descendentes de escravos

por Antônio Werneck

FONTE: O GLOBO
DATA: 17/03/2001

O barraco de bambu e barro não tem luz, mas todas as noites uma mistura de cores ilumina a curiosidade do pescador Valmir Firmo Mariano, de 56 anos. O feixe de luz sai de uma minúscula televisão que só funciona por estar ligada a uma bateria de Fusca. È a única forma que o pescador, sua mulher, Paulina, e o filho David, de 10 anos, encontram para fugir da escuridão. As imagens não são perfeitas e ás vezes não passam de borrado na tela miúda, mas Valmir – que nasceu e foi criado na Ilha Marambaia – não quer trocar de vida:

– O que acontece lá fora não me interessa muito. Minha vida é o mar, a pesca. Televisão é só para iluminar o barraco – diz ele.

Valmir e outras 90 famílias têm outras preocupações atualmente. Estão com a “sobrevivência sob grave risco!, como afirmaram procuradores do Ministério Público Federal do Rio em denúncia encaminhado ao juiz federal de Angra dos Reis contra a Marinha, que quer expulsar os moradores da Ilha de Marambaia, no município do Mangaratiba.

Ilha é freqüentada por Fernando Henrique

Paraíso ecológico que passou a ser conhecido ao vira o balneário oficial freqüentado pelo presidente Fernando Henrique Cardoso, a ilha – localizada a uma hora de Itacuruça (do Centro do Rio até lá são 80 quilômetros de carro), a duas horas de Angra do Reis e a três da Barra de Guaratiba – é ocupada por negros como Valmir, descendentes de escravos.

– Minha avó foi trazida no laço da África para ser escravizada aqui na Marambaia – afirma o pescador.

Alegando tratar-se de área militar a Marinha te recorrido à Justiça em ações de despejo contra os moradores. Também passou a restringir a vida dos pescadores, que já não podem pescar em determinadas áreas, construir casas ou simplesmente reforma-las sem autorização. Nem mesmo uma tradição dos moradores, de manter seus terrenos cultivos de subsistência, tem sido permitida.

– Meus avós e meus pais viveram aqui. Eu criei meus filhos e agora os netos. Para eu vou se sair daqui? E quem pesca, o que vai fazer quando sair? Morar numa favela do Rio? – pergunta Eugênia Barcelos, de 63 anos.

MP quer identificação de descendentes de escravos

A denúncia do Ministério Público do Rio está sendo feita numa ação civil pública assinada pelos procuradores Daniel Sarmento e Mônica Campos de Ré. Além de pedir à Justiça que ações de despejos da Marinha cessem imediatamente, os dois procuradores querem que a Fundação Cultural dos Palmares – que “não vem agindo com a devida presteza, agravando a situação dramática vivenciada pelos presumíveis quilombolas” – inicie imediatamente a identificação dos descendentes de escravos. Os procuradores querem ainda que a fundação, um órgão federal, faça a delimitação, a demarcação, a titulação e o registro imobiliário das terras ocupadas pela comunidade negra da Ilha de Marambaia.

Os procuradores também querem o retorno às suas antigas casas dos moradores integrantes da comunidade negra que foram despejados por medidas judiciais. Além disso, exigem que a Marinha tolere “que os moradores da comunidade em questão mantenham o seu tradicional estilo de vida, não cercando seu direito de cultivar roças nas áreas ocupadas, reformar ou ampliar suas casas ou ainda construir, no interior das suas terras, novas casas para seus descendentes”.

Os primeiro habitantes da Ilha de Marambaia forma escravos trazidos da África em navios negreiros. No século XIX, os negros que sobreviviam às viagens em condições subumanas eram levados para a ilha para se recuperarem e depois serem vendidos (alguns, no entanto, eram forçados a trabalhar nas fazendas locais). As terras e os escravos eram de propriedade do comendador Joaquim José de Souza Breves. Seugendo um estudo do antropólogo Fábio Reis Mota, da Universidade Federal Fluminense (UFF), os negros só passaram a ocupar as terras após a morte de Breves, em 1889. Em parte devido ao abandono da ilha por seus parentes, que viviam em dificuldades financeiras.

Algumas moradores contam que ouviram dos avós que, em um de suas últimas viagens à ilha, o comendador Breves teria doado verbalmente cada uma das praias aos seus antigos escravos. Segundo o estudo do antropólogo da UFF, a ilha se enquadra, de forma absolutamente coerente, na caracterização sociológica das chamadas terras de preto: “domínios doados, entregues ou adquiridos, com ou sem formação jurídica, por famílias de escravos”.

Antropólogo: famílias são remanescentes de quilombo

O antropólogo José Maurício Andion Arruti, que coordena o Projeto Egbé – Territórios Negros, para estudar comunidades remanescentes de quilombos nos estados do Rio e Espírito Santo, também garante que as famílias que vivem na Ilha de Marambaia são remanescente de quilombo.

– A Fundação Palmares, no me entender, não tem estado presente na forma devida; e a Marinha faz um jogo muito duro, simplesmente classificando a comunidade como invasora – disse antropólogo.

Para o coordenador do projeto Egbé, a Marinha tem usado como instrumento para desalojar as famílias trâmites judiciais que os moradores desconhecem.

– A Marinha tem agido como grileiro como qualquer proprietário de terra. A Marinha é União e a União reconhece (pela Constituição de 1988) o direito dos descendentes de integrantes de quilombo à propriedade da terra – disse Arruti.

Marinha assumiu administração em 1971

A Marinha assumiu a administração da ilha em 1971. Atualmente, mantém uma base dos fuzileiros navais no local. Em 1939, foi inaugurada na ilha uma tradicional escola de pesca: a Darci Vargas. A escola foi fechada quando a ilha passou para as mãos da Marinha.

– A nossa situação passou a mudar a partir da administração da Marinha. Alguns moradores tiveram suas casas derrubadas; outros foram proibidos de ocupa-las; e agora há boatos de que todos serão retirados – lembrou o pescador João Paulo de Lima, de 37 anos, casado com Carmem e pai de um filho excepcional.

Os relatos sobre o movimentado comércio de escravos estão por todos os lados. Como atesta Felipe José dos Santos, de 71 anos:

– Meu ano era capitão do mato. Caçava escravos fugidos – disse Felipe.

Uma ilha cercada de 15 praias paradisíacas

por Antônio Werneck

FONTE: O GLOBO
DATA: 17/03/2001

Habitantes vivem da pesca

Eugênia Barcelos, quatro filhos e quatro netos, nasceu na Praia do Sítio, onde está vivendo boa parte dos moradores descendentes de escravos. Ali onde criou seus filhos, também morava, seus pais e os avós.

– A gente, quanto ficava cansado de morar numa casa, mudava para outra, mas nunca saímos da Praia do Sítio – lembrou Eugênia.

Todos na ilha vivem da pesca. A comunidade negra ocupou a Praia do Sítio, também conhecia como a Praia dos Pretos. O lugar fica a cerca de 500 metros da base dos fuzileiros navais, na Praia Suja, onde o presidente Fernando Henrique costuma ficar hospedado.

– Queremos que a Marinha providencie melhoras na ilha. Não temos luz e sequer um telefone. Os que a Telemar instalou aqui estão quebrados há três meses – lembrou Paulina Santana, de 65 anos, mulher do pescador Valmir Firmo.

Para chegar à Ilha da Marambaia, o visitante tem que seguir de carro até Iracuruçá, conseguir uma autorização da Marinha e pegar uma barca usada pelos moradores.

A ilha tem 15 praias com águas cristalinas e ótimas para mergulhar. Uma brincadeira que David da Silva Mattos, de 10 anos, filho de criação do pescador Valmir Firmo, não dispensa:

– Quando eu tinha 8 anos já nadava tudo isso aí – lembra o menino

Ocupação irregular de terreno da União na Ilha da Marambaia

Capitão-de-Mar-e-Guerra
Diretor

FONTE: Antonio Carlos Fonteles Juaçaba
DATA: 03/04/2002

Com o propósito de informar corretamente aos cidadãos brasileiros, especialmente, aos militares e servidores civis da Marinha do Brasil a respeito desse assunto que, ultimamente, vem sendo abordado na mídia, participo o seguinte:

A origem da questão pode ser atribuída ao fato de, algumas das 89 famílias habitantes da Ilha da Marambaia, estarem infringindo os termos de autorização de uso, que haviam firmado com a Marinha do Brasil (MB). Assim, a MB se viu obrigada a ingressar em juízo visando à reintegração de posse, de modo a defender os legítimos interesses da União.

O descumprimento desse termo de autorização tem-se pautado por irregularidades, tais como: edificação de novas construções, uso com finalidade comercial de imóveis residenciais, sublocações, abandono das residências por motivo de mudança para o continente etc.

O desenrolar dos processos já mostra que decisões têm sido proferidas favoravelmente à União/MB, inclusive em 2ª instância, conforme Acórdão transitado em julgado no TRF/2ª Região.

Noutra ponta da questão, parecer emitido pela Fundação Cultural Palmares alinha que a comunidade residente na ilha constitui um grupo étnico similar ao de uma comunidade remanescente de quilombo. Sobre este aspecto, o Procurador Regional da República, Luis Cláudio Pereira Leivas, da Procuradoria Regional da República/2ª Região, após analisá-lo, recomendou o arquivamento do processo pertinente, visto constituir-se em tentativa de ” favorecer esbulhadores, favelizando área de bem público, prejudicando atividades inerentes à defesa nacional e danificando o meio-ambiente”, tendo em conta o aumento populacional que insinua.

O intuito da Fundação Cultural Palmares, em qualificar a comunidade da Ilha da Marambaia como remanescente de quilombo, prende-se à tentativa de enquadrá-la, numa generalização indevida, ao descrito no art. 68 do Ato das Disposições Constitucionais Transitórias (ADCT) da CF/88, qual seja: aos descendentes das comunidades dos quilombos que estejam ocupando suas terras é reconhecida a propriedade definitiva, devendo o Estado emitir-lhes os títulos respectivos.

O ponto conflitante encontra-se em definir apropriadamente, e com correção, o que seja “remanescentes de quilombo”. Sem dúvida, a conceituação pautada na historiografia, isto é: “casa ou lugar no mato onde se refugiam os escravos fugidos” parece ser a definição apropriada. Caracterizações fundadas em argumentações antropológicas ou sociológicas não detêm o consenso, não sendo, portanto, uma definição legal.

O fato é que em nenhum momento existiram quilombos na Marambaia, uma vez que a Ilha da Marambaia pertencia ao Comendador Joaquim José de Souza Breves, o Barão do Café, que mantinha, no local, a maior fazenda e entreposto para o tráfico de negros africanos, chegando a abrigar 6.000 escravos que, após um período de quarentena, eram enviados às fazendas cafeeiras do Estado do Rio de Janeiro.
Importante destacar que a conformação da ilha, em função de sua reduzida dimensão e pela presença de elevações de pequeno porte, constitui, ainda hoje, um verdadeiro “beco sem saída”. Logo, seria impossível que escravos fugidos nela estabelecessem um acampamento fortificado, ou seja, um quilombo, pois seriam facilmente capturados.

Em 1889, após a abolição da escravatura, com o falecimento do Comendador, a fazenda, abandonada e longe da civilização, entrou em decadência, iniciando-se, assim, a cadeia sucessória da posse dessas terras.

Em 1905, aquele território foi integrado ao patrimônio da União, atendendo à solicitação formulada pelo Ministério da Marinha para a instalação de uma Escola de Aprendizes-Marinheiros, que lá funcionou até 1910.
Em 1931, sob orientação da Marinha, a Confederação dos Pescadores do Brasil fundou a colônia Z 23, mais tarde Escola Técnica “Darcy Vargas” (Escola de Pesca), a qual foi desativada em 1971. No local permaneceram somente alguns funcionários da extinta Escola, os quais constituíram o núcleo da atual comunidade que habita a ilha, juntamente com supostos descendentes dos empregados da antiga fazenda São Joaquim, que teriam permanecido na área mesmo após a transferência da posse da Ilha da Marambaia para a União.
A partir de 1971, foi instalado na ilha o Centro de Adestramento da Ilha da Marambaia (CADIM), unidade do Corpo de Fuzileiros Navais que contribui para o aprestamento de Forças Navais e de Fuzileiros Navais, por meio da formação de marinheiros-recrutas e do apoio aos adestramento nela desenvolvidos.

Atualmente, a ilha serve de base para a realização de exercícios de operações anfíbias, constituindo-se, praticamente, na única opção possível na região do Estado do Rio de Janeiro para a condução de adestramento dessa natureza e de tiro com munição real.

O Ministério Público Federal/RJ (MPF/RJ) ajuizou uma Ação Civil Pública (ACP) em face da União Federal/MB e da Fundação Cultural Palmares, argumentando que a população negra da ilha é constituída por “remanescentes das comunidades dos quilombos”, visando à concessão dos direitos constitucionais decorrentes. No tocante à MB, o MPF/RJ levanta na ACP a preocupação de que a sobrevivência da comunidade étnica está em grave risco, em razão das medidas que têm sido executadas pela Marinha no sentido de retirar seus integrantes das terras que ocupam na ilha. No que tange a Fundação Cultural Palmares, o MPF/RJ argüi a falta da devida presteza em reconhecer e emitir o título definitivo de propriedade, referente às terras ocupadas por remanescentes de quilombos.

A MB tem adotado medidas que visam a impedir a derrubada aleatória de vegetação que cause danos ao meio ambiente, bem como a construção de novas residências ou a ampliação das mesmas, mantendo o acordo nos termos de autorização de uso, a fim de resguardar o patrimônio público.

Sob o aspecto ambiental, vale ressaltar que o Decreto nº 9.802/87, do Governo do Estado do Rio de Janeiro, cria a Área de Proteção Ambiental (APA) de Mangaratiba, nela incluindo áreas da Ilha de Marambaia acima da cota de 100m. Registre-se que nenhuma das edificações residenciais encontra-se situada a mais de 40m. Em uma ação conjunta, a Marinha e o Departamento de Botânica da UFRural/RJ desenvolvem diversas pesquisas para a obtenção de conhecimento a ser utilizado na busca de soluções para um convívio harmonioso entre o homem e a natureza.

Deve-se registrar que o CADIM vem propiciando à comunidade da ilha, gratuitamente, atendimento médico-odontológico e transporte para o continente, além do fornecimento de cestas básicas e peças de vestuário, como parte das ações cívico-sociais da Marinha.

À vista do exposto, é leviana a afirmação de desrespeito, por parte da Marinha do Brasil, aos direitos de cidadania dos residentes da Ilha da Marambaia.

Câmara e Marinha selam acordo

FONTE: O GRITO
DATA: 20/05/2002

Na quarta-feira, 12 de junho, reuniram-se representantes da Marinha (Comando da Ilha da Maramabia) – Vice-Almirante Tosta, Capitão de Corveta Guilherme; Capitão de Corveta Guilherme; Capitão de mar Guerra Djair, e Capitão de mar e Guerra Newton; e a mesa diretora da Câmara Municipal de Mangaratiba – Presidente Gilmar Abrahão da Silva (Kabeça); vice-presidente Waldir Domingos da Costa Leste (Dico); e José Carlos de Medeiros. A Reunião realizou-se na Praia de Muriqui, no quiosque do vereador Kabeça, onde foi servida uma peixada de alto nível, numa descontração entre autoridades que trataram de tema de tão alta relevância: a segurança e permanência dos pescadores da Ilha da Marambaia.

Nos encontros anteriores, pelo interesse das partes em dar uma solução justa e digna ao problema, já se poderia prever esse desfecho feliz.

Depois das conversas e da peixada, todos numa Van da Marinha, percorreram a Praia de Muriqui, observando as belezas da orla.

A reportagem do jornal O Grito, presente ao evento, fez questão de ouvir a palavra do vereador Kabeça que pode, então, dar melhores esclarecimentos, na ocasião selando o acordo, definitivo, com as duas partes satisfeitas, Câmara e Marinha.

O Grito – Vereador, os pescadores já poderão ficar tranqüilos e em segurança?

Kabeça – Finalmente o acordo foi selado entre a Câmara Municipal de Mangaratiba e a Marinha: os pescadores vão permanecer na Ilha da Marambaia e a Marinha; os pescadores vão permanecer na Ilha da Marambaia. Inclusive os pescadores que têm ações na justiça. Essas ações forma paradas.

O Grito – Este almoço foi realizado com a finalidade de selar o acordo de convivência dos pescadores com a Marinha na Marambaia?

Kabeça – Exatamente. È também uma maneira de estreitar os laços de amizade entre a Câmara e o Comando da Marambaia. Aqui, numa conversa elevada e descontraída, tratou-se dos problemas dos pescadores que estavam inseguros em suas casas, devido a boatos desencontrados. Tratamos dos seus problemas, em alto nível, com o maior interesse social para que a harmonia, entre as partes interessadas reinasse na Marambaia.

Os pescadores, agora já poderão dormir tranqüilos por ninguém irá mexer com eles.

O Grito – Quando esta luta teve início?

Kabeça – Tudo começou em 1998, com reclamações dos pescadores que temiam ser expulsos da Marambaia, pela Marinha. De lá para cá, tivemos vários encontros: na Ilha da Marambaia, em Mangaratiba; na Ilha das Cobras, no Rio; e finalmente este que finalmente selou o bom acordo para as duas partes.

Marambaia/RJ
Ação Civil Pública

FONTE: Informativo Territórios Negros. n. 3
DATA: 2002

Em 14/02/2002, o Ministério Público Federal encaminhou à Justiça uma Ação Civil Pública contra a União, com quatro pontos a serem contemplados: o retorno dos moradores já expulsos da ilha; a garantia de não terem as casas destruídas ou danificadas; a permissão de continuar plantando nas áreas que ocupam e a realização de melhorias nas casas. Em resposta a esta ação, em 30 de abril, a juíza Lucy Costa atendeu apenas a dois desses pontos, mas negou o direito de retorno dos moradores já expulsos da ilha e a realização reformas em suas casas. A Justiça aguarda um posicionamento da Fundação Cultural Palmares para uma decisão final. A FCP encaminhou um documento afirmando a importância da liminar ser atendida na íntegra, para evitar a expulsão de outros moradores da Marambaia, enquanto não produz o Laudo Antropológico sobre o grupo. Apesar disso, os moradores continuam sofrendo pressão por parte da Marinha. Na última semana, uma moradora saiu pela manhã para levar seu filho à escola e, ao retornar, sua casa tinha sido lacrada pela Marinha. A moradora retirou o lacre e voltou a ocupar a casa. Ao saber dessa atitude a Marinha marcou uma reunião com os moradores para lhes dar uma falsa informação de que o parecer da juíza, ao proibir o retorno dos moradores expulsos, garantia novas expulsões. O Ministério Público Federal se comprometeu a tomar providências.

Um território – Ilha da Marambaia

FONTE: Informativo Territórios Negros. n. 4
DATA: 2003

Ilha da Marambaia fica localizada no litoral de Mangaratiba (RJ), em uma área considerada de segurança nacional e controlada por militares. Só se chega a ela por meio de barco da Marinha, com autorização prévia. Ao desembarcar nos deparamos com as casas de alvenaria, todas brancas, que se espalham pela extensão da chamada praia do CADIM (Centro de Adestramento da Marinha) onde, desde 1971, residem militares e outros funcionários federais. A leste, em direção à restinga, e a oeste, em direção à ponta da Marambaia, encontramos um cenário diferente. Antigas casas de alvenaria e estuque abrigam uma população de cerca de noventa famílias que descendem, direta ou indiretamente (por meio dos casamentos) de escravos. O “Breves” – senhor do café e do tráfico de escravos no Rio de Janeiro do século XIX, mantinha ali seus escravos para “engorda” antes de serem vendidos para outras fazendas.

Os atuais moradores lembram que, pouco antes de morrer, o “Breves” teria deixado toda ilha para os ex-escravos que ainda permaneciam nela. A cada família ele teria atribuído uma praia, mas essa doação foi “só de boca”, como contam. Apesar da família Breves não ter cumprido o compromisso assumido pelo antigo proprietário de transferir a propriedade da Ilha, as famílias negras permaneceram ali em posse pacífica até 1939. Nesse ano, a Escola de Pesca Darci Vargas instalou-se na Marambaia, inaugurando um período de grande prosperidade: “aqui no tempo da Escola tinha de tudo, tinha fábrica de gelo, fábrica para sardinha, a gente tinha escola que profissionalizava a gente”, nos conta um senhor de 80 anos.

Tudo mudou quando, em 1971, a escola foi fechada e a ilha entregue ao Ministério da Marinha. A partir dessa data, os moradores da Marambaia começam a viver sob o impacto de uma nova dinâmica social, repleta de restrições que os proíbem de manter roças, construir casas para os filhos recém-casados ou mesmo reformar ou ampliar as já existentes. Finalmente, a partir de 1998, a Marinha entra com diversas ações judiciais de Reintegração de Posse, alegando que os pescadores são invasores de suas terras. Sem apoio jurídico e na sua maior parte não alfabetizados, aqueles que vão sendo citados nesses processos são progressivamente expulsos. Essa foi uma estratégia criada pelo CADIM para que o seu objetivo fosse alcançado sem os custos judiciais e políticos de ter que expulsar toda a comunidade de uma só vez.

A Diocese de Itaguaí, por meio da Pastoral Rural, montou um primeiro dossiê sobre a situação daquelas famílias em 1998 e o enviou para várias autoridades. Entre elas, o presidente da República, que usa a ilha como balneário oficial em feriados prolongados. Nessa época, o assunto ganhou algum destaque na imprensa e uma advogada da Fundação Cultural Palmares tentou conhecer a situação pessoalmente, sem sucesso. Rapidamente, no entanto, o assunto voltou ao silêncio e o processo de expulsão dos moradores foi retomado. Em agosto passado, foi a vez da Dona Sebastiana, de 84 anos, ser expulsa por ter reformado sua casa. Analfabeta, ela tinha tido a autorização “de boca” de um militar administrador da área para a reforma, mas que depois foi desmentida, resultando na ação de despejo. Os senhores mudam, mas seus métodos permanecem semelhantes.

Ilha da Marambaia:
Luta contra o preconceito e pela terra

Fonte: Informativo Justiça Ambiental. n.2
Data: 11/2003

A Ilha da Marambaia está localizada no litoral sul fluminense, servindo de porta de entrada para a Baía de Sepetiba. Possui belíssimas praias, com águas cristalinas, sendo a maior delas a praia da Restinga da Marambaia, com mais de 40 quilômetros de extensão. A fauna e a flora, com grande diversidade de espécies, completam a beleza do lugar.

Para entendermos o cotidiano da população marambaiense, é necessário que viajemos um pouco no passado em busca de respostas. Nossa história começa em fevereiro de 1856, quando o comendador Breves fez constar no Livro de Registro de Terra da Paróquia de Itacuruçá, a seguinte declaração:
“Declaro que sou proprietário da Ilha da Marambaia, cujos terrenos são cultivados, compreendendo os limites da restinga e o mangue de Guaratiba até a divisa do canal. Também são acessórias à mesma ilha as três pequenas ilhas fronteiras, denominadas Saracura, Bernardo e Papagaio”. Ele mantinha duas fazendas na ilha – uma delas era destinada à engorda de escravos e escravas recém-chegados da África, para recuperar suas condições físicas e, em seguida, distribuí-los nas fazendas.

No ano seguinte à Abolição da Escravatura, o comendador morreu e os nossos pais, mães, avós e avôs contam que, numa de suas últimas visitas ao local, ele reuniu os(as) ex-escravos(as), tendo sensibilidade de verbalmente, transferir a posse das praias para eles(as), designando um líder para cada praia. Até hoje, existem sinais desse fato e, dentro dessa lógica, foram respeitados os espaços destinados à agricultura familiar.

Com a Abolição da Escravatura, os problemas que já existiam nas fazendas se agravaram. Não existia mais o poder de coerção que submetia a população escrava aos trabalhos forçados. Com isso, o ciclo do café, que tinha feito a fortuna dos fazendeiros imigrou para São Paulo, aos cuidados de novos imigrantes europeus e européias. Sem alternativas, a esposa do comendador vende Marambaia à Companhia Promotora de Indústrias e Melhoramentos. Naquele momento, começa um longo período de frustrações para o povo morador da ilha. Nenhum projeto consegue vencer as dificuldades e se estabelecer ali de forma duradoura.

Situação Atual

A relação da comunidade com a Marinha vem se estabelecendo de forma conflituosa. Quando a Marinha retornou suas atividades na ilha, a população acha,,a que, no mínimo, seriam mantidos os ganhos obtidos até então, com a Fundação Abrigo do Cristo Redentor. A proposta da Marinha, no entanto, era bem diferente, estava predeterminada a esvaziar totalmente a ilha em um período máximo de 20 anos. Quando perceberam que essa meta não seria atingida, começaram a agir de forma arbitrária contra a população.

Somos um grupo de pessoas excluídas de seus direitos, somos desprovidas de alguns serviços essenciais como: transporte – está diretamente ligado aos interesses da Marinha (não podemos
assumir um compromisso com base no horário da lancha, pois ela só sai de acordo com a necessidade dos militares); energia elétrica – não existe em nossas casas, só há energia elétrica no quartel os(as) professores(as) da escola pública da ilha não conseguem cumprir a carga horária legal em virtude de problemas com o transporte, entre outros; faltam médicos(as) e dentistas; os nossos familiares só podem nos visitar em número de quatro por vez (determinação da Marinha que limita o número de visitantes na ilha); os(as) jovens que concluem a oitava série param de estudar.

Essa é a nossa situação por causa da Marinha. Esperamos que, em futuro próximo, possamos ser ouvidas e respeitadas como parte integrante da e discutir todas as questões que nos envolvem. A intervenção do Ministério Público está sendo fundamental na resolução desse conflito e nos fez
entender que, acima de qualquer coisa, existe a lei e, com base nessa lei, devemos lutar pelos nossos direitos. Assim, fomos nos fortalecendo e criamos a associação de moradores(as). A certeza
de que estávamos bem respaldadas nos permitiu comparecer sem medo ao Seminário Memorial da Marambaia na Procuradoria do Rio de Janeiro.

Hoje, estamos vivenciando uma nova fase, orientada pelos resultados da ação movida contra a União. A determinação da juíza indica que, até a conclusão do processo jurídico que se encontra em
andamento, a Marinha não poderá:

a. adotar qualquer medida no sentido da desocupação de quaisquer casas ocupadas por famílias integrantes da comunidade negra da ilha;

d. destruir ou danificar nenhuma das construções habitadas pela população já referida;

c. impedir o retorno das pessoas da comunidade que foram expulsas, em razão das medidas adotadas pela União Federal;

d. impedir que a população mantenha seu estilo tradicional de vida, plantando roças nas áreas que ocupa, bem como fazendo eventuais obras, reparos e reformas nas suas residências.

Com exceção do item c, todos os outros não foram aceitos pela juíza.

Sabemos que estamos vivendo um período de trégua, mas não há nada que houve um aprendizado muito grande e isso tem nos ajudado a prosseguir lutando, em busca de nossos direitos.

Nós nos envolvemos com vários órgãos e com muitas pessoas, algumas bem-intencionadas, outras nem tanto. Atualmente, nós nos relacionamos com outras comunidades de quilombos, participamos de seminários, discutimos sobre os nossos direitos e estamos, aos poucos, resgatando a nossa auto-estima perdida.

Marinha não permite a realização de trabalho sobre Direitos Humanos na Ilha da Marambaia

Fonte: KOINONIA
Data: 09/05/2005

No dia 04 de maio de 2005, a equipe do Balcão de Direitos de KOINONIA recebeu resposta ao ofício que solicitava a sua entrada na Ilha da Marambaia para a promoção de oficinas de capacitação no tema dos Direitos Humanos e cidadania, assim como para dar início ao trabalho de documentação básica de seus moradores (carteira de identidade, CPF, título de eleitor etc.). O comunicado da Marinha argumentava que: “em virtude da existência de numerosos órgãos e instituições buscando acesso à Ilha da Marambaia, o assunto encontra-se na esfera do Ministério da Defesa ao qual deverá ser dirigida a solicitação em apreço”.

Essa não é a primeira vez em que a Marinha vê problemas no fato de que pessoas ou instituições queiram se aproximar da comunidade para oferecer algum tipo de serviço ou apoio, aliás, o próprio processo de demarcação das terras quilombolas vem sendo impedido.

O Balcão de Direitos é um projeto promovido em parceria pela Secretaria Especial de Direitos Humanos (Sedh) e pela ONG KOINONIA e tem como objetivo prestar atendimento jurídico gratuito a três comunidades quilombolas do Estado do Rio de Janeiro: Preto Forro, Alto da Serra e Ilha da Marambaia.

Cartas dos Moradores

 

Carta de um morador (não assinada)

Ilha de Marambaia, 16 de março, de 1998.

FONTE: Arquivo KOINONIA
DATA: 16/03/1998

O que nos traz aqui é o um problema que está afligindo a nossa pequena comunidade estamos perdendo o direito de permanência. Cito como exemplo meus pais ele com 75 / ela 70 anos, não sendo nós os únicos prejudicados a outras na mesma situação.

Que aguardamos uma solução que por direito nos pertence, pós somos filhos agora mães e pais que vivem a mesma apreensão, pois do fruto do mar é a nossa sobrevivência, Senhor Presidente não lhe comove o choro daquela mãe desesperada falando dos seus problemas, de sua casa demolida sem piedade.

Pergunta-lhe? É possível pessoa como nós sem condições laçadores da nossa fonte de alimentação vivemos assim.

Seremos capazes de vivermos em outro mundo que não seja o nosso?

