Comissão da OEA visita Quilombo Rio dos Macacos, na BA, para avaliar garantia de direitos humanos na comunidade
Por: Itana Alencar
Moradores relataram supostas ações truculentas da Marinha, que divide território com o quilombo. Entrada de jornalistas na visita à comunidade não foi autorizada.
Comissão Interamericana de Direitos Humanos visita quilombo na cidade de Simões Filho
O Quilombo Rio dos Macacos, no município de Simões Filho, região metropolitana de Salvador, recebeu representantes da Comissão Interamericana de Direitos Humanos (CIDH) da Organização dos Estados Americanos (OEA), durante toda a manhã desta quarta-feira (7).
O objetivo da visita era observar a situação de garantia dos direitos humanos da população no local, além de colher relatos. O território onde fica o quilombo é dividido com a Marinha do Brasil. O local é alvo de disputa entre as 85 famílias da comunidade e a Marinha há pelo menos seis anos.
O G1 tentou acompanhar a visitação no local, mas o acesso da imprensa não foi autorizado pela Marinha.
Em nota, a instituição informou que a área visitada pela comissão da OEA é restrita, com controle de acesso e sob litígio. Dessa forma, segundo o comunicado, por questões de segurança e controle, a gravação ou registro de imagens no local depende de prévia análise, autorização e acompanhamento. Na impossibilidade de atendimento a tais critérios, conforme a nota, a entrada de equipes de imprensa na referida área não é autorizada.
De acordo com a CIDH, o balanço da avaliação resultará em um relatório que apontará eixos de situação de discriminação, vulnerabilidade e exclusão social dos quilombolas, que será encaminhado para o governo.
Os representantes da comissão também irão se reunir com autoridades nos níveis federal, estadual e local.
A CIDH vai apresentar um balanço nacional na segunda-feira (12), por meio de um relatório de possíveis violações dos direitos humanos encontradas durante essa temporada no país, que começou na segunda-feira (5). No documento vão constar avaliações sobre discriminação, desigualdade, pobreza, institucionalidade democrática e políticas públicas.
Além da Bahia, a comissão deve percorrer outros estados como Pará, Rio de Janeiro, Roraima e São Paulo. Comunidades e povos indígenas também serão observados pela comissão.
Disputa de território
Depois de longa disputa judicial, parte da área foi reconhecida em 2015, pelo Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (Incra), como sendo dos quilombolas. Em 2014, o Incra já havia delimitado a área: as 85 famílias ficaram com 104 hectares, mas até hoje ainda aguardam o título da terra.
Além disso, os quilombolas divergem com os militares em alguns assuntos. Conforme os moradores, a Marinha quer construir um muro para impedir o acesso dos quilombolas à barragem do Rio dos Macacos, que fica dentro do território e que é a única fonte de água da comunidade.
"Nós queremos o uso compartilhado da água, porque água é vida. Sem a água a gente não pode sobreviver dentro da comunidade", disse Rosemeire Silva, que é moradora e representante dos quilombolas.
Com relação ao assunto, a Marinha informou que "tem custeado o fornecimento de água encanada para os moradores, uma vez que, de acordo com dois laudos de laboratórios independentes, um dos quais indicados pela Universidade Federal da Bahia, a água da barragem não é potável, demandando tratamento antes de ser disponibilizada para consumo humano".
A Marinha não informou, no entanto, se vai continuar com o fornecimento quando o muro for suspenso.
Os integrantes da comissão também ouviram relatos de supostas ações truculentas da Marinha contra os quilombolas. As narrativas podem constar no relatório final, caso a delegação tenha identificado violação de direitos humanos.
A Marinha disse que todas as denúncias que chegaram ao conhecimento da instituição foram apuradas por meio de inquéritos policiais militares. Entretanto, não foram encontrados indícios que permitissem confirmar as acusações.
De acordo com a presidente Margarette Macaulay, a CIDH tem recebido essas denúncias há muito tempo. Ela informou ainda que já foram feitas recomendações ao governo brasileiro, para que haja uma apuração rigorosa.
A comissão acompanha e analisa temas relacionados aos direitos humanos em 35 países que fazem parte da OEA. Conforme a organização, o Brasil, junto com a Venezuela e Nicarágua, mereceram atenção especial nos últimos meses, por conta de violação de direitos.
O principal fato que levou preocupação à comissão foi o assassinato da vereadora Marielle Franco e do motorista Anderson Andrade, em março deste ano. O crime ainda não foi solucionado pela polícia e ninguém foi preso.
Em agosto, durante uma passagem em Salvador, o ministro da Segurança Pública, Raul Jungmann, chegou a falar que a participação da Polícia Federal nas investigações teria sido recusada pela polícia do Rio de Janeiro. No entanto, no dia 1º deste mês, a Procuradoria-Geral da República pediu ao ministro para que a PF investigue suspeitos no caso Marielle.