Com o pouco estudo que nós temos será possível conquistarmos um futuro descente em outro lugar?

Até nossos filhos só podem cursar até a 4º série.

É assim mesmo no ano de 99 serão privados disto também.

Senhor é todo aquele que tem poder.

Então senhor Presidente use o seu poder pelo bem de alguém filhos de Deus que lhes imploram por piedade.

Nós somos felizes aqui!
Isto não basta.

Daqui só saem meus ossos

FONTE: Zona Oeste
DATA: 2/08/1998

Sou nascido e criado na Ilha. Querem nos tirar, mas daqui só saem meus ossos. Gosto demais de viver aqui. Os mais antigos são tratados como parentes. A véia Camila morreu com 135 anos. Antigamente tinha de tudo na ilha. Isso era cheio de gente. Quando chegava um barco era uma festa. Tinha fábrica de farinha de peixe, de sardinha e de gelo. Tinha carpintaria, armarinho e farmácia. Até manteiga era fabricada aqui. Tinha criação de bois, búfalos, porcos, perus e galinhas. E agora, cadê?.

No carnaval, o barracão de tecelagem era cedido para trazer os artistas. Na Ilha tinha até cinema. No hospital, quando não dava para tratar o doente, ele ficava no abrigo e depois era levado o continente. Hoje, se passar mal e não tiver canoa, morre aqui. Tenho 12 filhos vivos, a metade mora aqui. O restante casou e teve que sair da ilha. Não dava pra ficar todo mundo igual a sardinha em lata”.

O nativo Adelino Juvenal Machado, 76, trabalhou 35 anos como cozinheiro na Escola de Pesca da Ilha. Também foi notificado a derrubar sua casa.

Adelino Juvenal Machado

Carta do morador Gilberto

FONTE: Arquivo KOINONIA
DATA: 04/09/2003

O que nos trás aqui é um problema que está e continua afligindo o povo desta pequena comunidade eles estão perdendo o direito a permanência nesta Ilha onde nasceram e cresceram.

Eu Gilberto em pouco conhecedor dos problemas que os moradores vem enfrentando com as ações movidas contra esse povo humilde e caçadores de suas fontes de alimentação tive a honra de conhecer vários moradores desta Ilha inclusive a senhora Zenilda Soares Felicíssimo hoje 67 anos filha de João Cecílio Soares e Iracema Feliciano Soares ambos nascidos em Marambaia ele em 1911 e ela 1912 os dois últimos já falecidos, e querem tirar o direito da senhora Zenilda a permanecer nesta Ilha.

E justo depois de 65 anos ser expulsa como se fosse uma invasora.

Não sendo só nós os prejudicados a outros moradores que se encontra na mesma situação, estão querendo nos expulsa desta Ilha através de ações movida contra nós motivos desta Ilha que nos processos somos chamados de invasores diz um morador que pediu para não revelar a sua identidade.

Eles são apenas em povo sofrido que vivem da pesca e do cultivo este ultimo já foram proibido de fazer. Aqui eles são escravos quando a escravidão já é passado. Eles não tem o direito de plantar, reformar suas casas e até tem o direito de ser eles mesmo.

Eles só querem o direito legal a ter suas casas como todo cidadão e pai de família deseja sempre e quando quiser reformar e até construir quando seus filhos casam e constrói em família, direitos que eles não tem, quando seus filhos se casam são obrigados a morar com seus pais ou deixar para trás toda sua história e suas origens que vão ficando em extinção será que as autoridades competente não tem sentimentos ou elas pensam que este povo não o tem. Será que as autoridades acham que não fere o orgulho e a história desse povo.

Porque rico e famosos tem o direito de comprar Ilhas, construir grandes fortalezas, casas de veraneio até pousadas e hotéis explorando estas terras que dizem ser terra da marinha eles não coíbe esse tipo de comércio porque não há interesse político em cobrir esse povo são grande e poderosos, mas aquele povo da Marambaia são humilhado e expulsos através de processos sem direito a nada.
Sei que através desta carta que estou enviando a redação deste jornal alguma autoridade competente ou até o nosso Presidente Luiz Inácio Lula da Silva se sensibilize e reconheça o direito a terra desses Marambaiese Remanescente de Quilombola.

Gilberto

Processo de Regularização da Ilha

 

Meu reino por quilombo

por Maurício Barros de Castro

FONTE: www.no.com.br
DATA: 02/01/2001

A presença da Marinha nas terras da Ilha da Marambaia, no Rio de Janeiro, está sendo posta em cheque. O Ministério Público Federal enviou na quarta-feira, dia 25, um ofício à Fundação Palmares solicitando um laudo antropológico sobre a população que vive nesta reserva. Cerca de cem famílias de pescadores vivem na paradisíaca ilha, a uma hora e meia do Rio, vivem uma tensa relação com a Marinha, que desde os anos 70 usa o local para treinamento. Cinco destas famílias estão se defendendo na Justiça de processos de reintegração de posse movidos pela Marinha. No dia 17 de julho, contou a história de dona Sebastiana Henriqueta de Lima, que aos 83 anos pode ter de deixar a casa onde viveu toda a vida. A Marinha considera que a velha casa de alvenaria construída por dona Sebastiana é patrimônio da União.

Semana passada, dona Sebastiana e os outros quatro moradores processados podem ganhar novas esperanças com a ação do Ministério Público. A iniciativa do MP se baseia no artigo número 68 da Constituição, que prevê que comunidades remanescentes de quilombos têm direito às terra que habitam. “Há indícios de que houve quilombo naquela região, por isso estamos provocando o órgão federal a elaborar um laudo antropológico”, diz o procurador regional dos direitos do cidadão, Daniel Sarmiento. Se a Fundação Palmares, que é o braço do governo federal para atuação nos remanescentes de quilombos, confirmar a suposição do procurador e de historiadores, a Marinha vai perder qualquer fiapo de justificativa para sua ações. Segundo a Constituição, a terra que os descendentes dos quilombolas ocupam deve ser reconhecida como “a propriedade definitiva, devendo o Estado emitir-lhes os títulos respectivos”.

Antes mesmo da reportagem a procuradoria já tinha tomado conhecimento dos conflitos na Marambaia através de um relatório da ong KOINONIA, que assessora comunidades negras rurais. Trata-se de um trabalho de pesquisa com relatos dos moradores da ilha que remetem ao tempo da escravidão. Parece certo que os moradores da Marambaia são descendentes diretos de escravos parece certo. A tradição oral do povoado conta que eles teriam se estabelecido ali no tempo em que a Ilha era propriedade do Comendador Breves, um grande negociante de negros.

As memórias atraíram até a atenção de pesquisadores como o antropólogo Roberto Kant de Lima, coordenador do Núcleo Fluminense de Pesquisa (Nufep), da Universidade Federal Fluminense. Acostumado a trabalhar com comunidades de pescadores no litoral brasileiro, ele descobriu a Marambaia através de um aluno, que começou a estudar um grupo de pescadores na Ilha,. “Depois ficamos sabendo que ali residiam descendentes de escravos”.

Figura conhecida na Marambaia, o antropólogo lamenta as normas que a Marinha impõe aos moradores. “Há certas regras que limitam a reprodução social dessas pessoas lá. Eles não podem construir novas casas, elas têm que permanecer sempre do mesmo tamanho. Embora se entenda que ali é uma área estratégica, sabe-se também que já havia uma população vivendo ali desde o século passado, e essa população tem os seus direitos”, avalia.

Exilada na casa da filha na Pavuna, onde foi morar para fugir dos oficiais de justiça, Dona Sebastiana pode demorar a ter paz na sua casinha na Marambaia. Edir Freitas de Paula, que trabalha na equipe técnica da Coordenação Nacional de Comunidades Remanescentes de Quilombo, setor da Fundação Palmares, explica que o processo é demorado. Em 1999, a instituição já tinha recebido um pedido de laudo sobre a Ilha, feito pelo padre Milton da Silva Fonteli, da Arquidiocese de Itaguaí. Mas o cronograma estabelecido pela Comissão Nacional de Articulação de Comunidades colocou o caso da Marambaia no fim de uma longa fila. “Existem cerca de duzentas comunidades na frente dela”, conta Edir de Freitas. A técnica ainda explica que não há como prever uma data para que o trabalho de elaboração do laudo seja concluído.

Ainda assim pesquisadores da Fundação Palmares já estiveram na Ilha para elaborar um relatório de atividades.Embora já tenha identificado e reconhecido 743 comunidades remanescentes de quilombos, a instituição titulou apenas uma no estado do Rio de Janeiro, a de Campo de Santana, no Município de Quati. Aos moradores da Marambaia resta uma longa espera e uma intensa batalha judicial.

Incra-rj inicia trabalhos para assentar 146 famílias
na Ilha de Marambaia

FONTE: Incra
DATA: 05/11/2004

A Superintendência Regional do Incra, no Rio, iniciou hoje, 4, na Ilha de Marambaia, um trabalho de medição topográfica e avaliação do Projeto Quilombolas no local.

Segundo o gestor do projeto, Celso Souza Silva, a meta é de assentar 146 famílias quilombolas numa área estimada em 400 hectares.

O Incra já tem em mãos laudos e processo da Fundação Cultural Palmares para o desenvolvimento e consecução do projeto.

Crime ambiental e erro histórico

FONTE: O GLOBO
DATA: 25/02/2005

Um dos patrimônios ambientais do Estado do Rio de Janeiro é a Restinga da Marambaia, preservada graças à presença das Forças Armadas. O primeiro grande trecho é controlado pelo Exército, uma faixa intermediária pela Aeronáutica e a parte final pela Marinha. Esta última é um complexo de praias, ilhas e montes que constituem uma das poucas pérolas preservadas de nosso litoral. Lá, a Marinha mantém um de seus centros de adestramento e consegue manter o equilíbrio entre suas atividades de treinamento de pessoal – em especial fuzileiros navais – a preservação da área – ambiental e historicamente – e o apoio à população local remanescente. Esta área de marinha é chamada Ilha da Marambaia.
No século XIX, um dos maiores negociantes de escravos usou a Ilha da Marambaia para recepção de negros vindos da África, recuperação física dos mesmos, cinicamente conhecida na época como engorda, e revenda. Ainda se pode ver ali uma senzala remanescente com suas paredes de pedra preservadas, hoje adaptada para ser um hotel oficial de trânsito. Décadas mais tarde, o presidente Getúlio Vargas transformou a área num equipamento social onde jovens em situação de exclusão social aprendiam técnicas de pesca. Construiu os prédios para as aulas, os dormitórios para os alunos, uma igreja e casas para a direção, sendo que uma delas era ocupada por ele mesmo, o que até hoje mexe com a imaginação da população.

Este conjunto foi abandonado progressivamente, as terras foram parcialmente invadidas, começando assim um processo de deterioração. A partir de 1970, a Marinha assumiu a área por cessão patrimonial da União, iniciando um trabalho de preservação, recuperação e adaptação das instalações, que passaram a abrigar o centro especial de treinamento. A tradição dos presidentes da República visitarem o local e conhecerem este patrimônio natural, além de sua história, foi mantida. Anos depois, esta área foi declarada Área de Preservação Ambiental (APA). Por outro lado, esta ocupação auxilia a patrulha do mar e evita a aproximação de navios que poderiam descarregar contrabando e drogas.

Surpreendentemente, no Diário Oficial da União de 21 de novembro de 2003, o presidente da República publicou o decreto 4.887, de 20 de novembro de 2003, no qual define as condições da Ilha da Marambaia – enquanto sede de quilombos – e estabelece direitos sobre o solo. Certamente assessorado por visões gráficas equivocadas e distantes da realidade, o decreto supõe que na área teriam existido quilombos e que, com isso, os descendentes dos quilombolas hoje teriam direitos sobre o solo. Em primeiro lugar, é um erro supor que teriam existido quilombos numa área como aquela, com as características comerciais citadas, e onde a impossível mobilidade e a arriscada proximidade certamente impediriam que as fugas produzissem quilombos.

O que nos diz o decreto é algo no mínimo ingênuo. Garante aos descendentes dos hipotéticos quilombolas o controle do solo. E, como identificá-los não seria tarefa simples, afirma no caput do artigo 2º e em seu parágrafo 1º que esta identificação será feita por “auto-atribuição”, ou seja: quem se disser descendente dos hipotéticos quilombos terá imediatamente direito à terra que teria pertencido a seus ancestrais. Nenhuma análise maior se exige além da autodeclaração. É evidente que o método utilizado abre espaço para um sem-número de alegações e para o parcelamento completo da Ilha da Marambaia.
Imaginava-se que após este decreto viria algum tipo de regulamentação que prevenisse os inevitáveis excessos. Mas o artigo 13 do decreto 4.887/2003, em seu caput e parágrafo 2º, atribui ao Incra a tarefa de considerar desapropriadas as áreas que pertenceriam aos descendentes autodeclarados dos quilombolas.

O mais espantoso disso tudo é que o Incra já está na Ilha da Marambaia fazendo a demarcação e se preparando para a desapropriação liminar da área de controle da Marinha. As primeiras observações indicam que, quando muito, restará à Marinha 15% da área. A APA existente se transformará inicialmente em área residencial precária de economia informal, vinculada à pesca artesanal. E, depois… a experiência de áreas próximas é suficiente para sinalizar o que ocorrerá.

É fato que existem no STF argüições de inconstitucionalidade do decreto 4.887/2003. Mas um erro grave como esse, cometido pela assessoria do presidente da República, deveria ser evitado por ato do próprio presidente, cancelando o decreto. Assim como outros presidentes, o presidente Lula poderia visitar o local, passar um fim de semana lá, ver e ouvir, conhecer e avaliar, e por fim evitar que em seu passivo fique um ato de tamanha predação contra o patrimônio histórico e natural do Estado do Rio de Janeiro. Tenho certeza de que uma visita de S. Excia. será suficiente para impedir um erro cujas conseqüências são irremediáveis.

CESAR MAIA é prefeito do Rio.

Marinha proíbe Incra de entrar em reserva no Rio

FONTE: Redação Terra
DATA: 26/02/2005

Técnicos do Instituto Nacional da Reforma Agrária (Incra) estão proibidos pela Marinha de visitar a Ilha da Marambaia, que faz parte da reserva ecológica da Restinga, no Rio de Janeiro.

Segundo informações do jornal O Globo, os técnicos estão proibidos de visitar a área desde o carnaval, e as visitas são a etapa final no trabalho de concessão de terras a famílias de descendentes de escravos que ocupam terras na região desde o século XIX.

O prefeito César Maia (PFL) diz temer a degradação da ilha, uma reserva de vegetação de restinga no litoral do Estado que é Área de Proteção Ambiental. Ele diz que o presidente Luiz Inácio Lula da Silva deveria revogar o decreto que estabelece direitos sobre a terra do local.

A procuradora Fabiana Rodrigues diz que, na verdade, não há razão para discussão, já que tanto os moradores quanto a Marinha estão de acordo sobre a necessidade de preservação do local. Além disso, os descendentes de escravos, cujo direito às terras ficou garantido depois de uma ação de 2002 que provou que a área foi habitada por quilombolas, já ocupam a região há mais de cem anos.

O Incra reitera que seu trabalho apenas legalizaria a situação das famílias que já estão estabelecidas no local. Como a regularização fundiária se dá através de uma titularidade coletiva, os descendentes de escravos também não poderão vender os terrenos ou casas.

Proibição de acesso de técnicos do órgão
impede demarcação das terras ocupadas
por descendentes de escravos

FONTE: O GLOBO
DATA: 26/02/2005

Estão suspensas pela Marinha, desde o carnaval, as visitas de técnicos do Incra à Ilha da Marambaia, que faz parte da Restinga, para a demarcação das terras dos descendentes dos quilombolas. Esta é a etapa que falta para concluir o trabalho de concessão de titularidade coletiva da terra às famílias de descendentes de escravos, que desde o século XIX ocupam terras na região. Segundo o gestor do Programa de Igualdade, Gênero e Etnia do Incra, Celso Souza Silva, o comandante do centro de adestramento da Marinha disse ter recebido ordens superiores para não permitir a entrada dos técnicos.

Em artigo publicado ontem no GLOBO, o prefeito Cesar Maia afirma temer a degradação ambiental da ilha, a partir da demarcação do solo. A Marambaia é um paraíso ecológico, Área de Proteção Ambiental (APA) e uma das últimas reservas de vegetação de restinga do litoral fluminense. Segundo o prefeito, o presidente Luiz Inácio Lula da Silva deveria cancelar o decreto 4.887, que estabelece direitos sobre o solo, sob o risco de ver a destruição do patrimônio histórico e natural do Rio.

– A demarcação abrange integralmente a APA e vai propiciar uma ocupação desordenada provocada pela alegação de uma descendência auto-atribuída e numa área em que a existência de quilombo é mera hipótese não comprovada. – disse o prefeito.

De acordo com a procuradora Fabiana Rodrigues, graças a uma ação civil pública que data de 2002, foi comprovado que a área foi habitada por quilombolas, o que garante aos descendentes dos escravos o direito à terra. Por se tratar de uma titularidade coletiva, seus ocupantes não poderão vender os terrenos ou casas.

– A Constituição manda entregar o terreno aos descendentes. Não há riscos de degradação ambiental, pois a área demarcada já está ocupada há mais de cem anos. Além do mais, há um consenso entre moradores e a Marinha pela preservação do local. Não há polêmica, mas sim uma manifestação política para impedir a posse da área – disse a procuradora Fabiana Rodrigues.

Segundo a tesoureira da Associação de Moradores da Marambaia, Joeci Eugênia, atualmente moram na ilha 115 famílias. Outras 42 famílias, que atualmente moram fora, também terão direito a um terreno.

– Era gente que teve de sair porque não tinha mais como morar numa casa só com outras sete famílias. Todos os moradores vivem da pesca artesanal e preservam o local – disse Joeci, que desde que casou há dez anos vive na casa do tio do marido.

Ministra diz que artigo contém incorreções

O Incra garantiu que somente as famílias remanescentes de escravos terão direito à regularização fundiária. Através de sua assessoria, a ministra Matilde Ribeiro, da Secretaria Especial de Promoção e Igualdade Racial, disse que o artigo de Cesar Maia contém uma série de pontos obscuros e incorreções. Segundo ela, o governo federal se manifestará sobre o assunto, em breve.

OPINIÃO > Vale tudo
CONDIZENTE COM os tempos que vivemos, em nome da justiça social pode-se degradar um área de proteção ambiental na Restinga da Marambaia. E por decreto presidencial.

REGIÃO DE desembarque de escravos, a Marambaia teria abrigado um quilombo (onde se escondiam negros foragidos). O decreto distribui terras para descendentes dos quilombolas, a título de indenização histórica.

ANTES DE se questionar a possibilidade da existência de um quilombo tão próximo da senzala, a questão é discutir a justificativa para se abrir as portas da Restinga à favelização.

COMO EM nome do social tudo parece possível, cabe alertar que há registro de quilombos no Leblon.

Incra barrado na Marambaia

Técnicos esperam aval da Marinha para demarcar ilha

FONTE: Jornal do Brasil
DATA: 26/02/2005

Os moradores da Vila de Marambaia, que tentam regularizar a posse de suas casas na Justiça, aguardam um consenso entre o Incra e a Marinha a respeito do cumprimento do decreto presidencial 4.887, de 20 de novembro de 2003. O decreto regulamenta a demarcação e titulação das terras ocupadas por remanescentes do quilombo da Vila de Marambaia, e determina que o Incra faça a demarcação. Mas os funcionários do Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária estão impedidos de entrar na ilha – a área fica sob o controle da Marinha, que suspendeu a autorização dada aos funcionários do órgão.

Celso Souza Silva, gestor do Programa de Promoção de Igualdade, Gênero, Raça e Etnia do Incra no Rio, informa que o mapeamento da área foi iniciado em 19 de novembro, mas que o trabalho está suspenso desde 3 de fevereiro, quando a Marinha impediu o embarque da equipe para a ilha alegando que a autorização foi suspensa.

– Sem a autorização, não temos como chegar à ilha, porque o barco é da Marinha – explica Celso.

De acordo com o gestor, a superintendência regional do Incra prepara um relatório para encaminhar à sede do instituto em Brasília, ao mesmo tempo em que aguarda nova autorização para retomar o trabalho.

O prefeito Cesar Maia, que esteve na ilha na semana passada, defende que o decreto seja cancelado, pelo fato de a ilha ser uma Área de Proteção Ambiental (APA).

– A ocupação desordenada e a saída da Marinha na ilha podem ter desdobramentos graves. Tenho certeza de que, se for lá, o presidente Lula vai entender que os termos do decreto que assinou são inadequados – afirma Cesar.

Dionato de Lima Eugênio, 63 anos, presidente da Associação de Moradores da Vila de Marambaia, contesta:

– Não queremos que a Marinha deixe a ilha, temos uma boa convivência. Só queremos o que é nosso por direito, nossas casas, nossa vila. Não somos invasores. Estamos aqui desde a época das nossas bisavós.

Segundo Dionato, que nasceu e sempre viveu na ilha, moram na vila 534 pessoas, a maioria descendente de escravos – a vila teve origem com africanos que eram submetidos a regime de engorda na ilha, antes de serem vendidos.

Até o fechamento desta edição, o Serviço de Relações Públicas da Marinha não havia respondido ao JB.

Carta-resposta para César Maia

FONTE: ARQIMAR (texto publicado no Observatório Quilombola)
DATA: 01/03/2005

Carta-resposta dos quilombolas da Ilha da Marambaia ao artigo de César Maia, prefeito da cidade do Rio de Janeiro, publicado no jornal O Globo no dia 25 de fevereiro de 2005

Prefeito César Maia, nós, os remanescentes de quilombo da Ilha da Marambaia, localizada no município de Mangaratiba, gostaríamos de expressar aqui nesta carta a nossa triste surpresa quando lemos na sexta-feira passada seu artigo a respeito desta Ilha e de nós, moradores.

Prefeito César Maia, não tivemos contato nenhum com o senhor durante sua visita à Ilha. Pelo contrário, fomos impedidos de conhecê-lo pelo comando da Marinha enquanto a barca, único transporte autorizado a atracar na Ilha, transportava o senhor. O Senhor provavelmente não percebeu que muitos de nós estávamos dentro da barca porque fomos obrigados pelos militares a permanecer no porão durante mais de duas horas, até que o senhor embarcasse em Itacuruçá e desembarcasse na Ilha. Senhor prefeito, este momento da sua visita à Ilha nos fez lembrar mais uma vez quem somos e de onde viemos: somos descendentes diretos dos escravos que vieram nos porões dos barcos do grande traficante e fazendeiro Breves aqui para a Ilha da Marambaia. Somos quilombolas, porque resistimos àquelas violências e continuaremos resistindo às atuais.

Prefeito César Maia, acreditamos que foi a falta d de contato conosco e com nossa realidade que levou aos enganos do seu artigo. Para que estes enganos não se repitam e se multipliquem, principalmente para que eles não se tornem uma covarde mentira, que repetida muitas vezes se transforma em realidade aos olhos de quem não nos conhece, lhe oferecemos aqui algumas informações sobre a ilha e sobre nós.

Prefeito César Maia, a Ilha da Marambaia, como o senhor mesmo chama a atenção, é um importante patrimônio ambiental do Estado do Rio de Janeiro. Porém, não são nossas famílias, que moram há mais de 150 anos na Ilha, que degradam o meio ambiente. Se fosse assim, a Ilha não existiria mais. Não fomos nós que criamos os vários lixões a céu aberto que existem hoje na ilha, sem nenhum tipo de tratamento; não somos nós que realizamos treinamentos de artilharia com munição real, durante as noites, violando a paz de nossos lares, assustando nossas crianças e afastando pássaros e animais; não somos nós que explodimos bombas no fundo da baía da ilha, berçário de peixes e camarões; não somos nós que realizamos disparos de canhões do alto mar contra as pedras da ilha, afastando várias espécies marinhas e colocando em risco os barcos de nossos pescadores.

Mas, prefeito César Maia, não é apenas a natureza que sofre com a ocupação da Ilha da Marambaia pela Marinha. Nós, moradores da Ilha, também sofremos com todas as proibições que a administração militar nos impõe e que violam nossos direitos básicos. A energia elétrica nos é negada, impedindo que possamos desenvolver nossa produção. Nossa correspondência é constantemente violada. Nosso direito de ir e vir é limitado porque estamos submetidos ao transporte militar para a ilha, que não leva em conta nossas necessidades e tem seus horários alterados constantemente, sem aviso. Por isso, no caso de urgências, temos que levar nossos doentes em pequenas e demoradas canoas até o continente. Por isso, nossos filhos não podem assistir regularmente às aulas, já que os horários da barca não são compatíveis com o horário escolar. Nosso direito à moradia é violado porque não nos permitem reformar nossas antigas casas, algumas ainda de pau-a-pique, nem construir novas para nossos filhos que crescem e se casam. Já houve caso em que a construção de um banheiro levou à expulsão de uma família da ilha. Essas proibições são uma tática para nos fazer desistir de nosso direito à terra e nos expulsar aos poucos da Ilha, como já aconteceu com muitos de nossos parentes.

Prefeito César Maia, nós, os moradores da Ilha, tiramos nosso sustento da pesca artesanal, a que menos agride o meio ambiente. Agressores são os barcos industriais, que invadem as águas próximas da Baía de Mangaratiba sem nenhum controle, e que com suas redes de arrasto arrasam nossos peixes e com suas pás extraem criminosamente nossos mexilhões.
Nós, prefeito, comunidade quilombola da Ilha da Marambaia, não somos uma hipótese. Somos, sim, as testemunhas de nossa própria remanescência.

Mangaratiba, 28 de fevereiro de 2005.

ARQIMAR – Associação de Remanescentes de Quilombo da Ilha da Marambaia
Fundada em 2003

Esse Cesar…

FONTE: Tribuna da Imprensa
DATA: 02/03/2005

A comunidade da Ilha de Marambaia não gostou nada do artigo do prefeito Cesar Maia, no qual questionou o direito dos moradores de receber titulação das terras.
Por isso, a Associação de Remanescentes de Quilombo da Ilha da Marambaia esclarece que o direito às terras foi conquistado por estar enquadrada no Artigo 68 dos Atos das Disposições Constitucionais Transitórias, da Constituição. Que prevê a titulação das terras aos remanescentes dos quilombos.

Comunidade quilombola contesta artigo de César Maia

por Bruno Weiss

FONTE: Manchete Socioambiental
DATA:03/03/2005

A titulação e homologação da ilha de Marambaia, no litoral sul fluminense, como sede de Quilombo pelo governo federal, foi alvo de um ataque do prefeito do Rio de Janeiro, César Maia (PFL). Por meio de artigo publicado no jornal O Globo, no último dia 25 de fevereiro, Maia questiona a ascendência dos moradores da ilha e defende que o território permaneça sob controle da Marinha. Nesta segunda-feira 28, a Associação de Remanescentes de Quilombo da Ilha da Marambaia (ARQIMAR) divulgou uma carta rebatendo os argumentos expostos pelo prefeito carioca.

A ilha de Marambaia é considerada Área de Preservação Ambiental (APA) e é habitada por mais de 120 famílias. Esta comunidade espera pelo cumprimento do Decreto nº 4.887, publicado em 21 de novembro de 2003 no Diário Oficial, que regulamenta o procedimento para identificação, reconhecimento, delimitação, demarcação e titulação das terras ocupadas por remanescentes das comunidades dos quilombos.

No final de julho do ano passado, o Partido da Frente Liberal (PFL) apresentou uma Ação Direta de Inconstitucionalidade (ADIN) ao Supremo Tribunal Federal (STF) pedindo a anulação do Decreto e de seu efeitos legais. Em outubro, o Instituto Socioambiental e outras entidades da sociedade civil entraram com um pedido de participação no julgamento da ADIN, para defender o Decreto, na qualidade de “amicus curiae” (amigos da causa).
Saiba mais.

A ilha de Marambaia foi utilizada até meados do século XIX como ponto de chegada de escravos africanos, que permaneciam lá sob regime de engorda antes de serem negociados. Existe ainda hoje uma senzala na ilha. Com a publicação do Decreto, o trabalho de demarcação ficou à cargo do Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (Incra).
Desde o começo de fevereiro, porém, os técnicos do Incra estão impedidos de acessar a ilha pela Marinha, responsável desde os anos 70 pelo controle e uso da ilha. Na carta divulgada esta semana, a Arqimar relata as pressões promovidas por membros da Marinha no sentido de expulsar as famílias da ilha, como a proibição de melhorias nas habitações da comunidade e o cerceamento do transporte ao continente.

Em seu artigo, intitulado “Crime ambiental e erro histórico”, Cesar Maia questiona a ascendência da comunidade ao dizer que “é um erro supor que teriam existido quilombos numa área como aquela, com as características comerciais citadas, e onde a impossível mobilidade e a arriscada proximidade certamente impediriam que as fugas produzissem quilombos”.

Um relatório técnico-científico realizado por pesquisadores da Universidade Federal Fluminense (UFF) e coordenado pelo antropólogo José Maurício Arruti, formado pelo Museu Nacional do Rio de Janeiro, contudo, levanta uma série de evidências genealógicas e históricas que demonstra a relação direta e indireta de parentesco entre os ilhéus da Marambaia com os antigos escravos.

Comunidade Negra da Ilha da Marambaia:
Erros Conceituais como Instrumentos de Exclusão

Texto de Célia Ravera, Presidente do ITERJ, sobre os erros contidos no artigo do César Maia

FONTE: E-mail de Maria Betânia (Procuradoria da República no Estado do Rio de Janeiro)
DATA: 03/03/2005

Em artigo assinado por César Maia, Prefeito do Rio, sob o título” Crime Ambiental é erro histórico”, publicado pelo Jornal O GLOBO, em sua edição de 25 de fevereiro deste ano, questiona-se o direito ao reconhecimento de domínio à população negra residente na ilha da Marambaia no litoral de Mangaratiba em uma área considerada de segurança nacional e controlada por militares. Como registra o artigo, era neste local que o “Breves” – senhor do café e do tráfico de escravos no Rio de Janeiro do século XIX, mantInha seus escravos para “engorda” antes de serem vendidos para outras fazendas.

O Prefeito questiona o Decreto Federal 4.887 de 20 de novembro de 2003, que define as condições dos territórios para serem caracterizados como áreas quilombolas, contestando, deste modo, o direito sobre o território das comunidades negras que residem em Marambaia há mais de 100 anos.

A primeira objeção a este Decreto refere-se ao auto reconhecimento por parte da comunidade de sua condição de quilombolas, qualificando como ingênuo esta atribuição porque “… quem se disser descendentes de hipotéticos quilombos terá imediatamente direito às terras que teriam pertencido aos seus ancestrais”.

Sem entrar em considerações sobre o direito ao auto reconhecimento, cabe registrar que o Prefeito ignora a existência de um Laudo antropológico sobre a comunidade de Marambaia, de cerca de 350 páginas, elaborado em parceria pelo Núcleo de Referência Agrária, Núcleo Fluminense de Estudos e Pesquisas, ambos da UFF e a ONG KOINONIA, com a colaboração do departamento de História da Universidade Federal Rural do Rio de Janeiro.

Segundo este laudo, os atuais moradores contam que, pouco antes de morrer, o “Breves” teria deixado toda a ilha para os ex-escravos que ainda permaneciam nela. Não existem documentos que comprovem esta doação, mais esta atitude do “Breves” encontra correspondência com uma prática documentada historicamente em todo o território fluminense do século XIX, em que os fazendeiros doavam terras a ex-escravos, pouco antes e depois da abolição da escravatura. Assim fez o irmão do Comendador, que sacramentou em seu inventário a doação das fazendas das famílias aos ancestrais dos atuais moradores da comunidade de Bracuhy, em Angra dos Reis, também em processo de reconhecimento como remanescentes de quilombos, e Santana em Quatis.

A pesquisa histórico-documental efetuada permite caracterizar a comunidade pela forma de apropriação coletiva da terra, pela homogeneidade de traços culturais e ideológicos, consolidados historicamente pela existência de dois blocos de parentesco, a estruturação sócio-política dos qrupos, que respondiam a um chefe por núcleo que a sua vez, reunidos em uma espécie de conselho, integrado pelos representantes dos grupos, deviam responder a autoridade de alguns comissários, que representavam os moradores das ilhas frente às autoridades do continente. O relatório antropológico também aponta evidências sobre como os ilhéus de Marambaia descendem, direta ou indiretamente, de famílias de escravos de duas fazendas da família Breves (e mesmo de fazendas anteriores a estas), tendo estabelecido uma posse plena e pacífica sobre a Ilha logo após a morte do Comendador Breves, em 1889, e do abandono da Ilha por parte de sua família.

Desta forma, a comunidade da ilha de Marambaia se enquadra na caracterização sociológica apresentada por Almeida (1989),* “terras de preto”: regime próprio de uso do território, autonomia econômica pela pesca artesanal, normas específicas instituídas e acatadas de maneira consensual pelos grupos familiares que compõem uma unidade social.
Para o espírito da legislação sobre quilombos também à “terra de pretos” é outorgado o direito à legitimação do território ocupado. Para o Senhor Prefeito, entretanto, a comunidade da Marambaia não teria direito ao reconhecimento da
legitimidade da ocupação do território que ocupa, porque a “arriscada proximidade impediriam que as fugas produzissem quilombos”.

Esta afirmação envolve outro notório equívoco, já que desconhece o direito de reconhecimento das comunidades que consolidaram durante várias gerações o “…esforço inaudito de auto-reconstrução no fluxo do seu processo de
desfazimento”, como observa o saudoso Darcy Ribeiro.

No triste período da política escravista os africanos foram impedidos de agruparem-se segundo suas etnias e grupos lingüísticos de origem, e dispersos por plantações, por engenhos e por minas, as famílias perderam a possibilidade de comunicar-se entre si. A forma solidária de vida social e produtiva protagonizada por estas comunidades negras, como os ocupantes da Ilha da Marambaia, participa historicamente do chamado de liberdade proclamado pelos quilombos: é uma luta de preservação cultural e dignificação do homem que ganha a grandeza de rebeldia legítima.

È preciso, também, registrar que a área que a comunidade reivindica resulta em uma proposta que contempla a permanência da Marinha na Ilha, havendo selecionado – e assim consta no Laudo Antropológico – o território vital à sua sobrevivência e segurança.
Voltando ao artigo do Prefeito César Maia: o crime ambiental a que se refere o título da matéria é premonição de que a legalização das terras quilombolas provocará o crescimento da ocupação desordenada com a conseqüente agressão ao meio ambiente, hoje protegido pela presença das Forças Armadas.

É fato que, como diz o Prefeito estamos considerando uma Área de Proteção Ambiental (APA) com complexo de praias, ilhas e montes de inusitada beleza, aos que se chega só por barco. O poder do Estado para coibir atividades que a lei condena e a situação geográfica do local – acesso exclusivo por via marítima – permite afirmar que é possível manter a preservação ambiental mediante termos de ajuste de condutas e normas específicas para regulamentar o acesso a área, sem comprometer a livre circulação dos moradores. Lembramos, neste sentido, a Ilha de Fernando de Noronha.

Estas reflexões as faço por julgá-las pertinentes ao propósito do Instituto Estadual
de Terras e Cartografia do Estado do Rio de Janeiro – ITERJ que incorpora em seu programa o reconhecimento de domínio das áreas tradicionalmente ocupadas pelos afro-descendentes como intervenção estratégica na preservação da identidade sócio-cultural dessas comunidades.

Preconceito

por Fábio Reis Mota(antropólogo)

FONTE: O GLOBO
DATA: 05/03/2005

O Brasil é o país dos contrastes. Temos nos últimos anos passado por formidáveis transformações. Ao mesmo tempo, assistimos quotidianamente a ações de desconsideração aos direitos fundamentais de determinadas camadas de nossa sociedade. Um caso notório é a recente polêmica envolvendo o reconhecimento da comunidade remanescente de quilombos da Ilha da Marambaia. O processo de reconhecimento da comunidade da Marambaia como quilombo se iniciou em 1999. Momento em que a população local vinha sendo impelida a sair de suas casas por conta de ações de reintegração de posse impetradas pela Marinha e a Advocacia Geral da União, com a alegação de tratar-se de “ocupações irregulares”.

A Comissão Pastoral da Terra elaborou um dossiê contendo material histórico a respeito da situação dos moradores da Ilha. No final de 1999, este dossiê foi enviado à Fundação Cultural Palmares, órgão federal, à época, responsável pela aplicação do artigo 68 dos Atos de Disposição Constitucional Transitórios da Constituição Federal, que reconhece a titularidade das terras aos remanescentes de quilombos.

O que os moradores da Ilha almejam é o acesso a sua terra para moradia e cultivo de pequenas roças e a possibilidade de pescarem com suas pequenas embarcações. Assim como previsto pelo decreto 4.887 /03 – o qual não se refere especificamente à Marambaia,mas ao processo de reconhecimento e titulação de quilombos em território brasileiro – em área de segurança nacional o uso do solo deve ser perfeitamente compatível com os interesses do Estado.

Ademais, a titulação, assim como previsto no decreto, é necessariamente coletiva, pró-indiviso e com cláusulas de inalienabilidade e impenhorabilidade, assegurando a preservação do patrimônio histórico, cultural e social da Ilha da Marambaia.

Sendo assim, não estamos tratando de ocupação irregular, nem de um conceito de quilombo frigorificado pela lei e pelo imaginário social, ou mesmo de um processo de favelização de um patrimônio ambiental (visão mítica que propriamente concebe a natureza como elemento intocado e contemplativo, ou seja lá o que isso venha caracterizar!), mas uma área de uma comunidade centenária que às custas de muita mobilização conseguiu ao menos uma mínima visibilidade e garantia de um direito constitucional em um espaço público informado por muitas visões e posições desinformadas, por vezes preconceituosas que,surpreendentemente, reproduzem uma velha forma de tratar os direitos de alguns em direito de não ter direito.

Tema em Discussão: Dívida Social

FONTE: O GLOBO
DATA: 05/03/2005

Limites

Um artigo do prefeito Cesar Maia publicado no GLOBO sobre o risco de ocupação de uma das regiões litorâneas mais preservadas da cidade, a Restinga da Marambaia, coloca em questão a validade de atos do poder público baseados em princípios como o de “justiça social” e “reparação histórica”.

Com a chegada ao poder do PT, e com ele de representantes de grupos sociais organizados, esses princípios passaram a justificar atos no mínimo polêmicos. É o caso das cotas raciais para privilegiar negros e pardos no acesso ao ensino superior, medida que revoga a base de qualquer sistema de ensino: a meritocracia.

No caso da Marambaia, trata-se da demarcação de terras, sob controle da Marinha, para serem distribuídas a descendentes de quilombolas – em nome da tal reparação histórica.

A região foi importante entreposto de escravos, e ali teria existido um quilombo, nome dado ao local onde se escondiam escravos foragidos. A polêmica é, em síntese, se vale a pena a sociedade pagar o preço do risco da ocupação desordenada – leia-se, favelização –
daquela área em troca dessa suposta reparação. O assunto merece reflexão.

“Dívida social” é um termo cunhado ainda no regime militar para designar o resultado da carência histórica de políticas públicas a favor da população carente.

Com a redemocratização chegou a hora do resgate dessa dívida. Que se tornou mais premente com o governo Lula.

Mas reconhecer as carências não pode significar desconhecer a necessidade de se avaliar, sob todos os ângulos, cada solução dada para o alegado pagamento dessa dívida.

Crime Ambiental e Erro Histórico

Nota sobre a campanha política contra a regularização das terras da comunidade da Ilha da Marambaia e o decreto 4887

por José Maurício Arruti – Coordenador do Observatório Quilombola

FONTE: Observatório Quilombola
DATA: 08/03/2005

A Ilha da Marambaia fica localizada no litoral de Mangaratiba (RJ), em uma área considerada de segurança nacional e controlada por militares. Só se chega a ela por meio de barco da Marinha, com autorização prévia.

Era na Ilha da Marambaia que o “Breves” – senhor do café e do tráfico de escravos no Rio de Janeiro do século XIX – mantinha seus escravos para “engorda” antes de serem vendidos para outras fazendas. Os moradores da ilha contam que, pouco antes de morrer, “Breves” teria deixado toda ilha para os ex-escravos que ainda permaneciam nela, sendo os atuais moradores descendentes diretos destes.

Mas como essa doação foi feita “só de boca”, a família Breves não cumpriu o compromisso assumido pelo antigo proprietário e vendeu as terras da ilha para a União (Companhia Promotora de Indústrias e Melhoramentos). Ainda assim, as famílias negras permaneceram ali em posse pacífica até 1939. Nesse ano, a Escola de Pesca Darcy Vargas instalou-se na ilha, inaugurando um período de grande prosperidade. A partir de 1971, porém, depois de fechada a escola, a ilha passou à administração militar da Marinha e a comunidade começou a viver um período de mudanças drásticas.

Segundo relatos dos moradores, a implantação dos serviços da Marinha na Ilha fez com que eles fossem proibidos de continuar cultivando suas roças de subsistência, de construir casas para os filhos ou mesmo de reformar ou ampliar as já existentes, e perdessem os serviços públicos antes oferecidos, sem nenhum tipo de compensação por tais perdas, além de serem submetidos a uma pressão psicológica constante, como uma forma de expulsão “branca”. A partir de 1998, esse método foi complementado pelas ações judiciais de Reintegração de Posse, que a Marinha move contra os moradores alegando que estes seriam invasores da área. Sem apoio jurídico e, na sua maior parte, não alfabetizados, os condenados foram sendo expulsos.

A Diocese de Itaguaí, por meio da Pastoral Rural, montou um primeiro dossiê sobre a situação daquelas famílias em 1998 e o enviou para várias autoridades. Uma advogada da Fundação Cultural Palmares tentou conhecer a situação pessoalmente, mas foi impedida de ter acesso ao grupo pela Marinha. Rapidamente o assunto voltou ao silêncio e o processo de expulsão dos moradores foi retomado.

Com base em informações técnicas fornecidas por pesquisadores que trabalhavam na Ilha da Marambaia, o Ministério Público Federal – MPF moveu uma Ação Civil Pública contra a Marinha de Guerra e a Fundação Cultural Palmares – FCP, exigindo da primeira a suspensão das ações (físicas e jurídicas) contra os moradores da ilha e da segunda, a realização dos estudos necessários à verificação da aplicabilidade do artigo constitucional 68 do Ato das Disposições Constitucionais Transitórias – ADCT à comunidade da Marambaia.

Em decorrência disso, a FCP nos encomendou a realização do laudo antropológico, que foi realizado por uma extensa e qualificada equipe de pesquisadores ligados a diferentes universidades. O laudo (um volume de cerca de 350 folhas, montado em parceria por KOINONIA, pelo Núcleo de Referência Agrária e pelo Núcleo Fluminense de Estudos e Pesquisas, ambos da UFF, e com a colaboração do Departamento de História da UFRRJ) foi entregue à Fundação Palmares em dezembro de 2003 e ao Ministério de Desenvolvimento Agrário, INCRA, SEPPIR e MPF (RJ e 6a. Câmara de Brasília) no início de 2004. O relatório produzido levantou claras evidências de que os ilhéus da Marambaia descendem, direta ou indiretamente, de famílias de escravos de duas fazendas da família Breves (e mesmo de fazendas anteriores a estas), tendo estabelecido uma posse plena e pacífica sobre a Ilha logo após a morte do Comendador Breves, em 1889, e do abandono da Ilha por parte de sua família.

Os processos da Marinha, que têm levado à expulsão dos moradores da área, coincidem justamente com o momento de maior popularidade do tema das “comunidades remanescentes de quilombos”, e se acirraram depois das primeiras iniciativas da Diocese de Itaguaí na defesa daquelas famílias, pautada em tal argumentação. De forma coerente, tais processos são cuidadosa e trabalhosamente fragmentados em processos individuais, distribuídos por diferentes varas, como forma de impedir que o caráter coletivo do conflito se manifeste. No entanto, uma leitura em conjunto dos processos aos quais pudemos ter acesso não deixa dúvidas sobre tratar-se de uma ação que incide sobre uma coletividade: o mesmo autor, o mesmo objeto e as mesmas argumentações, tendo por réus pessoas que vivem sob as mesmas condições, fazendo parte de um grupo social estreitamente tecido por relações de parentesco e de memória. Qualquer argumentação jurídica que se sustente em particularidades relativas a um ou outro caso em pauta tem por objetivo, em primeiro lugar, obscurecer a natureza coletiva do conflito instaurado pelas ações práticas e judiciais da Marinha.

Por isso, o artigo Crime ambiental e erro histórico (Jornal O Globo, 25.02. 2005), assinado pelo prefeito César Maia, causa estranheza e grande preocupação, uma vez que constitui uma peça repleta de confusões e omissões. Aproveitamos a oportunidade da publicação desse texto para alertar a população e os movimentos sociais sobre a campanha que tal peça jornalística articula, assim como para oferecer alguns esclarecimentos. A seguir procuraremos comentar cada um dos tópicos que o prefeito do Rio de Janeiro levanta contra a presença dos moradores na Ilha.

Degradação Ambiental

O primeiro argumento do prefeito para a manutenção exclusiva da Marinha na Ilha da Marambaia é o de que a ilha constitui uma importante área de preservação da diversidade biológica e do patrimônio histórico graças à presença das forças armadas, que teriam conseguido um equilíbrio entre treinos militares e preservação ambiental e patrimonial.
Como documenta uma matéria jornalística publicada no mesmo jornal, no dia seguinte à publicação do artigo do prefeito, sob o título “Rajadas e explosões num paraíso preservado” (O Globo, 26.02.2005, p.XX), os treinamentos militares são, na verdade, a maior ameaça ao patrimônio natural da Ilha.

Um efeito importante dos treinamentos militares são as constantes derrubadas de árvores e as queimadas na mata atlântica, para abrir passagens para os tanques de guerra ou em função dos combates simulados. Mas caberia acrescentar que tal ameaça paira não só sobre espécies exóticas, nativas da restinga, mas também sobre o patrimônio histórico e arqueológico, assim como sobre a população residente.

As ruínas das fazendas dos Breves existentes ali, incluindo uma capela do século XIX, que era freqüentada e preservada pelos ilhéus, foram destruídas nesses treinamentos. O mesmo tende a acontecer com as ruínas das senzalas. Uma delas, que a administração militar diz preservar, na realidade foi profundamente modificada, sem qualquer consulta ou autorização do IPHAN, para abrigar um hotel.

Os combates colocam em risco também, ainda que isso pareça menos relevante às autoridades, a vida dos pescadores e a integridade de suas casas. Além de acidentes envolvendo minas terrestres espalhadas pela ilha, há casos de casas atingidas por “balas (de canhão) perdidas” e são numerosos os relatos sobre quintais e roças destruídas pelas topas em treinamento.

Por tudo isso e buscando uma solução negociada, a comunidade definiu sua demanda territorial (por meio do laudo antropológico) reivindicando a posse sobre algo em torno de 40% da Ilha e não os 75% de que fala o prefeito. Sua reivindicação prevê, portanto, a manutenção da Marinha na Ilha, mas restrita às atuais instalações militares e aos trechos já altamente impactados por seus treinamentos. O que lhes importa é a garantia de autonomia sobre as áreas que sempre lhe foram de uso comum e que ainda têm condições ambientais de voltarem a ser. Não são os moradores que degradam e pretendem exclusividade.

Quilombos e auto-atribuição

Outro argumento do prefeito é o de que o decreto presidencial 4887, que desde novembro de 2003 regulamenta a aplicação do artigo 68 das ADCT da Constituição Federal, estaria sustentado em visões equivocadas e distantes da realidade, tanto por atribuir aquelas terras aos ilhéus da Marambaia quanto por privilegiar a auto-atribuição como critério de reconhecimento de indivíduos como remanescentes de quilombos.

Nesse ponto o prefeito confunde debates e manipula a desinformação do público mais amplo sobre o assunto. Ele usa um conceito equivocado de “remanescentes de quilombos”e sobrepõe os debates sobre a Marambaia e sobre o decreto presidencial como se fossem um só.

Os debates travados entre movimento social, parlamentares e acadêmicos desde 1992 chegaram a um consenso, ainda mal conhecido pelo público mais amplo, em torno da ressemantização do termo quilombos, no contexto do artigo constitucional. Se na historiografia o quilombo era a designação atribuída a um grupo de escravos fugidos e se na mitologia criada em torno do tema, isso remete a uma comunidade tipicamente africana, isso não se aplica ao conteúdo do artigo 68. Este artigo lança mão desta figura histórica e ideológica, por meio da expressão “remanescentes de quilombos”, para contemplar aquelas comunidades que, tendo ligaçôes históricas com a população africana escravisada no Brasil, se mantiveram realtivamente distintas dos outros setores da sociedade brasileira por perseverarem uma determinada organização social, sustentata no parentesco, na memória e na posse de um território comum.

Tais comunidades, portanto, não são apenas aquelas formadas por meio da fuga, mas também por meio de outros mecanismos, quase sempre variações da forma de apossamento de uma terra coletiva. Nelas o controle dos recursos básicos se dá através de normas específicas instituídas pelo grupo para além do código legal vigente, e acatadas pelos vários grupos familiares que compõem a unidade social.

É neste sentido – repito, acatado pelo movimento social, pela academia e por instâncias jurídicas como o Ministério Público Federal e a Advogacia Geral da União, além do próprio governo Federal – que a Ilha da Marambaia se enquadra, de forma absolutamente coerente, como está extensamente documentado no laudo antropológico que produzimos sobre o grupo, na caracterização sociológica acerca das chamadas “terras de preto”, que hoje sustenta a interpretação pacífica do conceito de remanescentes de quilombos.

Favelização

Outro argumento levantado pelo prefeito é o de que o reconhecimento do direito dos ilhéus da Marambaia às terras que ocupam há mais de 150 anos daria origem a um sem número de alegações de direitos que abriria espaço para o parcelamento das terras e a transformação da APA em “área residencial precária” e local de economia informal. Como os editoriais de O Globo traduziram, ao reproduzirem como seus tais argumentos, trata-se do alerta contra a “favelização” da ilha.

Neste ponto, além de disseminarem desinformação, tais opiniões revelam um dramático preconceito contra essa população. Está evidente que o medo de favelizar a ilha corresponde a uma decisão direta e indisfarçada de favelizar a sua população, ao expulsá-la das suas terras para qualquer outra “área residencial precária”. Mas o erro fundamental neste ponto, é o de sugerir que a regularização dessas terras daria origem a direitos comerciais sobre elas. Ao contrário, a regularização das terras de remanescentes de quilombos se dá por meio de um título coletivo e indiviso, sobre o qual apenas os atuais moradores e seus descendentes diritos plenos. A regularização como terra quilombola é a maior garantia que tais populações têm de as manterem fora de alcance da especulação imobiliária

Por fim, não parece acidental que o o prefeito tenha feito, como dizíamos, tal confusão entre os debates sobre a Marambaia e sobre o decreto presidencial, sobrepondo-os como se fossem um só. Quando ele aconselha o presidente a não esperar o pronunciamento do STJ sobre a Ação Direta de Inconstitucionalidade que o PFL moveu contra o decreto presidencial, providenciando ele mesmo a anulação do seu decreto, ele fala como homem de partido. Quando confunde esse tema com a questão específica da Marambaia, ele fala como pré-candidato à presidência da República em um movimento de aproximação das Forças Armadas. O patrimônio ambiental não é senão o último argumento, mesmo assim forjado com o custo da falsificação, que o seu discurso, ponto de convergência entre os seus interesses, os interesses da Marinha e do PFL, pode mobilizar contra direitos legítimos e amplamente reconhecidos daquela população.

Quilombos na lista de espera

FONTE: Jornal do Brasil
DATA: 28/03/2005

Órgão federal promete regularizar lotes da Ilha de Marambaia ainda este ano
A Ilha de Marambaia é prioridade na lista de regularização fundiária do Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (Incra), mas outras três comunidades de descendentes de quilombos também esperam a conclusão do processo de titularidade de posses. Ontem o Jornal do Brasil publicou reportagem sobre a ocupação de Marambaia, em que moradores descendentes de quilombos do século 19 vivem situação precária.

A procuradora geral da Fundação Cultural Palmares, Ana Maria Lima de Oliveira, informou que ainda esta semana será publicado no Diário Oficial da União o termo de cooperação técnica entre a FCP e o Incra, que agilizará o processo de demarcação dos 743 territórios quilombolas no Brasil. Ela explicou que a fundação ficará responsável pelas terras que já foram tituladas e o Incra por aquelas que ainda não foram.

– O Estado brasileiro tem o dever de devolver estas terras aos proprietários – atestou.
Na cidade de Quatis, no Sul fluminense, a comunidade de Santana, composta de 21 famílias, recebeu em 2000 o título de reconhecimento de domínio. Para registrá-lo, contudo, o cartório do município alegou dúvidas em relação aos documentos apresentados.
– É preciso checar se os títulos dos proprietários foram forjados ou se são legítimos, para que o pagamento das indenizações seja correto – diz Ana Maria.

As indenizações às quais Ana Maria se refere serão pagas às pessoas que compraram as terras dos descendentes de escravos. De acordo com ela, o Incra já tem a verba necessária para o procedimento.

A comunidade de Rasa, localizada na periferia do município de Armação de Búzios, teve sua delimitação territorial concluída em 1999. Segundo a ONG KOINONIA, o traçado não inclui todo o bairro da Rasa, mas apenas as famílias descendentes dos escravos que se encontram espalhadas pelo bairro.

No município de São Pedro d’Aldeia, no bairro Botafogo, fica a Fazenda Caveira, composta de 224 famílias. Os habitantes são descendentes dos escravos da antiga Fazenda Campos Novos, sesmaria do século 19. O reconhecimento e a delimitação foram feitos em 1999. Hoje a área demarcada sofre com as atividades ilegais de extração de areia.

– Todas as três comunidades estão à frente na lista por já terem iniciado o processo de regularização judicialmente. Mas os moradores ainda sofrem sem luz, sem saneamento, a maioria é analfabeta e não tem registro de nascimento – diz Ana Maria.

O impasse entre o Incra e a Marinha na Ilha de Marambaia já dura dois meses. Tempo suficiente para que o Incra terminasse o trabalho de delimitação das terras, não fosse a barreira dos militares. O trabalho de demarcação, interrompido quando faltava apenas uma semana para ser concluído, é fundamental para finalizar o processo de entrega da titularidade coletiva das terras à Arquimar (Associação da Comunidade Remanescente de Quilombos da Ilha da Marambaia). Desta forma, as famílias que moram amontoadas na mesma casa construiriam outras e as que foram expulsas pela Marinha – cerca de 40, que vivem hoje em Itacuruçá – poderiam voltar.

– A partir do laudo antropológico recebido, fizemos uma delimitação da área em que as pessoas da comunidade têm casas. O próximo passo seria levar este traçado à Marinha, para que fosse comprovado que o território não faria falta às Forças Armadas. O Incra tem todo interesse em finalizar o processo, já que é política do governo federal regularizar as terras dos quilombos – informou Celso Souza Silva, gestor do Programa de Igualdade, Gênero e Etnia do Incra.

Contexto Ambiental da Baía de Sepetiba

 

Dados Gerais
A poluição na Baía de Sepetiba

FONTE: http://www.geocities.com/wwweibull.
DATA: 2001

A Baia de Sepetiba, com área de aproximadamente 305 km2, encontra-se limitada à nordeste pela Serra do Mar, ao norte pela Serra de Madureira, a sudeste pelo Maciço da Pedra Branca e ao sul pela Restinga da Marambaia. E um corpo de águas salinas e salobras, comunicando-se com o oceano Atlântico por meio de duas passagens, na parte oeste, entre os cordões de ilhas que limitam com a ponta da Restinga e, na porção leste, pelo canal que deságua na Barra de Guaratiba, o que lhe confere uma configuração quase elíptica. O perímetro da baia é de aproximadamente 130 km.

A Baia, juntamente com suas áreas de mangue e zonas estuarinas constitui criadouro natural para as diversas espécies de moluscos, crustáceos e peixes existentes neste ambiente, sendo a atividade pesqueira importante suporte econômico e social para a região, que possui, ainda, indiscutível vocação natural de centro turístico.

A bacia hidrográfica contribuinte à Baia de Sepetiba tem duas origens: a vertente da serra do Mar e uma extensa área de baixada, recortada por inúmeros rios, composta de 22 sub-bacias. Recentemente, a estas, soma-se a transposição de parte das águas do rio Paraíba do Sul, desviadas na barragem de Santa Cecília para o o Ribeirão das Lajes, um dos formadores do rio Guandu e do canal de São Francisco.

O Porto de Sepetiba, em fase de ampliação, se prepara para receber navios de cabotagem de até 150.000 toneladas. Entre as obras de ampliação, estão vultosas obras de dragagem para o aprofundamento do canal de entrada na baía, que revolvem sedimentos e também os resíduos de metais já acumulados no fundo da baía ao longo de décadas de poluição sistemática.

A grande parte dos municípios, compreendidos na bacia da Baía de Sepetiba, não conta com serviços de coleta de resíduos sólidos. Atualmente, a bacia da Baia de Sepetiba possui uma população estimada de 1.295.000 habitantes, os quais geram uma produção de esgotos sanitários da ordem de 286.900 m3/dia. Observam-se os baixos índices de atendimento de coleta de lixo urbano e mais precária ainda, é a situação de disposição final desses resíduos, sendo comum o lançamento em lixões, que em grande parte estão localizados às margens dos rios e em encostas e próximos a aglomerações urbanas, resultando em uma grave degradação ambiental. O aumento desordenado da população, sem a correspondente ampliação da infra-estrutura de saneamento adequada, o grande volume de resíduos industriais e o uso, ainda que moderado, de agrotóxicos nas atividades agrícolas, representam fontes poluidoras para as águas da bacia. Pode-se considerar uma concentração populacional, localizada principalmente na área urbana, de cerca de 1,7 milhões de habitantes. Estes fatores resultam em sério comprometimento do solo e, maior ainda, dos corpos d’água.

A qualidade das águas da Baía de Sepetiba segue lentamente um caminho semelhante ao percorrido pela Baía de Guanabara.

Por comparação com os outros setores, o setor metalúrgico é o de maior relevância, tanto em função de quantidade produzida, quanto de importância na poluição das águas e sedimentos da Baía de Sepetiba, com o lançamento de efluentes líquidos e resíduos tóxicos sem o devido tratamento, constituídos de altas concentrações de metais pesados, principalmente o zinco e o cádmio. O cádmio, mesmo em concentrações baixas, além de ser altamente tóxico para determinadas espécies aquáticas, tem efeitos sobre o organismo humano, podendo se acumular lentamente em vários tecidos do corpo como os ossos, fígado, rins, pâncreas e tireóide. O zinco, também cumulativo, causa sérios problemas na fisiologia, principalmente dos peixes, tornando-os impróprios para o consumo. O homem ao se alimentar sistematicamente desses peixes contaminados, pode adquirir problemas de pele e mucosas.

Apesar da degradação lenta da qualidade das águas e dos sedimentos da Baía de Sepetiba durante os últimos 30 anos, seu corpo d’água ainda se constitui em um criadouro natural de várias espécies de relevante interesse comercial, a citar, o camarão e peixes como a tainha, parati, pescada, pescadinha, corvina, etc.

Os principais cursos d’água que recebem efluentes industriais são, rio Poços-Queimados, que drena áreas industriais do município de Queimados; Prata do Mendanha e Campinho, afluentes do Guandu-Mirim, que drenam as áreas industriais de Campo Grande, sendo que o primeiro também recebe as águas de lavagem da Estação de Tratamento de Águas Guandu; o Canal do Itá, que drena as áreas industriais da porção leste da R.A. de Santa Cruz e o Canal Santo Agostinho, que drena o Distrito Industrial de Santa Cruz.

Obras paradas no Porto de Sepetiba

FONTE: Jornal do Brasil
DATA: 17/06/2000

As obras no Porto Sepetiba deverão ficar paradas até o próximo mês. Um dos motivos da paralisação é uma denúncia da contaminação por metais pesados da Praia de Lopes Mendes, na Ilha Grande, fato confirmado pelo presidente da Feema.

Secretaria e Feema são denunciadas

FONTE: Jornal do Brasil
DATA: 10/06/2000

A Secretaria Estadual de Meio Ambiente do Rio de Janeiro e a Feema serão denunciadas por infringir a Lei de Crimes Ambientais. O presidente da Comissão de Meio Ambiente da Câmara dos Vereadores, Chico Aguiar (PSC), envia na próxima terça um dossiê aos Ministérios Públicos Estadual e Federal contra os responsáveis pelos órgãos. Eles são acusados pela autorização de despejo de material contaminado da dragagem do porto de Sepetiba, na Baía de Sepetiba.

Baía de Sepetiba está morrendo

FONTE: Jornal do Brasil
DATA: 06/06/2000

A Baía de Sepetiba estás sendo contaminada há anos por pó de ferro e outros metais pesados. O fato ficou evidente após duas crianças que brincavam na Praia Dona Luzia ter conseguido apanhar a areia preta que se espalha pela orla com um imã. Uma análise feita pela Uerj constatou também a presença de cádmio, zinco, cromo e mercúrio, que estão contaminando peixes e crustáceos.

Apuração de crime

FONTE: Jornal do Brasil
DATA: 07/06/2000

A Delegacia Móvel de Meio Ambiente vai instaurar inquérito para apurar o crime ambiental na Baía de Sepetiba. Para a delegada Adriana Belém Pires, entretanto, o crime já está constatado pela presença de pó de ferro e outros metais na água. Nos próximos dias, ela deve ouvir o coordenador do Grupo SOS Baía de Sepetiba e moradores do local para apurar mais evidências. (Jornal do Brasil, Cidade, 09/06/00, pág. 23, [4X17,5])

Luta para embargar obra

O presidente da Comissão de Meio Ambiente da Câmara de Vereadores, Chico Aguiar (PSC), vai pedir o embargo das obras de drenagem do Porto de Sepetiba. As sucessivas dragagens do canal de acesso ao porto contaminaram toda a baía com pó de ferro e outros metais. Aguiar enviará na sexta-feira um dossiê sobre a poluição da Baía de Sepetiba para o ministro do Meio Ambiente, José Sarney Filho, para o governador Antony Garotinho e para o Ministério Público.

Porto: Ibama e Feema não se entendem

FONTE: Jornal do Brasil
DATA: 01/07/2000

O Ibama contestou ontem a autorização da Fundação Estadual de Engenharia(Feema), que permite o bota-fora de resíduos tóxicos resultantes da dragagem do Porto de Sepitiba dentro da Baía de Sepetiba.

S.O.S. SEPETIBA

FONTE: CARLOS MINC, Jornal O Dia] DATA: 14/09/2000

A baía de Sepetiba está doente: recebe toneladas de esgoto sem tratamento, poluição química, lixo, sofre com a pesca predatória, a urbanização desordenada e o corte de manguezais. Este litoral maravilhoso, onde a Mata Atlântica chega até as ilhas como Itacuruçá e Jaguanum, é agredido e desfigurado sem que haja um plano de despoluição como o da baía de Guanabara. Os metais pesados, como o cádmio e o zinco da Ingá Mercantil, o cromo das indústrias de tintas e da Casa da Moeda, o chumbo da Cosigua acabaram com as algas e danificaram as cadeias alimentares. Barcos de arrasto, sem fiscalização e o desmatamento de manguezais diminuíram a pesca em 50% nos últimos 20 anos. Pedra e Barra de Guaratiba, as praias da Zona Oeste, estão ficando poluídas, com casas construídas no costão e areias contaminadas.

O governo federal priorizou o porto de Sepetiba, o que ajudará o desenvolvimento da região, mas se esqueceu de dar uma contrapartida às prefeituras, pescadores e ao meio ambiente. As obras de dragagem revolveram metais depositados no fundo, e grande parte do bota-fora é despejado na baía. O lodo é tanto que pescadores e barcos de turismo não saem na maré vazante. A companhia Docas ainda não pagou aos municípios o mínimo de 1% do valor da obra, determinado por lei, a ser usado em saneamento, lixo e saúde. Ambientalistas, vereadores e pescadores exigem o Programa de Despoluição da Baía de Sepetiba (PDBS) com verbas federais e de órgãos internacionais, sem os erros que verificamos no PDBG, da baía de Guanabara, onde mais de 50 milhões de reais foram ralo abaixo, sem controle da sociedade. Há estudos feitos, mas não há um projeto executivo pronto, que permita arrecadar estes recursos.Com pressão popular, o PDBS pode sair em janeiro de 2001. A baía de Sepetiba, protegida pela restinga da Marambaia, mas abandonada pelas autoridades, agradecerá o esforço.

Estrago ambiental em Sepetiba

FONTE: O Globo
DATA: 14/11/2000

Os técnicos da Procuradoria do Meio Ambiente e do Ministério Público chegaram a conclusão que a construção do habitacional Nova Sepetiba I, onde a Companhia Estadual de Habitação (Cehab) quer erguer 4.447 casas, está ocasionando danos ao meio ambiente. Uma parte do terreno foi desmatada sem autorização, um córrego foi praticamente aterrado e não existe a drenagem de águas pluviais nas ruas já construídas do conjunto. Axel Grael, presidente da Fundação Estadual de Engenharia do Meio Ambiente, determinou na semana passada a interrupção das obras na parte do terreno que estava sendo aterrada.

Programa de despoluição

FONTE: O Globo
DATA: 28/12/2000

Sete bairros da Zona Oeste do Rio de Janeiro e parte do município de Itaguaí serão beneficiados pelo Programa de Despoluição da Baía de Sepetiba, com investimentos de R$ 141,3 milhões em obras de saneamento. (O Globo, Rio, 19/01/01, pág.16, [2X10,5])

Análise revela que espécies da Baía de Sepetiba estão contaminadas

Uma pesquisa da Comissão de Defesa do Meio Ambiente da Assembléia Legislativa constatou que crustáceos e moluscos na Baía de Sepetiba (RJ) estão contaminadas por metais pesados.

Usina: carvão gera debate

FONTE: Jornal do Brasil
DATA: 24/03/2001

A colunista Kristina Michahelles comenta sobre a autorização para a instalação da maior termelétrica a carvão da América Latina Baía de Sepetiba. Ela considera que a medida deva ser cuidadosamente analisada sob o ponto de vista ambiental, já que o carvão é um dos combustíveis mais sujos em termos de emissão de gases do efeito estufa, e deveria ser evitado em prol de alternativa mais limpas.

Ostras revelam poluição

FONTE: Jornal do Brasil
DATA: 01/04/2001

Pesquisadores do Instituto de Biofísica da UFRJ descobriram que o molusco , além de vítima da agressão ao meio ambiente, pode ajudar a monitorá-lo. E de uma forma mais rápida que a usual. Poucas horas após um vazamento, por exemplo, o sinal de perigo é acionado.

Lixo e esgoto sufocam baía

FONTE: O Globo
DATA: 14/04/2001

A cada ano, as águas da Baía de Sepetiba recebem 1,2 milhão de metros cúbicos de sedimentos. O lixo, o esgoto e a poluição industrial vêm provocando o assoreamento das praias da região. Os rios que deságuam na baía atravessam 12 municípios.

Indústria poluidora ignora decisão judicial

FONTE: Jornal do Brasil
DATA: 14/07/2001

A Companhia Mercantil e Industrial Ingá foi condenada, em novembro de 2000, por contaminação da água com metais pesados na Baía de Sepetiba, Rio de Janeiro. A empresa deveria construir um aterro industrial e remover, em 60 dias, os 3 milhões de toneladas de resíduos químicos deixado na Ilha da Madeira, em Itaguaí, o que ainda não ocorreu.

Porto e condomínio

FONTE: O Globo e Jornal do Brasil
DATA: 07/03/2002

Obra é embargada

O governo do Rio de Janeiro terá de suspender as obras do conjunto habitacional Nova Sepetiba II, na capital carioca. A juíza da 7ª Vara da Fazenda Pública, Maria Cristina Barros Slaibi, concedeu liminar atendendo a um pedido do Ministério Público estadual, que alegou que a construção das casas traz danos ambientais à região.

Ameaça Sepetiba

FONTE: O Globo e Jornal do Brasil
DATA: 10/04/2002

As chuvas fortes dos últimos dias fizeram com que o dique da Companhia Mercantil Industrial Ingá, em Itaguaí, no Rio de Janeiro, abandonado há cinco anos, transborda-se lixo químico (metais como cádmio e zinco) em direção à baía de Sepetiba. Uma vistoria, realizada por técnicos do Ibama, representantes do Ministério Público Estadual e dirigentes da Assembléia Permanente de Entidades de Defesa do Meio Ambiente (Apedema), revelou que o lençol freático e poços artesianos da região já estão contaminados. O dique ameaça se romper, repetindo o desastre ecológico de 1996, quando 50 milhões de litros de água e lama com metais pesados vazaram para a baía.

Novo crime da Ingá

FONTE: Marcello Gazzaneo – Jornal do Brasil

Principal acusada pelo desastre ambiental que atinge seu terreno, em Itaguaí, às margens da Baía de Sepetiba, a Companhia Mercantil Industrial Ingá pode ser responsabilizada por mais um crime contra o meio ambiente. O Ministério Público Federal e a Feema (Fundação Estadual de Engenharia do Meio Ambiente) investigam a remoção ilegal de rejeitos de metais pesados do terreno da empresa para uma área próxima. A Justiça Federal já pediu auxílio à Polícia Federal para impedir que novas remoções sejam feitas. Por isso, agentes da PF vão vigiar a sede da Ingá a partir de hoje. (…) Há uma semana, denúncias chegaram ao MP federal informando que caminhões estariam saindo da empresa durante a noite e a madrugada, em direção ao terreno onde foi encontrado um novo amontoado de resíduos tóxicos. Na sede da Ingá, 3 milhões de toneladas de metais pesados ameaçam vazar de um dique para a Baía de Sepetiba. O laudo da Feema deve sair em seis dias. (…) A juíza da 7ª Vara Federal Cível, Salete Maccalóz (…) que considera a situação na região uma catástrofe ambiental, voltou a mostrar preocupação com o nível de contaminação dos rejeitos. Ela lembrou que operários da Prefeitura de Itaguaí apresentaram feridas no corpo e sangramento na boca três dias após iniciarem obras no contorno do terreno.

Sepetiba contaminada

FONTE: Folha de São Paulo
DATA: 09/04/2003

A barragem da Companhia Mercantil e Industrial Ingá, em Itaguaí (RJ), que armazena cerca de 50 milhões de litros de água contaminada por metais pesados, se rompeu em dezenas de pontos. Água e lama tóxicas estão escorrendo diretamente para os manguezais da baía de Sepetiba. Pelo menos 6.000 metros quadrados do mangue já foram atingidos. O vazamento devastou cerca de 300 metros quadrados do manguezal. O desastre ecológico tantas vezes anunciado por ambientalistas já começou. Não há mais caranguejos, peixes nem aves, nos trechos do manguezal em torno do lago. O problema tem se agravado com as chuvas recentes. Em fevereiro, o diretor da Divisão de Meio Ambiente da Prefeitura de Itaguaí, Vinícius Leandro, vistoriou o reservatório e constatou que o dique está perto de uma ruptura total. “A situação piorou bastante. A água está vazando para os manguezais. (…) O dique pode se romper na próxima chuva”, afirmou ele. A massa falida que representa a Companhia informou à justiça que não tem dinheiro para recuperar a área. Em 1999 a empresa foi condenada pela 1º Vara Cível de Itaguaí a instalar aterro industrial em área da indústria e remover os resíduos. Nada foi feito.

Denúncia ao Ministério do Meio Ambiente

FONTE: E-mail de Nélio Cunha Mello (Rede Justiça Ambiental)

From: justicaambiental em comunicante.rits.org.br
Reply-To: brsust em fase.org.br, justicaambiental em comunicante.rits.org.br
To: Rede Justiça Ambiental<justicaambiental em listas.rits.org.br>
Subject: [Justicaambiental] IMPORTANTE Campanha Cataguases de norte a sul…
Date: Thu, 10 Apr 2003 15:59:09 -0300

Prezados amigos da Rede Justiça Ambiental,
Vimos pedir-lhes que nos ajudem a encaminhar um abaixo assinado (ou outras idéias que vocês tenham) à Ministra do Meio Ambiente, Senadora Marina Silva, para tomar-se as devidas providências para a questão informada abaixo.

Como é a nossa área de atuação, aqui no Rio de Janeiro, sabemos que a situação ainda é bem pior do que a informada. Estamos envolvidos com graves “problemas sociais”, pois os pescadores das colônias Z-14 (Pedra de Guaratiba), Z-15 (Sepetiba) e Z-16 (Itacuruçá) que pertencem à baía de Sepetiba, ficaram seu o seu sustento principal (a pesca). Por isso temos desenvolvido vários projetos sociais e de Educação Ambiental junto à essas comunidades.

Várias famílias que vivem ao redor da baía de Sepetiba estão contaminadas com metais pesados e os governantes, apesar de nossos apelos, durantes várias décadas, pouco ou nada têm feito para acabar de vez com essa situação.

Por favor, voltamos a pedir a todos, que nos ajudem.

Nélio Cunha Mello
Presidente da ECOSC – Equipe de Conservacionistas Santa Cruz – Entidade
fundada em 20/08/1977
nmello em unikey.com.br <mailto:nmello em unikey.com.br>

Barragem rompe e polui mangue em Itaguaí (RJ)

FONTE: Sérgio Torres, Folha de São Paulo
DATA: 09/04/2003

A barragem da Companhia Mercantil e Industrial Ingá (Itaguaí, cidade a 70 km do Rio), que armazena cerca de 50 milhões de litros de água contaminada por metais pesados, se rompeu em dezenas de pontos. Água e lama tóxicas estão escorrendo diretamente para os manguezais da baía de Sepetiba.

Pelo menos 6.000 metros quadrados do mangue já foram atingidos. O vazamento devastou cerca de 300 metros quadrados do manguezal. No trecho mais afetado pelos vazamentos, a lama soterrou a vegetação. Só restaram tocos de madeira.

O desastre ecológico tantas vezes anunciado por ambientalistas já começou.

Não há mais caranguejos nos trechos do manguezal em torno do lago. Também não há peixes. As aves não voam na região, conforme a Folha constatou ontem no local. Não há garças ou outras espécies de pássaros aquáticos, habitantes costumeiros de lagos como o da Ingá, empresa que faliu há oito anos e está abandonada.

Sem insetos

O mais incrível é que nem insetos são notados. Aquele trecho do litoral do Estado do Rio, conhecido como Costa Verde -vai de Itaguaí a Parati, na divisa com São Paulo-, é famoso pelos mosquitos, que incomodam moradores e visitantes. Não há mosquitos em volta do lago.

A água está escorrendo para os manguezais por fissuras no dique de argila que circunda o lago. Ao longo de 300 m, há pelo menos 50 sulcos de água escapando diretamente para o mangue a partir de reentrâncias na estrutura do dique. Formam riachos que serpenteiam pelo terreno até alcançar a vegetação. Há trechos do mangue já completamente soterrados.

O problema tem se agravado com as chuvas recentes. Em fevereiro, o diretor da Divisão de Meio Ambiente da Prefeitura de Itaguaí, Vinícius Leandro, vistoriou o reservatório. Ontem de manhã, ele voltou ao local.

Leandro constatou que o dique está perto de uma ruptura total. `A situação piorou bastante. A água está vazando para os manguezais. O reservatório está quase transbordando. O dique pode se romper na próxima chuva`, previu ele. Os temporais têm sido diários na região.

O lago se formou ao longo dos últimos 40 anos. A indústria Ingá, que entrou em operação na década de 50, depositava os resíduos da produção de lingotes de zinco em um terreno junto aos manguezais da baía de Sepetiba.

Os resíduos tóxicos formam hoje uma montanha de 15 metros de altura por 100 metros de largura. Com as chuvas, o material escorre para dentro do lago, aumentando ainda mais o seu volume.

Hoje, o lago, cuja profundidade máxima é estimada em dez metros, está a centímetros da borda do dique.

Na edição do último domingo, a Folha mostrou os riscos que a barragem da Ingá representa para o ecossistema da baía de Sepetiba, um dos mais belos trechos litorâneos do Estado do Rio.

Em 1996, o dique já se rompera durante uma tempestade, contaminando a baía. A pesca na região foi bastante afetada. Houve mortandade de peixes.

Análises químicas mostraram que moluscos e ostras espécies foram contaminados. O consumo de peixes que ingeriram os metais pesados depositados no mangue e na baía pode causar doenças que afetam os sistemas nervoso e motor e levam à morte se não houver tratamento adequado.
Presença de metais

O diretor do Laboratório de Radioisótopos do Instituto de Biofísica da UFRJ (Universidade Federal do Rio de Janeiro), Olaf Malm, vistoriou o dique no ano passado, acompanhado de representantes do Ministério Público do Estado, do governo do Rio de Janeiro e do Ibama (Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis).

Malm recolheu cristais ao longo do entorno do lago. A análise das amostras revelou a presença de cádmio, chumbo e cobre.

`A água escorre, o rejeito seca e forma cristais. É uma mostra de que o dique está enfraquecido. É um caso bastante grave. O cádmio, por exemplo, é um metal muito tóxico`, disse ele.

Perigo de desastre

FONTE: Portal do Cidadão (RJ) e RJTV (Rede Globo)
DATA: 11/04/2003

Rio – O presidente da Serla (Superintendência Estadual de Rios e Lagoas), Ícaro Moreno Júnior, constatou nesta sexta-feira (11/04), às 13h, durante vistoria na Companhia Ingá, na Ilha da Madeira, em Itaguaí, o início das intervenções necessárias para eliminar a ameaça de transbordamento de material altamente tóxico armazenado num reservatório da empresa. Acompanhado dos engenheiros da Serla, Cláudio Neves, diretor de Obras, e Carlos Cruz, chefe da Divisão de Solos e Estrutura, além do assessor jurídico João Luís Netto Jr., Ícaro Moreno esteve lá para verificar se a empresa estava cumprindo ou não a notificação emitida ontem que dava à direção da Ingá o prazo de 24 horas para início das obras de contenção do reservatório.

A empresa iniciou o bombeamento, em caráter emergencial, de oito milhões de litros do volume total de 280 milhões de litros do primeiro tanque para outros reservatórios. Essa primeira fase – que deve durar no máximo três dias – é para colocar os níveis do primeiro reservatório em condições de não mais haver ameaça de transbordamento. Depois, haverá outro bombeamento para um terceiro reservatório, de tratamento, quando o material já tratado será lançado na rede de drenagem.

Segundo Ícaro Moreno, paralelamente a esse processo, é iniciado o trabalho de topografia, para se avaliar as condições das margens do reservatório, para que ele tenha as paredes de contenção elevadas. Ao mesmo tempo, são restaurados também todos os pequenos pontos de percolação (infiltração).

O prazo total para a obra, que prevê a captação, com tratamento, de todas as águas tóxicas do reservatório e a recuperação das partes danificadas do talude, é de, no máximo, um mês. As obras serão realizadas sob a responsabilidade da massa falida da Ingá, em conjunto com a CPL Brasil Ltda. Esta última empresa propôs a compra da massa falida da Ingá. Em uma reunião, pela manhã, com a participação de engenheiros e advogados da Serla e da Feema, a transação foi acertada, cuja finalização está condicionada à conclusão das obras.

Neste sábado (12/04), às 16h, Ícaro Moreno voltará a vistoriar o andamento da obra e indicará um técnico para acompanhar diariamente o cumprimento da notificação pela Companhia Ingá.

Degradação ameaça áreas do Estado do Rio

FONTE: Jornal do Brasil
DATA: 24/04/2003

Lançamentos de esgoto e resíduos tóxicos, ocupação desordenada e desmatamentos. O cenário de rios, lagoas, baías e praias, em quase todo o trecho entre o Rio e Parati, no litoral sul do Estado, lembra o caos. Pior. É o verdadeiro caos na visão de ambientalistas. Em dois sobrevôos realizados nas duas últimas semanas sobre a região, o biólogo Mário Moscatelli observou quatro pontos críticos: a Baixada de Jacarepaguá e Barra da Tijuca, as baías de Sepetiba e da Ilha Grande e a Bacia do Rio Guandu. Como conseqüência, a destruição da fauna e da flora, tragédias provocadas por deslizamento de terra devido ao desmatamento e uma qualidade de vida cada vez mais baixa. Para tentar reverter a situação, Moscatelli chegou a propor ao Ministério Público (MP) federal e ao Tribunal de Justiça (TJ) uma ação conjunta com o objetivo de pressionar o governo Estadual. Os dois sobrevôos foram acompanhados por um representante do MP e do presidente da Associação dos Magistrados do Rio de Janeiro (Amaerj), Luís Felipe Salomão.

Biólogos avaliam o grau de destruição de 17 restingas, onde ainda vivem espécies exclusivas

FONTE: Francisco Bicudo, Fapesp.
DATA: 03/08/2003

A expedição terminou com um sabor de melancolia. Durante cinco meses, 20 biólogos percorreram 1.600 quilômetros do litoral brasileiro, do sul do Rio de Janeiro ao sul da Bahia. Quase palmo a palmo, examinaram plantas e animais que vivem em meio à restinga, uma vegetação baixa e úmida que cresce sobre a areia, entre o mar e a montanha. Encontraram 12 espécies de animais que habitam exclusivamente esse ambiente, como a perereca Xenohyla truncata , de 3 centímetros de comprimento, que se esconde no interior das bromélias. Mas, à medida que prosseguiam, enfrentando os brejos e a chuva contínua, os pesquisadores sentiam que a satisfação pelas descobertas se transformava em desalento, ao constatarem o desaparecimento gradual desse ambiente.

Condomínios de luxo e favelas avançam sobre as restingas, também usadas como depósito ilegal de lixo e fonte clandestina de areia para a construção civil. Onde ainda é paradisíaca, a restinga sofre com o turismo desordenado e abertura de estacionamentos e trilhas. Coordenada por quatro professores da Universidade do Estado do Rio de Janeiro (Uerj) – Monique Van Sluys, Carlos Frederico Duarte da Rocha, Helena de Godoy Bergallo e Maria Alice Alves -, a equipe que cuidou desse levantamento avaliou cada uma das atividades humanas que ameaçam as dez restingas inicialmente analisadas – cinco delas no chamado corredor de biodiversidade da Serra do Mar (as de Grumari, Maricá, Massambaba, Jurubatiba e Grussaí), quatro no corredor central da Mata Atlântica (Setiba, Guriri, Prado e Trancoso) e uma no extremo sul do Espírito Santo (Praia das Neves). Cada ação humana – da construção de estradas à abertura de trilhas de acesso às praias – recebeu uma nota, de zero a dois, de acordo com o impacto sobre o ambiente. A soma dos pontos resultou num primeiro diagnóstico preciso das condições de conservação das restingas dessa faixa do litoral brasileiro.

“A restinga com pior nível de conservação é a do Prado, na Bahia, com 20 pontos”, revela Rocha. Em situação igualmente crítica encontram-se duas restingas do Rio, as de Grumari e Grussaí, ambas com 15 pontos, seguidas de perto pelas de Setiba, no Espírito Santo, e Massambaba, também no Rio, com 12 pontos cada uma. “Agora enxergamos de modo mais concreto a dimensão dos estragos”, diz Luiz Paulo de Souza Pinto, diretor do Centro de Conservação da Biodiversidade da Conservation International do Brasil, um dos parceiros da UERJ no projeto.

Embora a área de restinga tenha encolhido 500 hectares entre 1995 e 2000 apenas nos estados do Rio de Janeiro e do Espírito Santo, de acordo com um estudo da organização não-governamental SOS Mata Atlântica, ainda há trechos em bom estado de conservação. Hoje, o levantamento abarca 17 restingas, das quais sete bem preservadas, três em estágio intermediário e sete bastante degradadas. “Em Trancoso, na Bahia, restou apenas o trecho junto à Barra do Rio doFrade”, comenta Rocha. “O resto já foi destruído.” Apenas por se encontrarem relativamente isoladas das cidades e dos turistas é que algumas áreas ainda escapam do que parece ser o destino desse conjunto de matas à beira-mar, chamado de porta de entrada da Mata Atlântica.

Esse é justamente um dos problemas. Souza Pinto lembra que as restingas praticamente desaparecem diante da Mata Atlântica, uma vegetação mais exuberante à qual estão associadas – e igualmente devastada desde que os colonizadores europeus aportaram suas caravelas. Ainda hoje as restingas são muito pouco estudadas, embora se espraiem por uma faixa de cerca de 5 mil quilômetros ao longo da costa brasileira, o trecho mais ocupado do território, com cerca de 87 habitantes por quilômetro quadrado – cinco vezes a média nacional.

Formada pelo acúmulo de areia e outros sedimentos nas regiões planas de onde o mar recuou nos últimos 5 mil anos, a restinga exibe feições diferentes. Sobre solo arenoso, pobre em nutrientes e com salinidade elevada, cresce apenas uma vegetação rasteira, constituída basicamente por gramíneas – esse é o trecho mais exposto à ação humana e a de mais difícil recomposição, justamente por causa do solo. À medida que se afasta das praias, surgem arbustos e moitas com 2 a 5 metros de altura, com trepadeiras, bromélias e cactos.

Só mais adiante, de 1 a 2 quilômetros do mar, é que aparecem árvores de médio e grande porte, que podem atingir até 20 metros de altura, como a figueira-vermelha, o ipê-amarelo, a quaresmeira ou o manacá-da-serra e o guapuruvu. “Essa mudança na estrutura da restinga já era conhecida”, diz Monique. “Os estudos sobre a fauna de vertebrados nas restingas é que ficavam em segundo plano.” Essa lacuna foi em parte esclarecida com esse levantamento. Ao longo da expedição, realizada entre novembro de 1999 e março de 2000, a equipe carioca catalogou 147 espécies de animais que vivem nas restingas. Predominam as aves (96 espécies), seguidas pelos anfíbios (28 espécies), pequenos mamíferos (12) e os répteis (11).

Animais exclusivos

O inventário da diversidade biológica revelou 12 espécies exclusivas dessa região – por essa razão chamados endêmicos -, descritos pela equipe da UERJ no livro A Biodiversidade nos Grandes Remanescentes Florestais do Estado do Rio de Janeiro e nas Restingas da Mata Atlântica , lançado em junho pela editora RiMa. É o caso da Xenohyla truncata , uma perereca de até 3 centímetros de comprimento e pouco mais de 4 gramas, que apresenta um comportamento incomum entre os anfíbios: alimenta-se de pequenos frutos, além de insetos, como é habitual entre esses animais, e assim atua na propagação das plantas, ao espalhar as sementes na restinga de Maricá, onde foi encontrada.

Já nas restingas da costa do Rio de Janeiro, desde Marambaia até Cabo Frio, vive um lagarto com pequenas tarjas marrons e laranja nas costas – é o Liolaemus lutzae , também chamado de lagartixa-da-areia. Abundante até a década de 70, essa espécie corre hoje risco de extinção, à medida que seu hábitat se esvai com a ocupação humana. Em algumas áreas, como Prainha, no município do Rio, Barra Nova, em Saquarema, e Praia dos Anjos, em Arraial do Cabo, norte do Estado, já não se vê mais o pequeno réptil. Com até 7 centímetros sem a cauda, é uma das presas preferidas de corujas e gaviões, mas às vezes consegue escapar com um artifício peculiar: quando perseguido, o lagarto solta a cauda – o movimento que faz sobre a areia depois de desligar-se do corpo atrai a atenção dos predadores, que desse modo nem sempre percebem o animal fugindo.

Entre as aves, a única espécie endêmica de restinga é o formigueiro-do-litoral ( Formicivora littoralis ), registrada apenas em uma das áreas estudadas no Estado do Rio – e ameaçada de extinção devido à degradação acelerada de seu hábitat. Outra espécie que vive nas restingas, cuja sobrevivência também está em jogo, é o sabiá-da-praia ( Mimus gilvus ). Em latim, mimus quer dizer imitador – a capacidade de reproduzir cantos de outros pássaros é uma das características marcantes dessa ave, que atinge quase 25 centímetros. Com cauda longa e plumagem cinza-claro nas costas e branca nas sobrancelhas, lembra as espécies da família dos sabiás, como o sabiá-laranjeira.

Endemismo concentrado

Nas restingas, as espécies endêmicas se concentram em duas regiões – evidentemente, as que se encontram em melhor estado de conservação, ainda pouco visitadas pelos turistas e construtores de condomínios. A primeira consiste de trechos isolados ao longo de 500 quilômetros, desde Linhares e Guriri, no norte do Espírito Santo, até Prado e Trancoso, no sul da Bahia. É ali que se encontra, por exemplo, o Cnemidophorus nativo , um lagarto com duas listras laterais brancas e uma dorsal de cor salmão sobre o corpo verde-oliva. Descrita num artigo na revista científica Herpetologica , essa espécie de até 6 centímetros de comprimento exibe uma característica rara entre os répteis: é formada apenas por fêmeas, que se reproduzem por um processo conhecido como partenogênese – o óvulo se desenvolve em um ser adulto sem a necessidade de fertilização por um espermatozóide.

Ao sul, o endemismo é alto nas restingas de Maricá e Jurubatiba, no Rio. Só ali vive outro pequeno lagarto, semelhante ao C. nativo, o Cnemidophorus littoralis , apresentado na revista Copeia . “A concentração de espécies endêmicas nessas regiões”, diz Rocha, “deve-se provavelmente às variações ocorridas nos últimos 10 mil anos no nível do oceano, que promoveram o isolamento de populações de ancestrais, que assim divergiram geneticamente e passaram a constituir espécies diferenciadas.”Mas, afinal, as restingas desaparecerão? Se depender dos pesquisadores do Rio, não. No livro em que detalham as descobertas da expedição, eles mostram o que poderia ser feito para ao menos reduzir o impacto humano.

As ações consideradas prioritárias: aumentar a extensão das áreas já protegidas por lei e realizar levantamentos mais abrangentes das espécies de plantas e animais encontrados nas restingas, além de desenvolver programas de educação ambiental nas regiões litorâneas. Os pesquisadores propõem ainda a transformação de áreas com o ambiente mais degradado – como a restinga de Grussaí, no norte do Rio, de Praia das Neves, no município de Presidente Kennedy, Espírito Santo, e de Trancoso, na Bahia – em unidades de proteção integral, nas quais são permitidas apenas a realização de pesquisas científicas, atividades educacionais e de recreação. “Em Grussaí, ainda há uma importante área remanescente em bom estado, que, embora pequena, deveria ser preservada”, recomenda Rocha. “O entorno está muito degradado por causa da ocupação irregular do solo.”Segundo ele, outra relíquia que deveria ser preservada é a restinga de Praia das Neves, que apresenta uma rara riqueza e diversidade de espécies, embora ainda não exista na região nenhuma área de conservação.

O diagnóstico sobre o estado de conservação das restingas confirma a relação entre o grau de destruição de um ambiente e a ausência de políticas públicas. Nas chamadas unidades de proteção integral, como o Parque Nacional da Restinga de Jurubatiba, que inclui a mais preservada entre as restingas estudadas, a ação predatória do homem é bastante reduzida. Sem proteção nem fiscalização, porém, o impacto humano tende a eliminar a vegetação natural e reduzir as chances de sobrevivência dos animais que ali vivem. Mesmo o clima das cidades pode mudar sem as dunas e a vegetação litorânea, que ajudam a regular a temperatura. “O ritmo de destruição é muito acelerado”, lamenta Monique.

Lastro dos navios: seminário internacional no Rio

FONTE: Agência Brasil
DATA: 8/4/2003 

Os problemas decorrentes da troca da água do mar usada como lastro nos navios começaram a ser discutidos nesta segunda-feira (7/4) no seminário internacional “Diretrizes e Padrões para amostragem de Água de Lastro”, que será realizado até a próxima sexta-feira (11), na Escola Nacional de Botânica Tropical, que funciona no Solar da Imperatriz, no Jardim Botânico, no Rio.

O evento analisará questões que vão desde a forma correta de se colher amostra da água utilizada no lastro até a questão da certificação que abrange também as condições gerais do navio.

A questão do lastro vem sendo amplamente discutida, principalmente por seis países, entre eles o Brasil que criaram em 2000 o Programa Global de Gestão da Água de Lastro. A troca da água pelos navios só acontece nos portos e ocasiona despejo de microorganismos típicos de cada oceano em locais sem predadores correspondentes, entre outros problemas.

No Brasil, o trabalho vem sendo desenvolvido no Porto de Sepetiba, no Rio de Janeiro, onde já foi realizado o levantamento da biodiversidade aquática,que está em fase de identificação, e levantada a rota dos navios que chegam ao local. Depois do Rio, outro encontro internacional específico para levantamento de espécies aquáticas será realizado em Arraial do Cabo (RJ), de 13 a 17 de abril.

Pesca: Ibama apreende 1,15 tonelada de sardinhas
no Rio

FONTE: Agência Brasil
DATA: 11/10/2003

Fiscais do Ibama – Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis apreenderam 1,15 tonelada de sardinhas, oriundas da região de Sepetiba (RJ), e que seriam comercializadas na Ceasa-RJ (Centrais de Abastecimento do Rio de Janeiro), no bairro de Irajá. Os peixes mediam menos de 17 centímetros, tamanho abaixo do especificado na legislação.

As sardinhas foram doadas para comunidades carentes dos municípios de Nova Iguaçu e Jardim América. O dono do pescado recebeu uma multa de R$ 8,7 mil e o Ibama encaminhou comunicação de crime ambiental ao Ministério Público Federal.

Documentação

 

Um viveiro morto da mão-de-obra negra para o cafezal.
Impressões vividas de uma visita à fazenda do comendador
Joaquim Jose de Souza Breves no pontal da Marambaia.


FONTE: Biblioteca Nacional “O Jornal” Rio de Janeiro
DATA: 15/10/1927

por Assis Chateaubriand

“A prosperidade de Marambaia data de sua aquisição pelo comendador Joaquim José de Souza Breves (…). O s domínios deste grande senhor territorial abrangiam a restinga atravessavam o mar, desdobravam-se desde a raiz da Serra, Mangaratiba e o Saco de Mangaratiba, até o vasto cafezal que se alastrava do começo do anti-plamo em S. João do Príncipe, para ir morrer, a onda verde, propriedade do opulento cafezista no Valle do Paraíba”.

“Na Marambaia plantava-se café nas encostas da montanha, cereais, milho, feijão, mandioca, cana de açúcar e criava-se gado”.

“… grande importador de escravos, para atender as necessidades cada vez mais insistentes do cafezal (…) o comendador Breves vivia em contacto com aqueles que faziam o tráfico de escravos com o continente negro. A Marambaia era, neste sentido, um ponto estratégico. Ela lhe abria completamente o domínio do mar, para comunicações seguras com os navios negreiros que lhe traziam do outro lado do atlântico o combustível humano (…). Aquela fazenda era u pulmão da sua grandeza latifundiária em baixo e no alto da serra. O crescimento do cafezal impunha ao senhor o aumento do braço escravo. A repressão do tráfico encetada nos mares pela Inglaterra criava toda a sorte de obstáculos a importação do braço negro; de sorte que a posse de um local seguro daqueles de desembarque, importava para Breves no mesmo que possuir uma ligação permanente com os piratas que deviam assegurar-lhe o abastecimento da mão de obra do cafezal”.

OBS: Breves adquiriu Marambaia de José Guedes.

“Na Marambaia também havia café, mandioca, milho, e os negros com que falei todos me disseram que nas fraudas dos morros existiam plantações de café que depois desapareceram. Todavia, ao que me a figura, o emprego mais importante daquela fazenda era o de servir de ponto de desembarque de pretos contrabandeados d’Africa. Os escravos que saiam dos porões dos navios negreiros permaneciam algum tempo naquele viveiro. Reconstituíam as forças perdidas na travessia transatlântica. Cevavam-nos e uma vez assim retemperados, eram distribuídos pelas fazendas do alto da serra. Logo, o que Breves possuía na Marambaia era uma estação de engorda do seu pessoal de eito e, isto explica as ótimas recordações que aqueles velhos escravos guardavam do senhor (…). Devia-se comer bem na Marambaia porque o objetivo mais importante daquela fazenda não era produzir café, mas fornecer mão de obra forte, robusta, para o trabalho no cafezal”.

“As condições existentes hoje na Marambaia são as mais miseráveis possíveis. Os pretos dos Breves permaneceram na fazenda…”.

Amada Vila junto ao mar de Sepetiba

FONTE: Jornal Mangaratiba
SEM DATA

Na Matriz de Nossa Senhora da Guia, de Mangaratiba, não mais se ouve o apito do
trem, ou o resfolegar da máquina cansada de subir a serra. Por motivos de ordem econômica, ou seja, por considera-la deficitária, a linha férrea foi desativada pela Rede Ferroviária Federal.

No lugar da estação, hoje somente uma plataforma vazia, às vezes ocupada por parques de diversões, e a linda vista do Cais, com seus saveiros, lanchas de passageiros e barcos de pesca em constante movimentação.

Entre a igreja e a plataforma, o Cruzeiro, de granito, chegado de Portugal em 1700, lembra ao turista devoto que a construção da Matriz iniciou-se em 3 de julho de 1785, a comando do Padre Salvador Francisco da Nóbrega, sendo concluída dez anos depois pelo Padre Joaquim José da Silva Feijó.

No campanário, dois sinos fora de uso mostram ao visitante o brasão de Portugal e Algarves, a cujo reino pertenceu o Brasil, “elevado ” em 1815 por Dom João VI a “Reino Unido de Portugal, Brasil e Algarves.

Nessa época, e até 1818, Mangaratiba pertencia ao Município de Angra dos Reis, passando então à jurisdição de Itaguaí, que fora elevada de aldeia a “Vila de São Francisco Xavier de ltaguaí” em 5 de junho daquele ano, pelo Alvará que ainda anexava à nova Vila a Ilha de Sapimiaguira (“picada de ave que queima”, alusão dos nativos a abelha ou marimbondo), atual ltacuruçà, cujos recursos passariam a ser aplicados em ltaguaí.

Muito antes disso, porém, esta terra pertencia aos tamoios, que lutaram bravamente para
resguardá-la, saqueando lavouras e queimando moradias dos primeiros colonos que aqui
chegaram quando Capitania de Santo Amaro.

  1. Manuel I doara Santo Amaro em 1534 a Pero Lopes de Souza, o qual, desinteressado, confiou a Capitania a Antonio Affonso, que também nada fez pela terra recebida, que só progrediu alguma coisa graças à vizinhança da Capitania de São Vicente, de Martim Afonso de Souza, irmão de Pero.

Somente em 1615, quando a região era assolada por piratas holandeses sediados na Ilha Grande sob o comando de Joris Van Spielberg, Martin de Sá, superintendente da Capitania adotou as primeiras providências, iniciando a construção de uma aldeia com o auxílio de tupiniquins já catequisados, trazidos de Pomo Seguro, Bahia, e entregues aos cuidados dos jesuítas. Não lhes agradando o local, entretanto, no mesmo ano a aldeia foi transferida para um morro denominado “Cabeça Seca”.

A fim de reforçar o domínio, em 1620 o Superintendente Martin de Sá mandou trazer um grupo mais numeroso de tupiniquins para a llha de Marambaia e, depois, para Ingaíba, onde, juntamente com os jesuítas, edificaram uma capela dedicada a São Braz?.
Em 1688, afugentados por grandes temporais e ressacas. freqüentes, os habitantes transferiram-se para terra firme, onde hoje se ergue Mangaratiba. Era 1700, ano em que aqui chegou, de Portugal, o Cruzeiro de granito.

Nova capela foi edificada, agora sob a invocação de N. Sa. da Guia, no mesmo local onde Padre Salvador Francisco da Nóbrega em 1785 começou a levantar a atuaÍ Matriz de pedra e cal, com chão de azulejos em toda a nave. A fachada e o telhado acham-se decorados e ornamentados, em estilo barroco, decoração esta executada depois de pronta a igreja, portanto mais recente que a construção. Em 1967, recebeu tombamento IPHAN.

Não se pense, porém, que é a Matriz a único antiga construção religiosa de Mangaratiba: existo a Capela de Nova Senhora das Dores, na llha da Marambaia, erguida para os escravos, ostentando uma imagem de cedro da padroeira encontrada na antiga capela da Fazenda dos Breves (hoje em ruínas), datada de 1835. Também a Errmida de Santana, em ltacuruçá, é bastante antiga, construída que foi em 1840.

Em arquitetura civil, o prédio mais antigo é o Sobrado do Barão do Saí, na Rua Coronel
Moreira Silva, centro da Cidade, tipicamente colonial, de meados do Século XlX (tombado pelo Conselho Municipal de Cultura.

Lamentavelmente, perdem-se em terras particulares as ruínas da antiga cidade, 8 quilômetros ao Sul da atual, ao longo da Estrada de São João Marcos, onde já foram encontradas, por pesquisadores particulares, muitas peças antigas, e até moedas de ouro. Do Porto, só existe a murada do antigo trapiche: da linha férrea, somente a plalataforma da estação, e os versos cantados por Luiz Gonzaga – “Òi, lá vai o trem subindo estrada arriba/pr’onde é que ele vai?/Mangaratiba/ Mangaratiba…” (A estrada foi desativada em 1979, já tendo sido arrancados trilhos e dormentes em uma boa extensão).

FH admite que fala e viaja muito

FONTE:O Globo
DATA: 13/12/2001

Presidente diz que se sente em casa na Marambaia
Por Cristiane Jungblut e Ana Paula Macedo

Brasília. Apesar do formalismo das cerimônias militares, o presidente Fernando Henrique Cardoso aproveitou ontem duas solenidades para confessar que fala e viaja demais. Em evento dos oficiais-generais recém-promovidos, Fernando Henrique admitiu o hábito de falar demais, o que, segundo ele, às vezes provoca mal-entendidos. A declaração foi feita justamente dias depois de o presidente ter criado polêmica ao dizer que o cientista, quando não consegue se tornar famoso, acaba virando professor.
– Não quero fazer um longo discurso, embora tenha o hábito de falar mais do que a prudência indica – disse.
Mas o presidente não cumpriu a promessa. Cerca de uma hora depois, durante almoço no Clube Naval, Fernando Henrique fez um discurso de 30 minutos. Ele admitiu que pode ser o presidente que mais viajou, mas disse que viaja para defender os interesses do Brasil no exterior e para manter contato com a população do país.
– Meu convívio (com a Aeronáutica) é freqüente porque viajo muito. E viajo mesmo. Para defender os interesses do Brasil lá fora ou para sentir mais de perto a população. Nunca um presidente viajou tanto pelo Brasil – disse ele.
Fernando Henrique ainda elogiou o espírito de camaradagem das Forças Armadas. Ele disse que se sente em casa quando passa os fins de semana na Restinga da Marambaia, no Rio, numa base naval. O presidente ainda reclamou que tem poucos dias de folga. Segundo ele “descansar é coisa rara”.
– A Restinga da Marambaia é um dos lugares que mais gosto de estar. Lá o presidente se sente em casa – disse.

Vídeo “Quilombolas da Marambaia”


FONTE: Informativo Territórios Negros. n. 4
DATA: 2003

Trata-se de um documentário de 10 minutos sobre as dificuldades da comunidade que luta contra a Marinha pelo direito de permanecer e utilizar a área da ilha da Marambaia. Para ter acesso ao vídeo, entre em contato com KOINONIA – Territórios Negros. O vídeo será reproduzido a preço de custo.

Relatório Técnico-Científico sobre a Ilha da Marambaia

FONTE: Informativo Territórios Negros. n. 14
DATA: 2004

No dia 30 de dezembro de 2003 foi entregue à Fundação Cultural Palmares (FCP) o “Relatório Técnico-Científico Sobre a Comunidade Remanescente de Quilombos da Ilha da Marambaia, Município de Mangaratiba (RJ)”, realizado por KOINONIA em parceria com a Universidade Federal Fluminense (Núcleo de Referência Agrária e Núcleo Fluminense de Estudos e Pesquisas). A Associação de Remanescentes de Quilombos da Ilha da Marambaia recebeu uma cópia do laudo e agora toda a comunidade espera que o processo de reconhecimento e titulação das terras seja breve.
Mesmo não sendo reconhecida oficialmente como remanescente de quilombo, a FCP incluiu a comunidade no Programa Fome Zero e, no mês de fevereiro, entregou juntamente com o Incra/RJ noventa cestas básicas, número insuficiente para as 115 famílias moradoras.

Apesar da Marambaia estar na lista de prioridades da FCP para reconhecimento e titulação, e apesar das intervenções do Ministério Público Federal, a Marinha do Brasil tentou mais uma vez derrubar a casa de um morador da ilha, contrariando uma liminar judicial. Esta ação foi impedida pelo Procurador Daniel Sarmento que, contactado por KOINONIA, interveio junto ao comando militar proibindo a destruição da casa.

 

Eventos

 

Seminário com remanescentes de quilombo

por Welington Campos

FONTE: Jornal Atual
DATA: 07/06/2003

Representantes da recém-formada Associação da Comunidade Remanescente de Quilombo (ACRQIMAR) participaram, no dia 30 de maio, do Seminário Nacional Memorial da Marambaia. O evento foi realizado pelo Ministério Público Federal e KOINONIA (instituição ecumênica).

No seminário, foi discutida a situação social e jurídica da comunidade negra da Ilha da Marambaia, que hoje vive um processo de deslocamento, forçado pela ação da Marinha. Dois painéis trataram da história da Ilha, das tentativas frustradas de organização dos seus moradores, dos processos movidos contra eles pela Marinha e do reconhecimento em curso do grupo como remanescente de quilombo.

Participaram do seminário o presidente da Fundação Cultural Palmares (Ministério da Cultura), Ubiratan de Castro; a procuradora da República (Ministério Público), Deborah Duprat; a coordenadora da Articulação de Comunidades Remanescente de Quilombo, Givânia da Silva; a pesquisadora Mariza Rios (KOINONIA/UnB); o presidente da ACRQIMAR, Dionato de Lima Eugênio (Nana); entre outros.

O Representante da Marinha não compareceu, justificando outros compromissos.

Fala Quilombola

FONTE: Informativo Territórios Negros. n. 4
DATA: 2003

Depoimento de Beatriz Inocêncio e Sônia Machado, comunidade da Marambaia/RJ, sobre a participação no III Encontro Ecumênico de Mulheres do Vale do Paraíba, em São Paulo, durante os dias 28 e 29 de julho.

“Às 8:30 fomos acolhidas pela Ester da KOINONIA pondo em nosso pescoço um lindo lenço, desejando-nos boas vindas e entregando uma pasta com instruções.
Depois nos reunimos no pátio da escola para uma pequena celebração de abertura coma pastora Dalva da Igreja do Evangelho Quadrangular. Em seguida teve uma dinâmica das fitas coloridas.

Após a primeira dinâmica fomos para a sala onde foi realizada a primeira palestra coordenada pela psicóloga Tais Fátima, que presta serviço ao hospital São Francisco/São Paulo. Ela falou sobre a saúde integral da mulher e da importância do conhecimento do corpo e do amor próprio. Após o lanche houve mais um debate com a Dra. Taís, que esclareceu e respondeu algumas perguntas. Deram depoimentos a Sra Maria das Dores e Débora, da Instituição Amor Exigente, que trabalha com doentes dependentes químicos. Débora falou de sua experiência com seu filho de 16 anos e de seu esposo, ambos dependentes químicos.

Ao meio-dia, pausa para o almoço. Retornamos com a abertura das oficinas: Massoterapeuta – Rennê; e Sexualidade e Aids – Jenny. Voltamos ao pátio e foi realizada a segunda dinâmica na qual tínhamos que completar as frases: Eu sou um tesouro sem mapa (Oneida – SP) e Eu sou seu mapa meu tesouro (Beatriz – RJ).

Os participantes foram divididos em dois grupos: um ficou com a massoterapeuta Rennê Lisboa Mateus, que ensinou relaxamento e massagem. E o outro ficou com Jenny Lilia Andrade, psicóloga, que falou sobre os riscos da Aids e nos fez abrir os olhos para o preconceito que sofre o portador de HIV, para que nos colocássemos em seu lugar.
Após a oficina Sexualidade e Aids, houve um encerramento com homenagem às organizadoras e palestrantes e entrega de brindes.

No final do encontro, duplas de participantes tiveram que selar um compromisso confeccionando uma corrente forte com as fitas coloridas para o ano que vem. Compromissos que serão cobrados. O meu (Beatriz) compromisso foi de passar para a comunidade tudo que aprendi nesse encontro para que eles nos ajudem e se unam mais a nós.

Gostei muito de conviver com pessoas de idéias diferentes, com muita luz, muita fé e muita garra. Isso fez muito bem para a minha cabeça. Gostei e tenho certeza que passando tudo isso para a minha comunidade eles irão gostar também.” (Beatriz).

1º Encontro de Comunidades Quilombolas/RJ

FONTE: Informativo Territórios Negros. n. 14
DATA: 2004

O 1º Encontro de Comunidades Quilombolas/RJ. Entre os dias 3 e 5 de outubro o Quilombo Campinho Independência, em Paraty, RJ, recebeu o 1º Encontro de Comunidades Quilombolas do Estado do Rio de Janeiro.
O encontro contou com a participação de representantes dos Quilombos de Santa Rita do Bracuí, em Angra dos Reis; de Santana, em Quatis; de São José da Serra, em Valença; do Sacopã, no Rio de Janeiro; da Rasa, Armação de Búzios e da Restinga da Marambaia, em Mangaratiba. Empresas estatais como Petrobras, Petros, Eletronuclear e Banco do Brasil também se fizeram representar, assim como autoridades de órgãos federais (Incra, Fundação Palmares e Ministério Público Federal), Governo Estadual (Conselho Estadual de Defesa dos Direitos do Negro – Cedine), além do executivo e
do legislativo local.
Criou-se, no encontro, a Associação de Comunidades Remanescentes de Quilombos do Estado do Rio de Janeiro (Acquilerj) para a qual foram eleitos como presidente e vice-presidente, respectivamente, Ronaldo dos Santos (Campinho Independência) e Antonio Fernandes (São José da Serra).
Os outros cargos da diretoria foram distribuídos entre membros de outras quatro comunidades.
A parte cultural ficou por conta da apresentação do Jongo do Quilombo de São José da Serra, de Valença, que formou uma grande roda na noite de sábado, reunindo jovens, adultos e idosos.
Ao fim do encontro foi elaborado um documento que deverá ser encaminhado ao Presidente Luis Inácio Lula da Silva, reivindicando a sanção do novo decreto, 4887/03, em substituição ao decreto 3912/01, além de destacar a necessidade de intervenção do Executivo Federal no caso do Quilombo da Marambaia, que sofre com as intervenções opressoras da Marinha do Brasil no local.


RJ – Marambaia – Quilombolas empossam diretoria
Nova presidente promete intensificar luta pelos direitos dos quilombolas da Ilha da Marambaia

Fonte: Jornal Atual.(Em 09/04/2005)
Data:02/05/2005

por Welington Campos

A Associação de Moradores da Comunidade Remanescente de Quilombo da ilha da Marambaia (Acrqimar) empossou no último domingo, dia 10, a nova diretoria que cumpre mandato até 2007. Como a comunidade ainda luta por uma sede, o evento aconteceu na Praia Grande, na casa da remanescente Beatriz Inocêncio. A cerimônia, conduzida pela segunda secretária da Associação das Comunidades Remanescentes de Quilombos do Estado do Rio de Janeiro (ACQUILERJ), Laura Maria dos Santos, contou com a presença do presidente da Associação dos Pescadores da Ilha, da Marambála (APIM), Paulo Fernandez; da representante da Prefeitura de Mangaratiba e administradora da Marambaia, Joeci Gomes; do presidente da ACQUILERJ, Ronaldo dos Santos; e do representante da Associação da ilha de Jaguanum, João Corrêa.

Em seu discurso, o ex-presidente, Dionato de Lima, o Naná, fez um retrospecto da sua gestão como primeiro presidente da Acrqimar e citou as dificuldades. “Hoje estamos em terceiro lugar entre os remanescentes reconhecidos em todo o pais. Se não somos titulados ou não demarcaram nossas terras foi porque esbarramos em alguma coisa. Todos sabem de quem estamos falando”, disse Naná, referindo-se à Marinha, que proibiu a entrada do Incra, na Ilha. “Eu lutei junto com a minha diretoria e estou apoiando a nova gestão, para darmos continuidade a nossa luta”, garantiu o ex-presidente.

Administradora da ilha, Joeci Gomes disse que a prefeitura vai melhorar o atendimento nas áreas de Saúde, educação, além de proporcionar melhores condições para que os moradores exerçam a atividade pesqueira na Ilha da Marambaia.

Já a presidente Vânia Guerra fez questão de ressaltar o importante avanço da comunidade na gestão anterior. “Há dois anos nos reunimos para empossar o primeiro presidente para que fôssemos reconhecidos. Hoje, espero contar não só com a minha diretoria, e sim, com todos e principalmente os. jovens que vão dar continuidade a nossa luta. A Acrqimar é responsabilidade de todos”, lembrou Vânia, depois de receber de Dionato Lima os documentos da entidade, simbolizando a transmissão do cargo. No final, os convidados foram recepcionados num coquetel.

Diretoria

Aloísio Barcelos (Vice-presidente), Alessandra Guerra (1ª Secretária), Fábio Marçal (2º Secretário), Leonardo Sant´ana, (1º Tesoureiro), Lázaro Bruno (2º Tesoureiro), Ademir Sant’ Ana (Presidente do Conselho Fiscal), Jorge Alves (Vice-presidente do Conselho Fiscal), Ana Carla ( Secretária do Conselho Fiscal), José Antonio Alves (1º Diretor Social e Cultural), Maria Conceição Lima (2ª Diretora Social e Cultural), Denílson Juvenal (Diretor de Pesca), Dionato de Lima Eugênio (Conselheiro) e Welington Campos (Assessor da Imprensa).

Liderança estadual destaca a luta dos quilombos

Durante a posse de Vânia Guerra o presidente da ACQUILERJ, Ronaldo dos Santos, falou sobre os 30 anos de luta pelas terras do quilombo Campinho da Independência, em Paraty, do qual faz parte. Ele disse que muitos partiram e não viram a luta chegar ao fim em 1999. “Eu vi o brilho nos olhos do meu avô, que aos 77 anos botava as mãos no título de propriedade das terras. Por mais desanimador que pareça, a luta tem como destino a vitória do quilombola”, disse, incentivando os ilhéus.

Ronaldo dos Santos disse ainda que a comunidade da Marambaia receberá dos computadores que estão guardados no quilombo do Sacopã, no Rio de Janeiro. E já está entrando em contato com a prefeitura de Mangaratiba para fazer o transporte das máquinas. Não é porque a comunidade não tem acesso à energia elétrica que não pode receber os computadores. Pelo contrário, é mais um motivo para acelerar a vinda da energia. A ACQUILERJ é mais uma parceira nessa caminhada rumo à titulação das terras e ao desenvolvimento da comunidade. A Marambaia está se juntando numa luta que não é só da comunidade e sim dos quilombos do Brasil”, conclui Ronaldo.

RJ – Quilombos recebem visita do programa Brasil Quilombola
Comunidades remanescentes de quilombos do RJ recebem visita técnica do programa Brasil Quilombola

Fonte: Seppir e e-mail de Marcio A. Gualberto / Editor de Afirma – Revista Negra Online
Data: 04/05/2005

As comunidades remanescentes de quilombos de Sacopã e da Ilha de Marambaia, no Estado do Rio de Janeiro, recebem nesta semana visitas de técnicos da Subsecretaria de Políticas para Comunidades Tradicionais da Secretaria Especial de Políticas de Promoção da Igualdade Racial (Seppir) da Presidência da República.

As visitas à Sacopã, na terça (3), e Marambaia, na quarta-feira (4), dão andamento às ações do programa Brasil Quilombola, cujo objetivo é o de
resgatar e preservar a identidade e a dignidade das comunidades remanescentes de quilombos, por meio da implantação de serviços de infra-estrutura e do desenvolvimento sustentável.

Representantes de outros órgãos governamentais integrantes do Brasil Quilombola, como o Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (Incra), acompanham as visitas.

No quilombo de Sacopã, a visita também tem o caráter específico de acompanhar o trâmite do processo de usucapião (posse efetiva de bens móveis ou imóveis habitados durante o período de tempo previsto em lei), iniciado pelos moradores na década de 1970.

Encravado em plena zona sul carioca, às margens da Lagoa Rodrigo de Freitas, entre bairros nobres como Ipanema e Leblon, o quilombo Sacopã, apesar de obter uma vitória importante em primeira instância na Justiça, em 2003, teve negado, no último dia 5, em julgamento de segunda instância, o direito às terras habitadas, apesar do amparo legal concedido pelo decreto 4.887, que estabelece a regularização fundiária das comunidades remanescentes de quilombos, concedendo a posse efetiva das terras aos descendentes de quilombolas.

Para José Luiz Pinto Júnior, o Luiz Sacopã, uma das principais lideranças do quilombo, a esperança é de que o julgamento em terceira instância, que ocorrerá no âmbito federal, em data ainda não definida, conceda definitivamente as terras a seus moradores.

“Espero que justiça seja feita. O resultado desfavorável que tivemos este mês foi de uma tremenda covardia. Acredito que o julgamento em Brasília seja mais isento”, afirma Pinto Júnior.

A história do quilombo Sacopã remete ao período final da escravidão, no século 19, quando o casal Maria Rosa da Conceição do Carmo e Manoel Pinto fugiu de uma fazenda de café em Friburgo (RJ) e se refugiou primeiramente no quilombo da Catacumba, nas cercanias da fazenda, e depois no Morro da Saudade, na atual zona sul da cidade do Rio de Janeiro, onde alguns de seus descendentes habitam até hoje.

A trajeória de resistência das cinco gerações da família Pinto, que habitaram a comunidade desde a instalação do quilombo, não se restringiu somente à época da escravidão. Nos anos 1960, eles resistiram também ao processo de remoção de favelas da região. Com a especulação imobiliária, a comunidade vem perdendo espaço para condomínios de luxo. Segundo Leonel Ribeiro, que presta assessoria especial para divulgação cultural aos moradores do quilombo, dos 32 mil m2 originais de área verde, a área da comunidade ocupa atualmente 18 mil2.

Memorial Marambaia

O Memorial da Marambaia foi um seminário fruto de parceria entre KOINONIA e o Ministério Público Federal (MPF) do Rio de Janeiro. Realizado em maio de 2003, o seminário se propôs a apresentar um abrangente painel sobre a situação dos ilhéus da Marambaia, a partir das pesquisas que vinham sendo realizadas pela equipe do projeto Egbé – Territórios Negros e dos depoimentos dos moradores.

O evento reuniu representantes de órgãos públicos do estado e da União (Incra, FCP, MPF, etc.), assim como juristas de expressão nacional ligados ao tema, pesquisadores, advogados, estudantes e representantes do movimento quilombola nacional. Foi necessário um grande esforço de logística para driblar os impedimentos de transporte impostos pela Marinha de Guerra do Brasil, mas ao final isso garantiu que um grande número de moradores da própria Ilha da Marambaia pudesse comparecer. O seminário contou também com a presença de ex-moradores da ilha e moradores de outras comunidades do estado, que foram conhecer e prestar solidariedade aos ilhéus da Marambaia.

Ao lado, você encontra uma edição especial do Informativo Territórios Negros, com os textos de provocação para o Memorial, além da quase totalidade dos depoimentos dos moradores da Ilha durante o seminário, separados em tópicos temáticos.

NÚMERO ESPECIAL DO INFORMATIVO TERRITÓRIO NEGROS – MEMORIAL MARAMBAIA

 

Sobre as Tentativas por Parte da Marinha de Desmoralizar a Comunidade a Formar a Associação

 

  • Dionato (Presidente da ARQIMAR)

“Desde que começou a época de derrubada de casas e a retirada dos moradores da Ilha, nós começamos a procurar os nossos direitos aqui na cidade do Rio de Janeiro. Muitas vezes saímos em grupo para vir aqui na Rua da Assembléia e todas essas vezes fomos bem recebidos. Mesmo assim, continuaram os problemas na Ilha.

Cada vez que vínhamos aqui, dava a impressão de que estávamos incentivando os militares da Marinha. Passamos por todos esses problemas e chegamos a um ponto que cansamos dessa coisa. Então, começamos a pensar em uma associação de moradores. Durante muito tempo, ficamos só pensando e planejando. Uns diziam que não podia, porque a Marinha não deixava ser formada uma associação naquela área, e, com medo, não progredimos até que, em 1990, houve a formação de uma associação que era a Associação dos Amigos da Ilha da Marambaia.

Essa associação não evoluiu e eu não sei o motivo, mas parece que ficou no esquecimento e tinha muita pressão também de alguns da Marinha. O pessoal amedrontado não levou à frente essa associação. Nós, então, vivemos um dilema, pois estávamos com muito medo e receio – ficamos um tempo apreensivos com tudo o que acontecia. Não podíamos ver um militar naquela área, pois quando algum chegava em nossas praias era um terror que nós sentíamos. Todos armados entrando pelos quintais; sentíamos uma coisa muito desagradável.

Felizmente, começamos a procurar as autoridades e encontramos o Dr. Daniel Sarmento, que até hoje nos apóia muito. Procuramos o Dr. Daniel trazendo algumas falhas que existiam lá na Marambaia por intermédio do Bertolino e da Vânia, que saíam mais para se encontrar com ele. Daí por diante, o Dr. Daniel começou a entrar nos problemas e marcou uma reunião com a Comunidade da Ilha da Marambaia.

Nessa reunião, todos foram ao seu encontro no ponto da barca. Dali começou-se a criar uma esperança para essa comunidade. Tocamos no assunto da associação e dissemos que a Marinha não deixava criar essa associação. Então o Dr. Daniel nos encorajou dizendo que a associação poderia ser montada em qualquer lugar do Brasil, que aquilo estava na Constituinte e que não estávamos fazendo nada que desagradasse o Governo ou a quem quer que seja.
Então, dali para cá, nos unimos e nos preparamos para a nossa associação. Trabalhamos muito. Foi e é cansativo, mas conseguimos montá-la. Marcamos uma eleição com duas chapas e, no dia 4 de março, eu concorrendo com a Dona Beatriz e a Dona Sônia, ganhei a disputa, que digo que foi dura, por um voto (risos). Hoje estou aqui para ajudar a comunidade e trabalhar com os moradores. Precisamos do apoio de toda a comunidade para que juntos possamos fazer uma associação com toda a boa vontade mesmo.

O nosso pensamento é lutarmos por melhores condições para a nossa região, trazendo seus moradores para essa participação, incentivando e fortalecendo o espírito comunitário. O objetivo é instituir e executar programas de ação visando à preservação do meio ambiente e dos recursos naturais, bem como do patrimônio histórico e cultural da área. Devemos apoiar e nos filiar a entidades legais e lutar pela união da comunidade com a AOM existente da Ilha. Devemos servir aos interesses da comunidade buscando apenas o necessário a sua sobrevivência e buscando também apoio político externo.

Então, são essas as finalidades em nossa associação. Não temos ainda uma sede para que possamos fazer o nosso trabalho na Ilha da Marambaia. Fazemos as reuniões um dia em uma casa, outro dia em outra, e não sei até quando vamos ficar pulando de galho em galho.

Já fui ao comando da Marinha e levei essas dificuldades. Ele achou muito difícil nos ajudar. Ele disse: “Vocês fazem um projeto e tragam aqui para discutirmos ou vermos o que podemos fazer. Ou, vocês escolhem, se tiver uma casa vazia, sem moradores, vocês vão fazendo as reuniões de vocês nessa casa vazia.” Depois ele falou: “Vocês vão ter que esperar até que tudo fique acertado entre a comunidade e a justiça.” Disse para ele que estava tudo bem e que já sabia que não teríamos nossa associação tão cedo. “O senhor deseja mais alguma coisa?”, ele me perguntou. “Não, não senhor; o senhor já me disse tudo.” Agradeci e fui embora.

Então, são esses impasses que acontecem na Ilha da Marambaia. Às vezes, sofremos tanta pressão que pensamos que estamos sozinhos. “Será que não tem ninguém para nos ajudar?”, pensamos essas coisas.
Contudo, algumas pessoas chegam e dizem que temos, sim. O nosso problema a gente entrega na mão de Deus e alguém há de olhar por nós também. Estamos levando esse programa adiante, com muita força de vontade, e iremos erguer essa associação com tudo o que tem direito, nem que tenhamos que pedir pelo mundo afora, mas a nossa associação, desta vez, não cairá. Só isso.”

  • Adriano (Ex-morador da Ilha)

>”Ao ouvir a explanação do Naná (Dionato), quando disse que o contato que teve com a Marinha resultou em uma negativa com relação à construção de uma sede, fiquei muito preocupado, pois, como foi dito antes, nós já sabemos que a Marinha é especialista em usar esse tipo de estratégia.

Não estariam eles tentando desmobilizar toda a comunidade no sentido de que, já que não existe um lugar para reuniões, automaticamente este movimento vai se enfraquecer? Antes apareciam 70 pessoas, depois o número cai para 20 ou 30 até acabar, como acabaram as outras. Então, o meu apelo é que todos os presentes que estarão voltando para a Marambaia levem isso bem firme na cabeça. Fizemos várias reuniões na Marambaia sem sede e compareceram muitas pessoas. Enquanto não existir sede, vamos fazer na sombra de uma árvore ou onde quer que seja, mas não deixem de se reunir, simplesmente porque não existe uma sede.

Essa é minha preocupação porque pode ser uma estratégia para dificultar até que nós desistamos. Então, as 30 ou 40 pessoas que estão aqui devem levar essa mensagem para os outros que não puderam vir e reforçar este apelo.”

  • Sônia (Membro da ARQIMAR)

“Gostaria de relatar um episódio. Terça-feira estive na Sala de Inteligência da Marinha para pegar a minha documentação, no caso, um comprovante de residência. Passei minhas informações e a do meu pai também. Então, eles disseram que para fazer a declaração de residência precisávamos especificar para quem e para que fim, por exemplo, Hospital de Mangaratiba. A Marinha não dá comprovante de residência único para todos os fins, pois assim ficamos submissos a eles.

Eu falei para ele que não precisava especificar o fim e que queria um papel que servisse para qualquer lugar que eu fosse. Ele falou que não podia. Então, eu disse que era uma componente da Associação e que queria um comprovante de residência para me registrar na Associação.
A minha casa é ao lado da minha sogra, parede com parede, então o meu número é o mesmo da minha sogra, sendo que a minha família é uma e a família dela é outra.

Ele falou que pela lei eu não tinha casa. Eu respondi que a casa da minha sogra era a 84A e a minha 84B. Ele falou: “A senhora sabe que não tem casa. E tem outra coisa: agora em julho, vão vir uns papéis de uma juíza.” Ele começou a falar umas abobrinhas e continuou falando que, se já não temos casa atualmente, futuramente menos ainda, porque uma advogada já estava tomando conhecimento e, com certeza, na Marambaia não ficaria nenhum morador.

Eu respondi: “Quando acontecer isso, nos prove, pois estamos lutando pelo contrário. Estamos lutando pelo nosso direito, se é que você não sabe.”

Sou uma das pescadoras de garoupa. Estou falando em público. Não tenho medo, porque se não abrirmos a boca, não chegaremos a lugar nenhum. Então, estávamos lá, eu e mais algumas pessoas. Não sei se elas vão querer assumir, e os militares estavam colocando em letras bem grandes: “afastem-se da área militar”. Nunca houve isso lá nesses anos todos, somente após a Associação.”

Sobre o Impedimento a Práticas de Subsistência e à Pesca Feita por Nativos

  • Dionato (Presidente da ARQIMAR)

“Venho com uma denúncia: é que lá na Ilha da Marambaia, o Dr. Daniel Sarmento já foi lá – parece-me que duas vezes -, nós sentimos que estamos bem apoiados e que tudo vai correr bem conosco. Só que, quando se passa algum tempo, tudo começa a voltar ao que era.

Tenho uma denúncia que vem dos pescadores de garoupa, que pescam de caniço. Voltando de uma pesca, se encontraram com dois militares na praia do Sino. Essa praia fica a mais ou menos uma hora e meia do CADIM. Esses dois militares disseram que eram do Serviço de Inteligência e começaram a fazer perguntas. Nessa praia, tinha uma rede armada no mar. Os pescadores deixam essa rede de um dia para o outro para o peixe bater na rede e ficar preso. A rede era de um senhor que já tem setenta e poucos anos. Eles disseram que aquela rede não podia ficar ali. Então, os pescadores começaram a debater com eles, e eles disseram que iam tirar a rede do mar e botar na praia. Os militares mandaram tirar, mas eles não tiraram, e então os dois disseram que ali não poderiam mais colocar a rede.

Tem o ranchinho também. No caso, o carro é guardado na garagem e onde se guarda a canoa chamamos de rancho. Então, existe lá um rancho há muitos anos. Eles disseram também que aquele rancho estava fora do regulamento da Marinha. O rancho que já existia antes da Marinha chegar na Ilha da Marambaia.

Esta é uma praia que não é freqüentada e as pessoas só vão para passear. Eles alegaram que ali é uma área de desembarque. Agora, desembarque de quê?”

  • Sônia (Membro da ARQIMAR)

“Gostaria de também relatar esse episódio em que um militar falou que ia tirar a rede do meu tio. Eu perguntei: “Por que vai tirar?”. “Porque isso é uma área na qual há desembarque”, ele respondeu. Nunca houve desembarque ali. Também não atrapalha as embarcações, porque a rede do meu tio fica bem perto do mar. Ele falou que ali era uma área que não poderia ficar mais rede nenhuma. Comentei com o meu tio que ficou aborrecido e disse que só se a Marinha o chamasse.

Eu e outros apelamos e pedimos para que não tirassem a rede. Então, o militar falou que não ia tirar, mas que seria bom que fosse até a Sala de Estado e comunicasse ao comandante que é ele que vai dar uma ordem para tirar o rancho onde se guardam as canoas e as embarcações.

Depois, ele disse que ia tirar sim. Eu disse que aquilo era um abuso, uma afronta, que nunca houve isso e que não era justo que ele fizesse isso com um homem de setenta e poucos anos. Ele falou que naquele dia não ia tirar a rede, mas que, no dia seguinte, se encontrasse a rede ali, com certeza tiraria. Falei: “Bem, vamos ver; fica a seu critério.” Perguntei se foi por ordem do comandante e ele não disse nada.

No dia seguinte, falei para ele que o que eu queria que ele fizesse não era tirar a rede dos pescadores que estavam ali, mas sim tirar as lanchas que vão aos finais de semana, de sexta a domingo, com pessoas que têm condições. Com suas lanchas enormes, vão pescar e nos tiram o direito de pescar, porque são mais de 15 lanchas. Nós, com nossos pequenos caniços em cima da pedra, contra eles, mergulhando. Vão tirar o que, por direito, é nosso, então nós perdemos. O que vem para nós é o mínimo, e eles saem de lá com o que eu acho que é nosso.”

  • Vânia Guerra (Membro da ARQIMAR)

“Como os senhores estavam falando, a nossa luta tem sido muito restrita. Só agora estamos tendo capacidade de falar, porque estamos sendo ouvidos. Não era falta de capacidade de nossa parte, mas sim falta das leis que não nos abrangiam e que não nos tomavam em conta, porque vivíamos às margens do Brasil, como tantos outros. Apesar de nos dizerem “não, vocês não vivem mais às margens”, estamos sempre às margens.

Na Ilha de Marambaia, não existe mais a economia de subsistência, porque não nos permitem mais plantar. Mesmo assim, quando existia roça e a Marinha assumiu, os roçados eram depredados pelos militares, que colhiam e diziam que eram deles, porque estávamos usando as suas terras. Então, não tivemos mais condições de plantar. Com certeza, depois de ouvir o professor, fiquei entendendo que isso é um meio de nos manterem num cercado, porque ficaríamos dependendo deles.

Por outro lado, todos os materiais que tínhamos para promover a nossa subsistência foram destruídos. Como o Dionato, presidente da nossa Associação, falou sobre a pesca da praia do Sino, outras embarcações também ficam à mercê do tempo, pois não podem fazer rancho.

Também não podemos fazer as nossas casas. A minha, por exemplo, está caindo. Uma senhora já perdeu a casa e se encontra embaixo de tenda. A Marinha cedeu uma barraca e ela está lá debaixo. A casa despencada de um lado e ela no quintal sob a tenda da Marinha. E sempre nos é alegado a liminar da doutora Lucy Costa.

Além disso, não temos mais as casas de farinha. As únicas que restaram foram queimadas, mas ninguém de nós vai lá na Sala de Estado ou vem aqui dizer: “nós vimos militares queimando”. Não iremos lá e nem aqui, perante os senhores, não vamos dizer. Quem viu não vai dizer. Quem viu vai contar para a gente, mas quem vai nos garantir que ele vai vir aqui afirmar? Então, nós não vamos dizer como foi que a casa de farinha queimou.”

 Sobre a Violação do Direito à Educação

 

  • Sônia (Membro da ARQIMAR)

“Com relação à escola, eu não acho que só a Marinha é culpada. É meu ponto de vista. Acho que a prefeitura também tem culpa, porque, se o colégio é da prefeitura, então o prefeito é que tem que tomar a iniciativa e lutar por isso. A escola não é da prefeitura? Por que ele não coloca melhores condições?

O prédio da escola é da Marinha, mas e as merendas e as coisas que estão faltando? Não é o governo, não é a prefeitura que tem que fazer isso? Então, temos que correr atrás, porque nossos filhos também estão passando por esse problema.

A nossa professora, às vezes, pede para as mães falarem sobre o que está acontecendo; sobre o que elas querem que melhore. Nós recorremos, então.
Nós não temos recursos. Outros colégios têm ótimas merendas, têm psicólogos. Nossos filhos também precisam de tratamento dentário; nossos filhos também têm problemas de vista. Mas não somos atendidos em nada do que pedimos, por quê?

Já vi o prefeito ficar a metros de distância porque ele não podia entrar na Ilha da Marambaia. Ficou do lado de fora, escoltado, enquanto sua esposa foi dar para gente as cestas básicas.

Isso acontece de ano em ano, e o prefeito passeando de lancha porque não podia entrar na Ilha. Acho isso o cúmulo! Se temos que falar, vamos falar. Eu luto desde 1990, saindo grávida para várias reuniões, e praticamente criei meus filhos em embarcações. Promovia, corria. Existem fotos provando que lutávamos mesmo?”

  • Vânia Guerra (Membro da ARQIMAR)

“Anos atrás, nós moradores, junto com a então diretora da Escola Levy Miranda, que está aqui presente, e com outros professores, lutamos para conseguir o Ensino Fundamental completo. Isso foi em 1998. De lá para cá, não temos nenhuma visão de melhoramento, porque é muito difícil para esses professores manter o ensino… Não por culpa deles, mas por vários fatores que sabemos. Temos que ser ajudados!

O município tem uma responsabilidade muito grande conosco, porque a Marambaia faz parte dele, mas há grandes impedimentos que não deixam chegar essas ajudas. Nenhuma dessas ajudas chega nem para a escola, nem para o hospital, nem para lugar nenhum. Não nos chega ajuda alguma. Podemos dizer: “Não, não estamos de braços cruzados” ou “Estamos aceitando…”. Não, não estamos aceitando, mas, por hora, para onde vamos correr? Graças a Deus, estamos aqui e podemos ser ouvidos, mas o quanto isso nos custou e o quanto isso ainda pode nos custar, principalmente ao voltarmos para casa? É muito fácil estarmos aqui falando, mas a questão vai apertar quando chegarmos lá (na Ilha), porque é como se saíssemos aqui do mundo, entrássemos em outro e a cortina fosse fechada.

Os senhores aqui não sabem e nem têm como saber o que está acontecendo com a gente lá na Ilha. Então, de certa forma, não que tenhamos medo de falar, mas tememos pelos outros que deixamos lá; mas ainda assim estamos aqui. Os senhores imaginam quantos queriam estar aqui, mas o medo não deixou estar.

É por isso que a gente precisa ter mais confiança no Governo e, como se falou, se a gente tem que esperar alguém para dizer quem somos para tomar alguma resolução…

Só queria passar um pouco da situação da Marambaia aos senhores.”

 

Sobre o Transporterestrições ao direito de ir e vir

 

  • Joeci (Membro da ARQIMAR)

“Exemplo do que ocorre na Ilha é o caso de hoje. A gente saiu para vir ao seminário numa embarcação que a KOINONIA nos cedeu e o oficial de serviço pegou o nome de todos os moradores que estavam saindo. Isso é normal? Não era embarcação deles, mas uma embarcação alugada para pegar a gente.”

  • Adriano (Ex-morador da Ilha)

“Eu participei junto da comunidade naquela visita que a Promotoria fez à Ilha da Marambaia quando, na oportunidade, o Comandante justificou que não se pretendia impedir a saída de ninguém ou qualquer coisa parecida e nem dificultar os estudos. Mas, ao ouvir a fala da Jô, a colega que disse que a Marinha pega a relação das pessoas que estão saindo mesmo em barcas particulares, o que a gente sente? Que existe de forma velada uma tentativa de intimidação. Não tenho uma pergunta, eu só quero aproveitar este momento para falar sobre como a comunidade pode transpor essas barreiras, porque, se eles agem dessa forma, muitas pessoas numa próxima oportunidade talvez deixem de comparecer, alegando: “Meu nome ficou preso lá no comando, eu posso sofrer algum tipo de sanção.” Mas vocês estão realmente de parabéns – continuem participando e buscando o objetivo de vocês, que é o nosso também. Só para não me estender, todos nós passamos por situações tão constrangedoras quanto essa questão da embarcação, de entrada na Ilha e outras coisas. Na minha própria casa, recolheram telhas que eles nem compraram, foram compradas com o suor do meu pai e de meus irmãos que trabalhavam na Ilha. Com que direito recolheram essas telhas, não sei, isso é só um exemplo.”

 

Outros Tipos de Constrangimentos

  • Sônia (Membro da ARQIMAR)

“Quando a gente pensava que não tinha solução, eu entrava em desespero.
Tem uma pessoa aqui que é da Igreja Batista, que é o Ademir Santana, que me cortou o coração, quando nessa luta eu falei: “Gente, acho que vamos perder até o direito a nossas casas.” Chorando, ele falou: “Sônia, me sinto um peixe fora d’água.”

Quando a Marinha colocava nossas casas na Justiça, isso nos cortava o coração. Era um corre-corre, pois não cuidava dos meus filhos. Tinha filho pequeno, pedia para a minha sogra cuidar do meu filho, porque eu ia sair.

Dependia do padre Galdino, que foi uma bênção em nossas vidas. Não queria mencionar isso, mas o capelão da Marambaia, não vou citar o seu nome, foi quem nos deu todo o apoio possível.

Na época do padre Galdino, ele nos dava todo o apoio e falava que nós não podíamos deixar a Ilha porque a Ilha não era da Marinha. “Quando a Marinha veio para cá vocês já existiam”, ele dizia.

Teve uma casa que foi demolida, embora a pessoa negue. A Alessandra, eu lamento, mas não sei esconder nada. Eu sou clara, mas ela se nega a entregar uma fita que mostra a casa sendo demolida e os marinheiros armados, com armas em punhos. As pessoas fotografavam e eles quebravam as máquinas, tiravam os filmes e não permitiam que fotografássemos ou filmássemos.

Então é isso. Estou fazendo um apelo. Que as pessoas da igreja, que têm contato com ela, conversem com ela para que ela venha mostrar essa fita. Essa fita é importante. Que venha mostrar verdadeiramente a coisa. Não é para ficar ocultando o que se passa porque, ao fazer isso, nós estamos perdendo tempo. Nós não vamos ganhar nada com isso e, para que nós venhamos a ganhar essa luta, temos que mostrar tudo o que temos. E só isso.”

  • Vânia (Membro da ARQIMAR)

“Para a reflexão de todos ainda tenho alguma coisa da minha comunidade para deixar presente: é a questão do que é real ou irreal. A invasão da Ilha com os comentários da Marinha é no sentido de que, se nos organizarmos e tomarmos posse das nossas vidas, seremos donos do nosso destino, como estamos querendo. Isso nos valeria a perda da Ilha, porque nos deixarão sós e qualquer um vai invadir, como já foi dito aqui.

Também já foi falado sobre as pessoas que moram próximas ao quartel. É bom que fique claro também que essas pessoas recebem, no mínimo, R$ 40,00 por mês para trabalharem o mês inteiro. Muitas dessas pessoas recebem.
Outra coisa que nos preocupa, enquanto ARQIMAR, é o fato de nossas relíquias históricas estarem sendo tiradas. Foram retiradas sem o nosso conhecimento. Foram tiradas as pedras, foram cortadas e levadas por arqueólogos.

Outra coisa também está relacionada às leis municipais. Alguns falam “é município, pertence à Mangaratiba”, “estamos sob as normas e as leis de Mangaratiba”. Isso não parece verdade, pelo menos no fato ligado às entregas das placas solares. Elas não nos foram concedidas porque a Marinha não permitiu que Mangaratiba implantasse na Ilha o sistema de placas solares. Por isso, ficamos sem esse beneficio do Governo.”

“Outro fato também, Dr. Daniel, é aquilo que o senhor falou de ter ouvido comentários de que não ganharia a luta nos defendendo. Também ouvimos que não adianta nada a luta contra a União, porque nunca ninguém ganhou. Dizem que nós não venceremos e que não adianta a Justiça dali, esse grupo dali, porque ninguém ganha da Marinha. Claro que isso é por deboche. A gente sabe que é um meio de tentar nos fazer recuar, mas é bom deixarmos claro que isso acontece com freqüência.

Outra coisa: também há arbitrariedades. Um fato muito grave que aconteceu na Ilha foi na ocasião da morte prematura de um militar. Vieram outros militares e tiraram nativos de suas casas para depor sobre essa morte sem que esses nativos soubessem nada a respeito. Ninguém nos passou o motivo disso. Peço que a mesa nos oriente mais um pouco sobre isso, porque precisamos desse tipo de orientação. Como é sabido, ficamos lá como se estivéssemos entre quatro paredes.

Outra coisa que nos deixa à mercê da Marinha é a falta de conhecimento, pois, como não temos condições de estudar, o ensino é mínimo e os senhores já sabem das dificuldades. Toda nossa forma de organização assusta muito e cada morador interpreta de maneira às vezes razoáveis e outras não.”

 

 

Outros Tipos de Constrangimentos

 

  • Sônia (Membro da ARQIMAR)

“Quando a gente pensava que não tinha solução, eu entrava em desespero.
Tem uma pessoa aqui que é da Igreja Batista, que é o Ademir Santana, que me cortou o coração, quando nessa luta eu falei: “Gente, acho que vamos perder até o direito a nossas casas.” Chorando, ele falou: “Sônia, me sinto um peixe fora d’água.”

Quando a Marinha colocava nossas casas na Justiça, isso nos cortava o coração. Era um corre-corre, pois não cuidava dos meus filhos. Tinha filho pequeno, pedia para a minha sogra cuidar do meu filho, porque eu ia sair.

Dependia do padre Galdino, que foi uma bênção em nossas vidas. Não queria mencionar isso, mas o capelão da Marambaia, não vou citar o seu nome, foi quem nos deu todo o apoio possível.

Na época do padre Galdino, ele nos dava todo o apoio e falava que nós não podíamos deixar a Ilha porque a Ilha não era da Marinha. “Quando a Marinha veio para cá vocês já existiam”, ele dizia.

Teve uma casa que foi demolida, embora a pessoa negue. A Alessandra, eu lamento, mas não sei esconder nada. Eu sou clara, mas ela se nega a entregar uma fita que mostra a casa sendo demolida e os marinheiros armados, com armas em punhos. As pessoas fotografavam e eles quebravam as máquinas, tiravam os filmes e não permitiam que fotografássemos ou filmássemos.

Então é isso. Estou fazendo um apelo. Que as pessoas da igreja, que têm contato com ela, conversem com ela para que ela venha mostrar essa fita. Essa fita é importante. Que venha mostrar verdadeiramente a coisa. Não é para ficar ocultando o que se passa porque, ao fazer isso, nós estamos perdendo tempo. Nós não vamos ganhar nada com isso e, para que nós venhamos a ganhar essa luta, temos que mostrar tudo o que temos. E só isso.”

  • Vânia (Membro da ARQIMAR)

“Para a reflexão de todos ainda tenho alguma coisa da minha comunidade para deixar presente: é a questão do que é real ou irreal. A invasão da Ilha com os comentários da Marinha é no sentido de que, se nos organizarmos e tomarmos posse das nossas vidas, seremos donos do nosso destino, como estamos querendo. Isso nos valeria a perda da Ilha, porque nos deixarão sós e qualquer um vai invadir, como já foi dito aqui.

Também já foi falado sobre as pessoas que moram próximas ao quartel. É bom que fique claro também que essas pessoas recebem, no mínimo, R$ 40,00 por mês para trabalharem o mês inteiro. Muitas dessas pessoas recebem.
Outra coisa que nos preocupa, enquanto ARQIMAR, é o fato de nossas relíquias históricas estarem sendo tiradas. Foram retiradas sem o nosso conhecimento. Foram tiradas as pedras, foram cortadas e levadas por arqueólogos.

Outra coisa também está relacionada às leis municipais. Alguns falam “é município, pertence à Mangaratiba”, “estamos sob as normas e as leis de Mangaratiba”. Isso não parece verdade, pelo menos no fato ligado às entregas das placas solares. Elas não nos foram concedidas porque a Marinha não permitiu que Mangaratiba implantasse na Ilha o sistema de placas solares. Por isso, ficamos sem esse beneficio do Governo.”

“Outro fato também, Dr. Daniel, é aquilo que o senhor falou de ter ouvido comentários de que não ganharia a luta nos defendendo. Também ouvimos que não adianta nada a luta contra a União, porque nunca ninguém ganhou. Dizem que nós não venceremos e que não adianta a Justiça dali, esse grupo dali, porque ninguém ganha da Marinha. Claro que isso é por deboche. A gente sabe que é um meio de tentar nos fazer recuar, mas é bom deixarmos claro que isso acontece com freqüência.

Outra coisa: também há arbitrariedades. Um fato muito grave que aconteceu na Ilha foi na ocasião da morte prematura de um militar. Vieram outros militares e tiraram nativos de suas casas para depor sobre essa morte sem que esses nativos soubessem nada a respeito. Ninguém nos passou o motivo disso. Peço que a mesa nos oriente mais um pouco sobre isso, porque precisamos desse tipo de orientação. Como é sabido, ficamos lá como se estivéssemos entre quatro paredes.

Outra coisa que nos deixa à mercê da Marinha é a falta de conhecimento, pois, como não temos condições de estudar, o ensino é mínimo e os senhores já sabem das dificuldades. Toda nossa forma de organização assusta muito e cada morador interpreta de maneira às vezes razoáveis e outras não.”

 

Sobre o Meio Ambiente

  • Adriano (Ex-morador da Ilha)

“Em relação ao meio ambiente, ele sempre foi muito respeitado, seja no aspecto da pesca ou da roça. Está aqui o Joel, um dos mais antigos da nossa comunidade, para comprovar… Existiam períodos certos para pescar determinado tipo de peixe e com um determinado tipo de rede. Hoje, com todo o rigor, os pescadores que não têm condição de sair da área. Embarcações tipo canoa ou lanchas pequenas estão sendo prejudicadas pela pesca predatória, porque as grandes embarcações arrastam a noite inteira com qualquer tipo de rede sem fiscalização nenhuma. É isso o que realmente está destruindo.

A relação nativo da Marambaia/meio ambiente era uma relação harmoniosa. Essa questão de preservação não veio depois; ela antecedeu à Marinha em muito tempo. Era só este aparte que eu queria fazer.”

  • Xilo (Membro da ARQIMAR)

“Voltando ao assunto meio ambiente. Há uns meses, fui procurado por dois fiscais do Ibama. Chegaram com um suboficial da Marinha e me foi feita a seguinte pergunta: “O que os senhores fazem com o lixo doméstico?” Respondi: “Nós queimamos, porque não temos como retirar o lixo ou outro meio de consumi-lo.” Então, ele me acompanhou até a praia e ficou olhando alguns objetos jogados na areia: garrafas plásticas, copos plásticos, etc.

“Vocês fazem isso aí? E isso aí jogado?”, ele perguntou. “Isso não é problema nosso. São as visitas que chegam daí do quartel que passam no mercado, compram o refrigerante, colocam na sacola e levam para as praias. Depois vão embora e deixam lá. Os cachorros vêm, rasgam as bolsas e sacolas plásticas e o lixo se espalha pela praia toda”, eu respondi.

No regresso, um dos fiscais perguntou para o suboficial: “E aquela lixeira que tem lá atrás?” O suboficial disse: “Ah, é da Marinha. Nós já avisamos, é do Comandante, mas o Comandante não retira.” Quer dizer, a maior agressão ao meio ambiente eles é que fazem.

Qualquer pessoa que for lá a qualquer hora vai ver que existe lixo na mata toda ali atrás de onde eu moro. Naquele campo, é um monte de lixo aqui, outro lá, uma lixeira queimada lá. Aquilo é um desastre total para a natureza.

Todo o material que dificilmente será consumido em poucos anos eles jogam ali. Para as pessoas, eu creio que eles passam o seguinte: “Isso é lixo dos moradores.” Não somos nós; são eles mesmos. Que isso fique bem claro! Fiz questão de tocar nesse ponto porque para todos que vão lá os remanescentes é que fazem a destruição, mas são eles que não têm escrúpulos de onde jogar o seu lixo. Jogam em qualquer canto. Na Ilha tem vários lugares em que existe foco de lixo jogado na mata, dentro da mata. É isso.”

Relatórios de KOINONIA

Em fins de 2001, o Ministério Público Federal (MPF) do Rio de Janeiro solicitou que o projeto Egbé – Territórios Negros fornecesse informações tecnicamente embasadas sobre a situação da Ilha da Marambaia, que vinha sendo acompanhada pela instituição desde o ano anterior. Assim teve origem um primeiro relatório sobre a Marambaia, entregue ao MPF no início de 2002. De posse desse relatório preliminar, o MPF moveu uma Ação Civil Pública contra a Marinha de Guerra e a Fundação Cultural Palmares (FCP), exigindo da primeira a suspensão das ações (físicas e jurídicas) contra os moradores e da segunda a realização dos estudos necessários à verificação da aplicabilidade do artigo constitucional 68 do ADCT à comunidade da Marambaia.

Em 2002, o projeto Egbé – Territórios Negros recebeu nova solicitação, agora da própria FCP, para realizar o “laudo antropológico” exigido pela Ação Civil Pública. Uma série de contratempos administrativos internos à FCP fez com que esse trabalho só fosse iniciado em março de 2003 e finalizado em dezembro do mesmo ano.

Laudo Antropológico (2003)

Relatório Preliminar sobre a Ilha da Marambaia (2002)

Textos

 

Esta seção tem por objetivo apresentar textos acadêmicos e reportagens, incluindo também o discurso feito no dia da posse do então presidente da Associação de Moradores da Ilha da Marambaia de forma a ressaltar eventos ou aspectos pontuais da trajetória da luta dos ilhéus.

Discurso do Presidente da Associação de Moradores da Ilha no dia de sua Posse 04/05/03
por Dionato Lima

Desde 1990, momento em que se se fundou a “Amadim” (Associação dos moradores e amigos da ilha da Marambaia), começamos a ter consciência de nossos direitos e deveres. O fato de vivermos as margens da sociedade brasileira, mergulhados no analfabetismo, nosso grande impedimento para que conhecêssemos as leis que nos abrangiam, fez com que nos tornássemos um povo desconhecido, e assim ignorávamos tudo o que poderia ser feito por nós em nosso benefício.

Foi um momento em que nos faltou capacidade para que obtivéssemos êxito e várias foram as causas: o desconhecimento (já citado), a falta de interesse de muitos de nossa comunidade e também a ausência de instituições que nos apoiassem. Isso só fez com que adiássemos nossas ações.

E assim continuamos lutando para termos meios e modos de vida mais dignos. Apesar das dificuldades estamos dispostos a cumprir com nossos deveres, sem com isso, jamais deixar de lados os nossos direitos: direito de melhores condições de habitação, ensino, saúde e meios de nos sustentar.

Hoje, em 2003, nossos anseios são mais claros. Nossa comunidade quer deixar a condição de ignorante para que não seja ignorada e se une em busca do bem comum.

Por isso, no presente momento fundamos a ARCQMAR – Associação da Comunidade dos Remanescentes de Quilombo da Ilha da Marambaia – como compromisso de permanecer em nossa ilha com laços culturais próprios deixados pro nossos antepassados há mais de séculos e cooperar com as autoridades locais e do nosso país para conservar, de modo a não manchar a imagem da nossa Ilha, pois do contrário não seríamos dignos de sermos filhos do lugar.

A nossa intenção, enquanto ARCQMAR, é trabalhar em conjunto com a ‘O.M.’ estabelecida, abrindo assim um canal de comunicação e ação permanente, em que as regras sejam claras para ambos os lados.

O “quilombo-como-metáfora” e a Marambaia
por José Maurício Andion Arruti

A intenção original deste artigo era realizar uma espécie de “balanço” da questão quilombola, justamente em mais uma semana dedicada à memória de Zumbi. Uma questão de fundo, porém, parece-me fundamental, antes de propormos novos balanços: todo esforço de análise é, simultaneamente, uma forma de aproximação e de distanciamento dos objetos e situações sociais. Tal distanciamento, por sua vez, é tanto uma exigência metodológica quanto – não podemos negar – uma forma de restituir nosso conforto diante da miséria do mundo e da política, já que as explicações que forjamos para elas nos trazem a sensação de podermos domesticá-las.

A ambigüidade desse distanciamento, entretanto, tem sido especialmente marcante com relação ao tema dos remanescentes de quilombos, e para a qual as efemérides do 20 de novembro têm contribuído de forma contraditória. A incorporação do quilombo como metáfora pelo movimento negro brasileiro em fins dos anos de 1970 foi um dos recursos que lhe permitiram definir uma estratégia narrativa e identitária assentada no contexto histórico nacional. Por isso, o quilombo-como-metáfora fez uma brilhante carreira ao longo de toda a década de 1980, culminando consagração oficial do dia 20 de novembro, na eleição de Zumbi como herói nacional e nos trabalhos da Assembléia Nacional Constituinte, onde ele foi absorvido em dois locais: o artigo 216, do capítulo da Cultura, e o artigo 68 do Ato das Disposições Constitucionais Transitórias.

Lembremos que a proposta inicial era a de um único artigo, que tombasse os “documentos e sítios históricos” relativos a “antigos quilombos”, assim como legalizasse as terras dos seus remanescentes. A primeira parte da proposta foi plenamente absorvida no texto constitucional, mas aquela que falava na propriedade da terra teve de ser excluída do corpo principal do documento para poder sobreviver. Saía reforçada a idéia de que a cultura e, portanto, o plano do simbólico, parece se desenhar o círculo de giz dentro do qual o Estado brasileiro concede admitir algum tratamento para a questão racial.

Mas, mesmo a proposta relativa à terra dos remanescentes de quilombos havia sido feita sob o quase absoluto desconhecimento da realidade representada pela população negra rural. As exceções eram três ou quatro comunidades que haviam alcançado algum espaço na mídia, como “pedaços da África no Brasil”. Mais uma vez, uma forma metafórica de se referir ao tema, que o empurra para dentro daquele círculo de giz onde, infelizmente, a maior parte da militância social continua a manter o tema das comunidades negras rurais. Vistas como realidades distantes e arcaicas, elas muito dificilmente conseguem romper a barreira imposta pelos calorosos debates em torno das “cotas”, como se estas encerrassem todo o universo de possibilidades aberto pelo tema das ações afirmativas.

Realizar balanços anuais ou decenais, nesse caso parece muito funcional à ambigüidade deste distanciamento, que atribui importância apenas simbólica às comunidades negras rurais. Continuar falando do crescimento numérico desses grupos, quase sempre com base em estimativas nacionais confusas, que não fazem justiça à seriedade dos levantamentos que vêm sendo feitos em diversos estados; continuar discutindo as barreiras legais e administrativas impostas pelo governo FHC à regularização dessas terras; parece um esforço vão se, na prática, esses grupos continuam sendo percebidos no mesmo registro do quilombo-como-metáfora.

Por isso, em lugar de um balanço – de qualquer forma, ainda necessário – gostaria de apresentar um dos casos de violência, nada metafórica, contra comunidades negras rurais com os quais temos contato direto no Rio de Janeiro, estado que é berço de um vigoroso movimento negro urbano.

Trata-se da situação vivida pela população negra da Ilha da Marambaia, localizada no município de Mangaratiba, litoral sul do Rio de Janeiro, em uma área considerada de Segurança Nacional e controlada pelo Centro de Adestramento da Marinha (CADIM) desde 1971. Era na Marambaia que o importante proprietário de fazendas e traficante de escravos, o “senhor Breves”, desembarcava clandestinamente os africanos recém-chegados e depauperados, antes de serem vendidos para outras fazendas ou de passarem a trabalhar na produção de cana da própria Ilha.
A grande maioria dos atuais moradores da Ilha, que somam cerca de 90 famílias, descende diretamente daqueles negros africanos. Sua tradição local diz que, pouco antes de morrer, o “sr. Breves” teria doado verbalmente cada praia da Ilha a um grupo de famílias de ex-escravos, mas essa doação nunca foi formalizada. Mesmo assim, com a falência da família Breves, aquelas famílias negras permaneceram na posse plena da Marambaia durante aproximadamente 50 anos, até 1939, quando é instalada uma escola de pesca na Ilha. Mesmo aí, no entanto, a posse pacífica dos moradores sobre suas praias e sobre os trechos interiores, onde cultivavam gêneros, não foi descontinuada.

Essa realidade mudaria radicalmente apenas depois de 1971, quando a escola foi fechada e a Ilha foi entregue ao Ministério da Marinha. Desde então, os moradores da Marambaia são submetidos a constrangimentos e a restrições de uso do espaço e do direito de ir e vir. Além de perderem serviços públicos como a escola e o hospital, foram proibidos de manter roças e de construir ou reformar suas casas. Finalmente, a partir de 1998, começaria o processo de expulsão dos moradores que ainda resistiam a sair da Ilha. Em diversas ações judiciais, a Marinha os acusa de serem invasores da Área de Segurança Nacional, dedicada aos exercícios militares das armas brasileiras (e convidados, como os Marines americanos), além de balneário de uso privativo das forças armadas (e convidados, como o ainda presidente FHC).
A capacidade de se impor a esta situação é muito limitada por parte dos moradores, na sua maioria não-alfabetizados, sem acesso à advogados e limitados no contato com o continente às peixarias que comercializam o produto de seu trabalho. Mesmo aqueles que, entre eles, têm condições de se apresentar como um representante da vontade coletiva, acaba recuando diante da ameaça velada de ser incluído na lista de expulsões.

Em 1999, a Diocese de Itaguaí documentou a situação e se manifestou publicamente, enviando correspondência para várias autoridades estaduais e federais. Como resultado, a Fundação Cultural Palmares (FCP) enviou uma advogada ao local, mas esta foi impedida pela Marinha de entrar em contato com a população da Ilha e nunca mais foi feita outra tentativa. Depois disso, o silêncio voltou a cobrir o caso, enquanto as ações de expulsão eram retomadas.
Foi só em fevereiro de 2002 que o Ministério Público Federal (MPF), sustentado em uma pesquisa de cerca de dois anos, moveu uma Ação Civil Pública contra a União e a FCP, solicitando a identificação daquela população como remanescente de quilombos e a delimitação, demarcação, titulação e registro imobiliário das suas terras no prazo de um ano. Solicitava ainda que, durante esse prazo, a União tolerasse a permanência dos moradores e se abstivesse de qualquer medida visando a retirada dos mesmos, ou a destruição ou danificação de suas casas e construções (como vinha ocorrendo), assim como que respeitasse o direito desses moradores cultivarem suas roças, reformarem ou ampliarem suas casas.

A decisão da justiça confirmou a obrigação da FCP em encaminhar o processo de identificação do grupo segundo o artigo 68 do ADCT e garantiu as citadas salvaguardas à população da Marambaia, ainda que tenha negado outras, como as que garantiriam o retorno dos moradores já expulsos e a construção de novas casas para seus descendentes. Com isso, parecia ter-se aberto uma fresta de esperança nessa história de mais de 30 anos de repressão, que ainda hoje, dada a onipresença dos militares, inibe os moradores de realizarem a mais simples reunião comunitária. Este avanço, porém, está sendo negado, na prática, pelo comando do CADIM. O controle exercido sobre as famílias da Marambaia, que lhes mantém em isolamento e ignorância, parece desobrigar o comando militar do cumprimento das decisões da justiça ou, ao menos, lhes dar uma margem bastante ampla de interpretação dessas decisões.

Há pouco mais de uma semana, uma moradora saiu da Ilha no barco da Marinha (único transporte público permitido na ligação com o continente) para fazer compras e levar seus filhos à escola, em Mangaratiba. Na volta, ela encontrou as portas de sua casa lacradas, enquanto, mais tarde, seus filhos sofreriam constrangimentos para tomar o barco na volta para a Ilha, no final do dia letivo. Diante da falta de outra alternativa e da informação que havia tido sobre a decisão da justiça, a moradora rompeu o lacre e entrou em casa, continuando a ocupa-la. Em resposta a essa desobediência, o comando militar reuniu os moradores para lhes apresentar uma outra versão daquela decisão judicial. Segundo a interpretação apresentada pelo CADIM, o fato da juíza não permitir a volta dos moradores expulsos fazia com que a decisão fosse contrária aos moradores, garantindo à Marinha que ela pudesse optar por não aceitar o retorno daqueles que simplesmente saíssem da Ilha. Isso nos apresenta um impasse, no qual já não sabemos quais as garantias representadas por uma decisão judicial diante do arbítrio daquele comando militar.

Para aquela população negra, pelo pouco que sabem, a expressão “remanescentes de quilombos” não é uma metáfora, mas um estreito caminho, cheios de obstáculos e, mesmo assim, aparentemente único, de acesso a uma justiça que lhes foi negada, primeiro pelo “velho Breves”, depois pelos descendentes deste e, agora, pelos atuais administradores da Ilha da Marambaia. Ainda que a importância daquelas 90 famílias seja também cultural, ainda que a violência a que elas estão submetidas seja também simbólica, as respostas à situação vivida por elas não podem continuar contidas no interior daquele estreito círculo de giz.

A festa contra as armas:
Projetos e eventos culturais são promessas de um ano novo de mudanças positivas na Ilha da Marambaia

por Rosa Peralta

Os moradores da Ilha da Marambaia vivem uma situação de precariedade não só no plano fundiário, como também no educacional. A administração militar a que estão submetidos cria dificuldades para o funcionamento da escola da ilha e toda uma geração de alunos pode estar sendo perdida. Enquanto os poderes públicos não tomam providências, a população vai descobrindo formas alternativas de formação e capacitação. Entre elas, as festas, que têm servido para manter unida essa população e lhe dar ânimo na luta. Os militares, por sua vez, tentam impor novas dificuldades também para isso.

09 de janeiro de 2005. Apesar dos intensos conflitos vividos pela comunidade da Ilha da Marambaia desde o início da década de 70, esperava-se que hoje, finalmente, o dia seria inteiramente dedicado a comemorações, contando com a participação de vários grupos culturais. O céu claro e azul parecia um presságio de uma época de tréguas e harmonia entre os habitantes. Qual não foi a nossa surpresa quando, ao chegar, soubemos que a festa teve que ser cancelada em cima da hora pelo fato de que a Marinha havia revogado a permissão para a entrada de visitantes que viriam em um saveiro alugado especialmente para o evento.
É verdade que quem conseguiu chegar não perdeu a viagem. O dia estava lindo; a feijoada, embora preparada às pressas, completa; e a roda de capoeira, contando com a presença do grupo Gueto dos Palmares, foi formada. E assim a população reforça, ainda que indignada, a sua maior característica: a de não deixar se abater.
Desde 2004, os ilhéus estão concentrando esforços para promover várias atividades que incentivem o desenvolvimento de um espírito de integração comunitária entre os mais de 400 habitantes. O dia 20 de novembro, quando os moradores da Ilha da Marambaia organizaram pela primeira vez um grande evento para comemorar o Dia da Consciência Negra, é um exemplo do momento de inspiração vivido pela comunidade. Houve apresentações de capoeira, samba de roda e teatro, tendo como cenário as ruínas da senzala, que a partir de então deixou de ser símbolo da escravidão para tornar-se palco da resistência dos quilombolas da região.

Além do evento de novembro, houve Festa Junina, Dia das Crianças, encontro ecumênico de mulheres, entre outros. A população pretende repetir esses festejos e assim criar para os próximos anos um calendário de eventos, em que crianças, jovens e adultos estejam integrados e desenvolvam atividades culturais, educativas e de revalorização da cultura negra.
Entusiasmados com o sucesso do evento do Dia da Consciência Negra, os moradores da Marambaia decidiram organizar uma nova festa, desta vez aberta ao público e com o objetivo de arrecadar fundos para registrar o grupo de capoeira local Filhos do Queto, comprar vestimentas e instrumentos para os seus integrantes, além de dar maior visibilidade à causa.
As armas contra a festa
O dia 9 de janeiro de 2005, portanto, era para ser de festa na Ilha da Marambaia. Com a autorização concedida pela Marinha, eram esperados algo em torno de 100 convidados, entre eles grupos de capoeira e jongo, militantes do movimento negro e alguns estrangeiros, que desejavam prestigiar o evento e prestar solidariedade aos moradores da ilha. Porém, mais uma vez, a atitude da Marinha comprova que ainda há muita luta pela frente.
Somente dois dias antes da festa, os organizadores são comunicados de que todos aqueles que chegariam de saveiro não poderiam desembarcar na ilha, sendo que o aluguel já havia sido pago. A festa foi adiada para o próximo domingo, 16 de janeiro, até que os moradores averiguassem o motivo pelo qual foi revogada a autorização previamente dada.
O argumento usado pela Marinha é que a vinda de pessoas estranhas poderia quebrar a tranqüilidade na ilha. Para sustentar sua posição, a Marinha alega que o assassinato de Marcílio de Lima, morador da Marambaia morto na semana anterior em Itaguaí, seria uma prova de que quanto mais contato com o continente os moradores da ilha tiverem, maior o risco de eles sofrerem com as mazelas inerentes às grandes cidades.

Essa declaração foi feita pelo Almirante Tosta no próprio dia 9, durante a missa em homenagem a Marcílio, deixando claro que a Marinha estava disposta a lançar mão de qualquer justificativa para impedir a realização do evento.
No dia seguinte, uma comissão formada por Seu Dionato, Joeci Eugênio e Vânia Guerra – respectivamente, presidente, tesoureira e diretora social da Associação dos Remanescentes de Quilombos da Ilha da Marambaia (ARQIMAR) – tentou negociar e obteve a explicação de que só poderiam entrar pessoas que usassem a embarcação da Marinha e desde que não fossem estrangeiros. Agora, além dos convidados proibidos de entrar, há outros que desistiram, e assim a soma com que os moradores contavam já foi reduzida consideravelmente. Mesmo assim, com a redução do número de visitantes esperado, dia 16 haverá festa na Marambaia.
Segundo Joeci, esse problema é decorrente da lentidão da demarcação e titulação das terras por parte do Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (Incra). O laudo (confira em Impressões Plantares) com a caracterização dos ilhéus como remanescentes de quilombos foi entregue à Fundação Cultural Palmares (FCP), ao Ministério de Desenvolvimento Agrário (MDA) e ao Incra no início de 2004. Em novembro, os trabalhos de delimitação do Incra começaram, mas até agora não forram finalizados. “Se a terra já fosse nossa, acredito poderíamos chamar quem a gente quisesse, sem ter que pedir autorização à Marinha”, desabafa Joeci.
Violações do direito à educação
Mas as tentativas de impedir com que os ilhéus avancem na sua organização e na sua formação não se limitam apenas às festas e outros eventos que trazem apoio e informação. Pelo contrário, tais impedimentos começam com o desrespeito do direito à educação formal das crianças e jovens da ilha. A falta de um transporte efetivo para a entrada e saída dos professores, que impede a realização de períodos letivos integrais, não é de hoje. No entanto, segundo os ilhéus, em 2004 a incompatibilidade do horário da escola com o da partida da embarcação da Marinha – único meio disponível para ir e vir da ilha – se agravou, comprometendo de forma drástica o cumprimento da carga horária das aulas e prejudicando o aprendizado dos alunos.
A escola da Ilha da Marambaia foi inaugurada em 1940, atendendo crianças de 1ª à 4ª séries. Até a vinda da Marinha em 1971, o transporte dos professores era feito pelas embarcações da Escola de Pesca Darcy Vargas e o local conhecido como clausura servia de alojamento para aqueles que tinham que pernoitar na ilha. Os professores recebiam o equivalente a uma dupla jornada e contavam com uma gratificação por trabalharem em lugar de difícil acesso.
Depois, o transporte passou a ser feito pela Marinha. Os incentivos aos professores foram mantidos, mas já não havia alojamento. Em 1988, foi firmado um convênio em que a prefeitura se comprometia a fornecer o óleo para que a Marinha continuasse prestando o serviço. Esse convênio foi sendo renovado ano após ano. No entanto, entre 1989 e 1990, a luta pela posse da terra entre os quilombolas e a Marinha se acirrou, e esta começou a definir de forma aleatória os horários de partida da ilha. Dessa forma, a carga horária das aulas nem sempre era cumprida.
Em 1999, os moradores puderam comemorar a implementação, ainda que gradativa, do ensino de 5ª a 8ª série, reivindicado no Fórum de Educação de 1998. Mas, logo em seguida, a situação do transporte se agravou. Foram meses inteiros em que a Marinha estipulou que o barco partiria para o continente ao meio-dia. Os professores chegavam às 9h para o início das aulas e tinham que sair às 11h30, o que significava pouco mais de uma hora dentro de sala, já que ainda tinha que restar tempo para a merenda dos alunos.
A Marinha alega que é obrigada a dispensar os oficiais cada vez mais cedo por falta de verba para pagar a refeição dos que ficam na ilha. Sendo assim, não teria como o barco voltar apenas para pegar os professores que deveriam sair às 14h. Além disso, nos últimos dois anos, o prefeito anterior deixou de cumprir com sua parte no convênio ao suspender o fornecimento de óleo. Ele já havia retirado a gratificação por “difícil acesso” desde 1996, data de início de seu primeiro mandato, o que desmotivou ainda mais os professores.
Os moradores tentaram recorrer diversas vezes à antiga diretora e ao administrador da ilha para que estes interferissem junto ao prefeito, mas não conseguiram obter respostas satisfatórias.
Mudança de prefeito cria expectativas de mudanças
entre os moradores da Marambaia
Com a vitória do candidato de oposição Aarão de Moura Brito Neto, a comunidade começa a acreditar que a direção do vento pode mudar a seu favor. A líder comunitária Joeci Eugênio foi nomeada como a nova administradora da prefeitura na Ilha da Marambaia e Joyce Pereira, que sempre lecionou em ilhas e portanto conhece a realidade dos moradores da região, foi chamada para assumir o cargo de diretora da escola. Ambas as medidas podem ser tomadas como demonstrações de que o atual prefeito pretende estreitar as relações com a comunidade.
Outras novidades na área da educação estão previstas para todo o município de Mangaratiba. A partir de fevereiro, serão criados os Pólos de Educação Distrital (PED). Cada um contará com 12 profissionais à disposição de diretores e professores para ajudá-los a resolver de forma mais imediata as demandas que envolvam o funcionamento das escolas. O Pólo que irá atender a Ilha da Marambaia funcionará em Itacuruçá, justamente o ponto de mais fácil acesso para os ilhéus.
Existe a intenção de contratar um nutricionista para adequar a merenda à realidade local. Chegou a ser citado que a prefeitura compraria a produção dos pescadores da Marambaia, o que representaria um significativo incremento de renda para as famílias. A prefeitura também espera retomar a gratificação para os professores que tenham que dar aulas em qualquer das cinco ilhas do município. Todas essas são promessas que agora os moradores precisarão cobrar da nova administração.
A Diretora de Ensino e Assessoria Pedagógica da Secretaria de Educação Luciane Peçanha se mostra orgulhosa ao apresentar o calendário escolar de 2005, em que pela primeira vez irão constar festas e atividades que abordem a tradição e o legado das populações que habitaram o município, como o caso da criação da Semana da Consciência Negra, que se realizará entre os dias 21 e 25 de novembro. O currículo escolar também será redesenhado para incluir e valorizar a herança da cultura negra, muito esquecida e por outro lado tão arraigada na história da região. No entanto, Luciane admite que a escola precisa passar por reformas e o ideal seria que houvesse dois turnos, para que os alunos não tivessem mais que ficar amontoados em salas de aula minúsculas. Isso nos leva de volta à problemática do transporte.
O Prefeito Aarão, que na época de sua campanha teve sua entrada na ilha proibida diversas vezes, garantiu que essa questão do traslado de professores será resolvida na próxima semana. Segundo o próprio, há recursos que podem ser revertidos para o aluguel de uma embarcação própria: “Se Deus quiser, não precisaremos pedir nada à Marinha.”
Outra reivindicação dos moradores da Ilha da Marambaia é a inclusão do Ensino Médio na ilha, da competência do governo do Estado, que pelo visto ainda irá tardar. Os jovens que vêm completando o Ensino Fundamental estão sendo obrigados a estudar nas cidades vizinhas, o que muitas vezes acarreta custos insustentáveis para a família. Assim, muitos acabam interrompendo os estudos. As instalações do colégio, como mencionamos acima, não comportam novas turmas e já não tem espaço adequado nem para acomodar os alunos de até a 8ª série. Será necessário ampliar a escola ou construir uma nova, o que só será possível quando o processo da titulação de terras for concluído. (Veja o andamento dos trabalhos em Monitoramento – Contextos Locais)
A educação começa em casa
Como contraponto ao problema da educação formal, há a previsão de diversos projetos, atividades e parcerias para o ano de 2005, criando um clima de entusiasmo e expectativas para os quilombolas da Ilha da Marambaia.
Ainda no primeiro semestre, o Programa Egbé Territórios Negros de KOINONIA – que atua na região desde 2001 e que realizou o laudo antropológico com o reconhecimento do direito à propriedade das terras dos descendentes dos ex-escravos da ilha – irá executar dois projetos, visando ampliar o raio e poder de ação da comunidade. O de capacitação em desenvolvimento sustentável será financiado pelo Ministério do Desenvolvimento Agrário (MDA), enquanto o Balcão de Direitos será custeado pela Secretaria Especial de Direitos Humanos (Sedh).
Outros organismos, como a CUT, a Fundação Ford, a Seppir e o Fome Zero, procuraram trazer contribuições no ano que passou e apresentaram propostas para o ano que se inicia, o que é um sinal de boas perspectivas de melhoria da qualidade de vida para a população.
Nesse mesmo sentido, o grupo de capoeira Filhos do Queto tem desempenhado um papel fundamental na organização comunitária. É a partir dele que estão sendo elaboradas as principais atividades culturais e de educação artística. Os encontros do grupo são aos sábados, no quintal da casa da diretora social, mas além da capoeira foram introduzidas oficinas de música, poesia, teatro e de fabricação de instrumentos e produtos feitos de bambu.
Segundo Bárbara Tatiana dos Santos, 24 anos, animadora cultural voluntária da ARQIMAR, o grupo é responsável por grandes mudanças entre crianças e jovens da ilha: “Muitos jovens, principalmente homens, tinham vergonha de gingar na capoeira ou de participar do teatro e da oficina de música. Mas agora isso mudou. A cada dia temos mais participantes e até aqueles que tinham um comportamento agressivo, na escola ou em casa, hoje não brigam mais.”
Houve também uma melhora no rendimento escolar. Para pertencer ao grupo de capoeira o aluno tem que ter e manter uma média mínima. Além disso, depois das atividades culturais, aqueles em dificuldade na escola se reúnem para estudarem juntos. “Os que sabem mais sobre uma matéria específica ajudam os mais fracos, que por sua vez podem ser bons em outra matéria”, revela Bárbara, que este ano pretende desenvolver oficinas de leitura a partir dos livros recebidos em junho do Programa Arca das Letras, do MDA.
Além de promover o fortalecimento da identidade cultural dos quilombolas, as festas e eventos também têm sido responsáveis pela aproximação dos dois principais grupos religiosos, o que até então parecia impossível. Católicos e batistas vêm superando as diferenças e se encontrando cada vez mais desde que se iniciou esse clico de atividades. Os ilhéus da Marambaia parecem nos dizer que, como a água do mar que eles vêem batendo insistente e incansável sobre as pedras da costa, vale a pena apostar na festa contra a opressão.

Marambaia: de volta à senzala

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Posse e Propriedade da Terra no Brasil: Elementos para uma Reflexão nos Autos Antropológicos

 

Posse e Propriedade da Terra no Brasil:
Elementos para uma Reflexão nos Autos Antropológicos

por Márcia Maria Menendes Motta1

O presente trabalho destaca o papel do historiador no levantamento e análise de fontes relativas à posse e propriedade de terra no Brasil. A partir do exemplo envolvendo a Ilha da Marambaia, o estudo apresenta a metodologia adotada pelos historiadores na reconstituição da cadeia sucessória das propriedades territoriais no Brasil e na análise da legislação produzida sobre o tema ao longo do período. Para tanto, enfoca quais são os caminhos possíveis para a descoberta de documentos sobre a questão agrária do país. Nesse sentido, a partir de um rigoroso processo de levantamento, análise e cruzamento de fontes dos oitocentos é possível encontrar importantes evidências que auxiliam na descoberta de fios condutores para a produção de laudos antropológicos.

Conhecido pelos estudiosos como o maior produtor de café e escravocrata do Império, Joaquim José de Souza Breves foi também a expressão do poder dos terratenentes do século XIX. Neto do português Antonio de Souza Breves, apontado como o patriarca da família, Joaquim Breves foi senhor e possuidor de muitas terras, que se estendiam pelos antigos municípios de São João do Príncipe, Rio Claro, Mangaratiba, Itaguaí e Angra dos Reis.

Nos processos levantados no Arquivo Nacional, relativos a processos cíveis que chegaram ao Tribunal de Apelação, há vários indícios de que não era tranqüila a ocupação dos Breves e de que as disputas se davam no interior da família. Em outras palavras: a despeito de seu prestígio e fortuna, havia proprietários de terras que abriam processos cíveis para questionar os limites territoriais de Joaquim José de Souza Breves.

Às evidências de conflitos soma-se a memória dos pescadores da Ilha da Marambaia. Segundo informações colhidas por Fabio Motta, a viúva de Joaquim Breves, Maria Isabel Gonçalves Maraes Breves, vendeu a ilha à Companhia Promotora de Indústrias e Melhoramento. Cinco anos depois, por liquidação forçada, a Companhia transferiu a propriedade ao Banco da República do Brasil2. Ainda segundo Fabio Motta “os escravos permaneceram nas terras abandonadas pelos senhores, como bem lembra um morador antigo da ilha, um senhor de 84 anos”. O depoimento afirma que o fazendeiro “disse que era para cada um ficar com a sua praia para não dar briga, mas isso só foi feito de boca, não teve nada escrito. A filha de Breves disse que quando voltasse lá das bandas da Europa ia passar a terra aqui para nós, só que ela nunca fez isso”3.

No Relatório Parcial para a caracterização da Comunidade Negra da Ilha da Marambaia, encontramos outros depoimentos colhidos por Fabio Motta e pela equipe de KOINONIA que se referem ao tempo do “Breves” e revelam a consagração de uma memória herdada que sustenta a legitimidade da ocupação dos pescadores., por vontade de seu antigo senhor e possuidor. Quais são os fios condutores dessa memória e como eles ajudam para a análise histórica acerca da propriedade da terra da Ilha da Marambaia?

É sabido que a memória é “um fenômeno sempre atual, um elo vivido no eterno presente”4. Nesse sentido, é também positiva e positivista, reafirmando, muitas vezes, um passado de riquezas, que ao ser relembrado antecipa um futuro pleno de potencialidades. No entanto, se entendemos que a memória só se explica pelo presente, isso significa também afirmar que é desse presente que ela recebe incentivos para se consagrar enquanto um conjunto de lembranças de determinado grupo. Assim, são os apelos do presente que nos explicam porque a memória retira do passado apenas alguns dos elementos que possam lhe dar uma forma ordenada e sem contradições.

A história, por sua vez, “é a reconstrução sempre problemática e incompleta do que não existe mais”5. Ao contrário da memória, a história busca uma representação crítica do passado. Mas para tanto, ela deve também se apoiar nas memórias construídas por outrem, pois a partir daí é possível encontrar os fios condutores que legitimam os argumentos centrais da memória, até porque, como nos lembra outro importante pesquisador, é essencial para os historiadores a defesa da supremacia da evidência6.

Quais seriam então as evidências enunciadas pela memória dos pescadores e interpretadas pela história? Em primeiro lugar, o argumento de que as terras foram doadas por Breves, ainda que “de boca”, adquire sentido, se lembrarmos que seu irmão havia feito o mesmo com sua Fazenda do Pinheiral. Não nos parece, portanto, estranho que o fazendeiro da Ilha da Marambaia.tenha doado a terra aos seus ex-escravos, já que isso era uma prática comum, principalmente em fins do século XIX, quando a condenação pública à escravidão tornou-se recorrente7. Os fazendeiros, em seus testamentos, buscavam consagrar sua prerrogativa de senhor, doando terras a seus ex-escravos e estabelecendo assim um vínculo entre escravos e senhor que ia além de sua existência física. O ato de “bondade” presente na doação se, de um lado, expressava a intenção de desistir do poder dominial – poder este que estaria sendo negado aos seus herdeiros -, por outro, ajudaria a construir uma determinada memória sobre o fazendeiro. No entanto, eram os descendentes diretos daqueles senhores que resistiam em “fazer valer” as últimas palavras do fazendeiro, posto que isso significava diminuir o patrimônio a ser por eles partilhado. Portanto, operavam com duas situações aparentemente antagônicas. Por certo a descendência implicava fortalecer a imagem de empreendedor e homem bom do fazendeiro falecido. Porém, reconhecer a bondade significava abrir mão dos seus pretensos direitos de sucessão, não só das terras, mas do prestígio da família. Tanto quanto puderam, os descendentes esforçaram-se em consagrar a imagem positiva de seus antepassados, embora, nos meandros da justiça, procuravam evitar o reconhecimento legal do último desejo dos mesmos.

Assim sendo, a afirmação de que as terras não foram legalmente transmitidas para os pescadores pela filha de Joaquim Breves também adquire sentido, se lembrarmos que as disputas pelo patrimônio da família obstaculizaram qualquer regularização fundiária. Em outras palavras, não é possível saber se ela mentia ou não quando prometeu regularizar a situação dos pescadores, mas o fato é que o inventário do fazendeiro foi palco de conflitos por mais de vinte anos, como confirma um de seus descendentes.
Há ainda um fio condutor da memória dos pescadores que é importante considerar, refiro-me à permanência deles na ilha após o falecimento do fazendeiro. Em visita à Ilha da Marambaia em 1927, Assis Chateaubriand declarou: quis a fortuna que eu me encontrasse na Restinga de Marambaia com os antigos escravos do Comendador Joaquim Breves. Falei a vários deles, e de dois pretos recolhi até os nomes: Adriano Júnior e Gustavo Vitor, este por sua vez filho de um antigo escravo de Breves, chamado Vitor, comprado pelo senhor quando adquiria a Fazenda do Pontal da Restinga da Marambaia. Adriano Júnior residiu na célebre Fazenda de São Joaquim da Grama, donde o senhor o trouxe para vir trabalhar nesta outra fazenda da restinga. Tem mais de 80 anos. É pai de 12 filhos, todos morando na Marambaia 8.

Chateaubriand destaca ainda que a ilha era utilizada pelo fazendeiro como uma estação, ponto de desembarque de pretos contrabandeados: O que Breves possuía na Marambaia era uma estação de engorda de seu pessoal de eito, e isto explica as ótimas recordações que aqueles velhos escravos guardam do senhor já desaparecido há tantos anos. Deveria comer-se bem na Marambaia, porque o objetivo mais importante daquela fazenda não era produzir café, mas fornecer mão-de-obra forte, robusta, para o trabalho do cafezal 9. A memória herdada pelos pescadores revela uma visão de passado tranqüilizadora. O Breves “era um véio bão”, como afirmou um ex-escravo, quando indagado por Chateaubriand10.

Esse “olhar” sobre o passado, consagrador da bondade de Joaquim Breves, é compartilhado por aqueles que escreveram sobre ele. Em trabalho datilografado encontrado no Instituto Histórico e Geográfico Brasileiro (IHGB), de autoria de José de Almeida Prado Castro (segundo informações do Instituto, o autor é descendente dos Breves), há referências sobre as inúmeras fazendas do Joaquim José e a existência de uma enorme escravaria. “O que se via na Grama e Olaria, suas fazendas favoritas, eram negros por toda parte, como se fossem moradores de um arraial qualquer e não somente trabalhadores de eito.”11 O autor relata que era comum a fuga de escravos de outras fazendas para instalarem-se nas fazendas do mencionado fazendeiro, “onde recebiam melhor tratamento do que nas fazendas dos antigos donos”. Para Castro, Breves protegia os escravos fugidos, os escondia de seus antigos senhores, pois era capaz de impor uma disciplina “temperada com certa brandura com seus cativos”.12 Ainda segundo o autor, a mulher do fazendeiro também não gostava de ver seus escravos castigados pelos feitores. A ordem era mantida e o castigo apenas se impunha para aqueles que “desobedeciam, furtavam e principalmente se agrediam”.13

Assim, o processo de construção de memórias implica escolhas entre os fatos do passado, que, por uma razão ou outra, determinado grupo considera que devam ser lembrados/rememorados. Ao fazer essas escolhas, o grupo também esquece e faz esquecer outros acontecimentos, pois “sem o esquecimento, a memória humana é impossível”.14

Nesse sentido, há um processo de amnésia social que oculta a tragédia da escravidão e ressalta a doação de terras como consagradora da bondade do antigo senhor e possuidor de terra. Pode-se compreender, de um lado, os esforços dos descendentes de Joaquim José de Souza Breves em ressaltar a benevolência de seu antecessor, interpretando as ações de seu parente em relação aos escravos como parte de sua personalidade de homem inteligente, sagaz e bondoso.

Por outro lado, a memória herdada pelos pescadores também se pauta na bondade do antigo senhor, e esta adquire um caráter de evidência, posto que os ex-escravos da Ilha da Marambaia lá permanecerem, concretizando a “doação de boca” enquanto uma realidade do cotidiano da vida daquelas pessoas. Nesse sentido, pouco importa para o historiador afirmar ou negar a pretensa bondade do fazendeiro, mas sim compreender que – independente das razões pelas quais a doação se fez – os ex-escravos ali ficaram e construíram uma memória legitimadora de sua permanência na região, a qual Chateaubriand, sem ocultar o preconceito, confirmou em 1927:

“As condições de existência hoje na Marambaia são as mais miseráveis possíveis. Os pretos dos Breves permaneceram na fazenda, aumentando a população local, com o seu reconhecido poder de proliferação. Malgrado as condições de evidente subnutrição de uma gente que se pode dizer vegeta, pescando para comer, porque destituída de qualquer estímulo para trabalhar e poupar, o pontal da ilha tem ainda uma população não inferior a 500 habitantes”. 15

Em suma, as falas dos pescadores são parte de uma memória herdada que se legitima cotidianamente, atestando que eles são de fato possuidores daquelas terras. Ao construir o que denomino de “ponto zero” de sua ocupação, os pescadores não negam a titularidade do antigo fazendeiro Breves, ao contrário. Eles partem da crença de que o Joaquim José de Souza Breves era o senhor e possuidor daquela Ilha, mas ao mesmo tempo põem um termo no seu direito àquelas terras, ao afirmar que ele as havia doado a seus ex-escravos.

Para o historiador, no entanto, resta ainda responder a pergunta: Joaquim Breves era legalmente o proprietário da Ilha da Marambaia? Que legislação sustentava o seu pretenso direito àquelas terras?

As confusões jurídicas sobre terras de marinha não são recentes. A princípio, há um entendimento de senso comum que atrela o termo “marinha” às forças armadas, como se as terras situadas próximas ao mar fossem propriedades da Marinha Brasileira. Para além desse entendimento equivocado, há ainda uma série de textos jurídicos que ainda hoje geram debates de interpretações sobre terras devolutas, públicas e nacionais. No entanto, para o que aqui nos interessa é importante discutir a legislação que procurava regularizar os terrenos de marinha, no período em que o fazendeiro Joaquim Breves se autodenominava proprietário da Ilha da Marambaia.

Em 1819, há um primeiro esforço em se definir o que seriam terras de marinha. “(…) seriam 15 braças da linha d’água do mar, e pela sua borda são reservadas para servidão pública; e o que toca a água e acresce sobre ela é da nação.” Em outras palavras, a primeira referência encontrada sobre o tema remete-nos à idéia de que uma ilha faz parte do patrimônio da nação16.

No entanto, segundo alguns advogados, já no início da colonização a Coroa Portuguesa reservava para si as lizeiras (terrenos de marinha), excluindo-as da partilha de capitanias hereditárias em sesmarias, como expressamente impunha a ordem régia transcrita em 21 de outubro de 1710, de modo que toda a área colonial entregue a terceiros não incluía o que hoje é conhecido por terrenos de marinha, que permaneciam sob a tutela direta do Estado, isto é, da família real17.

Os debates sobre essas terras continuaram ao longo do século XIX. Segundo Marcello Giffoni, em 1830, numa decisão relativa a uma praia em Angra dos Reis, o Estado brasileiro ainda em formação determina a necessidade de regularizar os terrenos de marinha, “afirmando sua propriedade sob a responsabilidade da pasta de Marinha”18. Dois anos depois, na lei que orça a receita e despesa para os anos de 1832-1833, é impedido às câmaras municipais de aforar terrenos de marinha e determina-se que fica reservado aos presidentes de província e ao Ministério da Fazenda “aforar a particulares (…) segundo o maior interesse da Fazenda”19. Dessa feita, as terras não estariam mais sobre a responsabilidade da pasta da Marinha, e sim da Fazenda.

Logo depois, há uma instrução do presidente interino do Tribunal do Tesouro Nacional, o fazendeiro Nicolau Pereira Campos Vergueiro, para se definir e esclarecer aquela lei orçamentária. Nesse documento, mais uma vez, destaca-se o esforço em regularizar e regulamentar a posse dos terrenos de marinha existentes e estipula-se que estas deveriam ser medidas, demarcadas e avaliadas e calculado o foro a ser cobrado. A instrução é bastante cuidadosa ao fixar três “classes” de terrenos de marinha: “1º, os que devem ser reservados para logradouros públicos; 2º, os que têm sido concedidos a particulares, que só por estes têm sido ocupados sem concessão; 3º, os que ainda se acham devolutos 20.”

Os tipos de possuidores de terrenos de marinha também são estabelecidos: concessionário, “aquele que requer oficialmente um terreno à Fazenda Nacional”; e o posseiro, “aquele que já ocupa o terreno e é obrigado a regulamentar sua situação com o Estado, isto é, demarcar seu terreno e pagar foro”21. Fica claro, portanto, que há apenas um proprietário dos terrenos, o próprio Estado. No documento, há ainda uma definição mais precisa de terreno de marinha: “que considera todos os terrenos banhados pelas águas do mar ou de rios navegáveis e que possuem a extensão máxima de 15 braças contadas a partir do ponto médio da maré.”22 Segundo Giffoni e Juliana de Castro, a mencionada instrução tornou-se referência e se instituiu como marco inaugural na definição e nas atribuições a serem dadas aos terrenos de marinha23 , embora ao mesmo tempo tenha sido debatida e questionada pelos contemporâneos.

As tentativas de pretensos donos de ilhas e terrenos de marinha de ferir a instrução de 1832 eram parte de um conjunto de mecanismos de ocupação territorial que descumpria as determinações legais de medição e demarcação de terras24. Uma das estratégias mais freqüentes, também empregada por aqueles que ocupavam os terrenos de marinha, era a de apenas declarar a testada da terra ocupada, eximindo-se de declarar os limites de fundos da pretensa propriedade. Não à toa, em 1837, na Ordem do Ministério da Fazenda, há a afirmação: (…) se tem dado com declaração somente da extensão da frente, sem designar se é para o mar ou para a terra, não especificando quanto tem de fundos compreendidos nas 15 braças de marinha, como é necessário para se evitar qualquer alteração futura em prejuízo da Fazenda Nacional ou de terceiro. 25

As ocupações continuaram e, em terras de marinha, elas feriam princípios legislativos já consagrados em 1830. Em 1850, após sete anos de debates na Câmara dos Deputados e no Senado, é aprovada a Lei de Terras, marco dos esforços estatais em discriminar as terras públicas das privadas.

A lei caracteriza terra devoluta a partir da noção de exclusão das particulares. Às avessas, o conceito se afirma pela negação: o que não é particular pertence ao Estado. Ademais, ao traçar os elementos legais que permitiriam a transformação de uma terra “possuída” em propriedade/domínio, ela busca determinar que todos aqueles que possuíssem terras deveriam regularizá-las, pois pelo artigo quinto: Serão legitimadas as posses mansas e pacíficas adquiridas por ocupação primária, ou havidas do primeiro ocupante, que se acharem cultivadas ou com princípio de cultura e morada habitual do respectivo posseiro. 26

No entanto, a lei não faz referência direta a terras de marinha. Por quê? A meu ver, elas estão ali ausentes porque já havia sido consagrada uma legislação que determinara que terras de marinha eram terras da nação. Ou seja, elas não podiam ser passíveis de legitimação por um pretenso proprietário, uma vez que já tinham um dono: o Estado.
Contudo, ao arrepio da lei referente às terras de marinha, Joaquim José de Souza Breves registrou sua terra no Registro Paroquial, imprimindo uma determinada interpretação da Lei de 1850 que atendia aos seus interesses. Em outras palavras: Joaquim Breves desconsiderava na prática os limites de seu direito de posseiro ou concessionário das terras de marinha e buscava – a partir do registro – a consagração de ser proprietário da Ilha da Marambaia. Assim, em 27 de fevereiro de 1856, ele registra suas terras na Paróquia de Itacurussá,: Declaro que sou proprietário da Ilha da Marambaia, cujos terrenos são cultivados, compreendendo nos seus limites a restinga e o mangue da Guaratiba até a divisa do canal, dividindo por outro lado com terras do convento do Carmo e com Joaquim Luis Rangel. Também são acessórias à mesma Ilha as três pequenas ilhas fronteiras denominadas Saracura, Bernarda e Papagaio. 27

Em suma, Joaquim José de Souza Breves operava com a legislação de 1850 para reafirmar sua condição de proprietário, ferindo a anterior que determinava que terras de marinha pertenciam à União. Ademais, pelas regras consagradas no regulamento da lei, de 1854, não era necessária a apresentação de documentos comprobatórios, sendo preciso apenas declarar: “o nome do possuidor; a designação da Freguesia em que estão situadas; o nome particular da situação, se o tiver; sua extensão, se for conhecida; e seus limites.” Isso significa afirmar que o fazendeiro procurava assegurar o domínio sobre uma área ciente de que ela não era passível de incorporação, logo ele tinha uma posse de má fé, conforme as leis das Ordenações Filipinas e os textos dos jurisconsultos do século XIX.

Já em 1856, um extenso Relatório da Repartição Geral das Terras Públicas – cujo teor divulgava as realizações da Repartição – procurava informar o local dos terrenos devolutos encontrados em várias partes do país. Segundo esse relatório, constavam possuir terrenos devolutos apenas dois municípios do Rio de Janeiro: o município de Mangaratiba, precisamente em Ingaíba e Jacaraí, onde havia “terras que se dizem devolutas, mas não sem contestação de posseiros”, e na freguesia de Mambucaba, onde se supunha haver terreno devoluto; e o município de Parati, “desde a praia das Trindades até os limites da Província de São Paulo, há à beira-mar um terreno devoluto de cerca de légua e meia” 28.

Os registros paroquiais não se transformaram em prova de domínio não somente porque alguns terratenentes se recusaram em registrar suas terras, mas também porque aqueles que o fizeram declararam ser proprietários de uma área sem nada provar acerca da legalidade de sua ocupação. Não à toa, até o fim do século XIX, os relatórios dos presidentes de província mantiveram o mesmo teor de denúncia, informando sobre as invasões de terras devolutas e discutindo sobre a necessidade de se modificar a Lei de Terras de 1850, no sentido de construir um dispositivo legal capaz de distinguir as terras públicas das privadas.

Assim sendo, não se pode referendar a pretensa propriedade de Joaquim José de Souza Breves em relação à Ilha da Marambaia com base no Registro Paroquial de Terras, já que este não constitui prova de domínio. Como desdobramento dessa análise, não se pode também afirmar a legalidade da transmissão de patrimônio da ilha, partindo-se do pressuposto de que a filha de Joaquim José agiu legalmente ao vendê-la à Companhia Promotora de Indústrias e Melhoramento, em 28 de outubro de 1891. Toda a cadeia sucessória posterior tem, portanto, um vício em sua origem ilegal, já que ela se inaugura a partir de uma posse de má fé.

Dessa forma, não há indício que ateste a legalidade de ocupação de Joaquim José de Souza Breves. Tal como tantos outros fazendeiros do século XIX, ele era um “senhor e possuidor” que, ao arrepio da lei, ocupava terras devolutas ou terras da nação (como as de marinha), ferindo reiteradamente a legislação então existente. Não há nada que confirme que o Estado havia lhe concedido a prerrogativa de ser concessionário da Ilha da Marambaia. Logo, a transferência da propriedade da terra em 17 de novembro de 1896 para o Banco da República do Brasil não pode ser utilizada como alegação de que ele era o anterior proprietário daquela ilha. Enfim, nada confirma esse pressuposto inicial para reconstruir a cadeia sucessória dos pretensos “proprietários” da região.

Mas as evidências comprovam que os ex-escravos ali permaneceram e elas foram colhidas através do cruzamento de inúmeras fontes, algumas inclusive produzidas pelos descendentes de Joaquim José de Souza Breves. Significa afirmar: as informações aqui apresentadas não são apenas parte da memória herdada dos pescadores; elas são muito mais do que isso. São demonstrações claras de que o senhor e possuidor da Ilha da Marambaia havia se utilizado de seu poder e prestígio para ocupar aquela região. Lá construiu um depósito de cativos, utilizados como mão-de-obra nas suas dezenas de fazendas. Como “senhor e possuidor” Joaquim José de Souza Breves permitiu que seus ex-escravos permanecessem na ilha, consagrando a legitimidade da sua ocupação. Em outras palavras, não há dúvidas de que os pescadores herdaram uma posse de boa fé, pois estavam se apoiando no fato de que a terra havia sido dada em doação pelo seu antigo senhor. Ela não se transformou em propriedade, pois, como afirmei, a filha do fazendeiro vendeu a ilha, como se ela fosse parte de seu patrimônio.

Em nossos dias, os argumentos de que aquelas terras pertencem ao Estado ferem – em todos os sentidos – as determinações claramente expressas na Constituição de 1988. É certo que a Carta Magna estabelece no seu artigo 20 que são bens da União: “IV – As ilhas fluviais e lacustres nas zonas limítrofes com outros países, as praias marítimas; as ilhas oceânicas e as costeiras, excluídas destas, as áreas referidas no artigo 26, II.”

No entanto, é bom frisar, a mesma Carta Magna que hoje nos rege determina em seu artigo 216 parágrafo 5º “o tombamento de todos os documentos e sítios detentores de reminiscências históricas dos antigos quilombos”. Ademais, a Constituição determinou também o direito à propriedade das terras a comunidades étnicas que ali estão estabelecidas. O artigo 68 do ADCT é taxativo: “Aos remanescentes das comunidades dos quilombos que estejam ocupando suas terras é reconhecida a propriedade definitiva, devendo o Estado emitir-lhes os títulos respectivos.”

Em outras palavras, não importa que a Constituição de 1988 afirme que as terras de marinha são bens da União, posto que esta determinação já estava presente na legislação anterior, inclusive na legislação sobre terras de marinha ao longo dos oitocentos. O que a diferencia de outras Cartas Magnas é o reconhecimento da legitimidade da ocupação de comunidades tradicionais. Tal reconhecimento não pode deixar de ser considerado, sob pena de ferirmos sua determinação maior.

Se a história pouco nos tem ensinado, ela ao menos nos mostra que a responsabilidade do historiador repousa na “importância central da distinção entre fato histórico verificável e ficção”29. Há fortes evidências que legitimam a ocupação dos pescadores.

Em suma, “todo ser humano tem consciência do passado (definido como o período imediatamente anterior aos eventos registrados na memória de um indivíduo) em virtude de viver com pessoas mais velhas”30. Ser membro de uma comunidade, continua Hosbswam, “é situar-se em relação ao seu passado (ou o da comunidade) ainda que apenas para rejeitá-lo”31. Os pescadores da Ilha da Marambaia consagraram um passado para reafirmar o seu presente e fortaleceram assim sua própria identidade. O “passado social formalizado” criou assim o padrão para o presente. O sentido dado a este passado ratificou a manutenção da coletividade, legitimou sua permanência na ilha e fortaleceu a cultura dos pescadores da Ilha da Marambaia, “senhores e possuidores” por direito daquelas terras.

Ela – a ilha – expressou outrora o poder do grande cafeicultor do Império, Joaquim José de Souza Breves, o Rei do Café. Ela – a ilha – expressa hoje a legitimidade da ocupação de ex-cativos e o reconhecimento, ainda que tardio, do Estado em relação ao direito das minorias, um exemplo emblemático do que se convencionou chamar de terra de preto.

Leia também:

Dossiê Marambaia

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Bibliografia e Fontes:

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Notas:

1- Departamento de História da UFF e Coordenadora do Núcleo de Referência Agrária da UFF.

2- MOTTA, Fabio Reis. Marambaia da terra, marambaia do mar: conflitos, identidade e meio ambiente no Estado do Rio de Janeiro. Monografia apresentada para o curso de Ciências Sociais. Universidade Federal Fluminense, 2001, p.13.

3- Idem. 

4- Idem.

5 – Ibibem.

6 – HOBSBAWM, Eric. Não basta a história da identidade: Sobre a História. São Paulo: Companhia das Letras, 1998. p. 286.

7 – Para um interessante estudo sobre o tema, vide Machado, Maria Helena. O Plano e o Pânico. São Paulo: Edusp, 1994.

8 – CHATEAUBRIAND, Assis. Impressões vividas de uma visita à Fazenda do Comendador Joaquim José de Souza Breves no Pontal da Marambaia . O Jornal. Edição Comemorativa do Bicentenário do café, 1927.

9 – Idem.

10 – Ibidem.

11 – CASTRO, José de Almeida Prado. Os Souza Breves: Senhores Rurais. p.23.

12 – Ibidem.

13 – Ibidem, p. 24.

14 – MENEZES, Ulpiano Bezerra de. A História, cativa da Memória? Para um mapeamento da memória no campo das Ciências Sociais. Revista Instituto de Estudos Brasileiros. São Paulo, p.16, 1992.

15 – Chateaubriand, op. cit.

16 – Aviso de 18/11/1819,apud. GIFFONI, José Marcello. Sal: um outro tempero ao Império. Rio de Janeiro: Arquivo Público do Estado do Rio de Janeiro, p.34, 2000.

17 – PUGLIESE, Roberto. Patrimônio Imobiliário da União Federal e o Ordenamento Jurídico.

18 – Coleção de Leis do Brasil. Decisão no 173. 15 de outubro de 1831 apud op.cit.

19 – Giffoni, op. cit. P. 35.

20 – Idem p.35.

21 – Ibidem.

22 – Ibidem.

23 – Ibidem. CASTRO, Juliana Maria Cerutti de; PASTORE, Rodrigo Reis. Terreno de marinha: abordagem catarinense de um problema nacional. Disponível em: http: //inforum.insite.com.br/arquivo/2490.

24 – MOTTA, Márcia. op.cit..

25 – Aviso do Ministério da Fazenda, 24/09/1835. apud Giffoni.

26 – MOTTA, idem.

27 – Arquivo Público do Estado do Rio de Janeiro. Registro Paroquial de Terras. Declarante: Joaquim José de Souza Breves, 27 de fevereiro de 1856. Livro nº:50. Freguesia de Sant’ Anna de Itacurussá – Município de Mangaratiba.Folha: 8v.

28 – Relatório do Presidente de Província do Rio de Janeiro, 1856. Anexo: Relatório da Repartição Geral das Terras Públicas. pp. 8- 9.

29 – HOBSBAWM, Eric. op. cit. p. 288.

30 – HOBSBAWM, Eric. O sentido do passado. op. cit, p. 22..

31 – Idem.

Mapas

Os mapas apresentados mostram a localização da Ilha da Marambaia, o esboço da proposta da comunidade para a delimitação de suas terras, as localidades da Marambaia e como é a ocupação da Ilha. Esses mapas foram extraídos do Laudo Antropológico, que pode ser solicitado na íntegra (em formato de CD) por meio do Observatório Quilombola.

 

Arte Quilombola

As pinturas e poesias aqui apresentadas foram feitas por moradores da Ilha da Marambaia

Pinturas de Nelson Guerra

Música de Rubens e Henricão

Poesias de Vânia Guerra

 

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