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No Espírito Santo é muito pior, afirma ativista pernambucana

“Diante de tudo o que eu vi aqui, minha luta não é nada”, diz, emocionada, Vera Lucia Domingos de Melo, da Associação dos Pequenos Agricultores do Engenho Ilha, no município de Cabo Santo Agostinho, em Pernambuco, durante o Seminário da Campanha Nenhum Poço a Mais, realizado de 30 de novembro a 1 de dezembro em Jacaraípe, Serra, com organização da Federação de Órgãos para Assistência Social e Educacional (Fase).

Vera é uma das lideranças envolvidas na organização das comunidades atingidas pelo Complexo Industrial Portuário Governador Eraldo Gueiros, mais conhecido como Porto Suape, um dos maiores do País. Como as demais lideranças da luta pelos direitos dos impactados pelo megaempreendimento (são quase 30 associações do com essa finalidade), a pernambucana vive sob proteção do Estado, devido às várias ameaças de morte que vem sofrendo.
 
“Já passei por todo tipo de violação dentro de Suape. Estou lutando contra a morte constantemente, o sítio onde eu moro é cercado por homens armados e sempre ouço que ‘Suape quer a cabeça dela’. Mas aqui no Espírito Santo …”, interrompe por um momento. “Aqui é pior. Porque lá a ameaça é contra a vida dos líderes, mas aqui são muitos os ameaçados, é muito pior o que vocês passam aqui, a morte é mais eminente, são muitas pessoas vivendo em cima de bombas, porque poços de petróleo são bombas”, adverte.
 
Um pouco mais ao sul, o biólogo Leandro Sacramento, conhecido como Pel, trabalha, por meio da Universidade Federal de Sergipe (UFS), na assessoria a mais de 90 comunidades pesqueiras do litoral sergipano e norte da Bahia, como parte de um Programa de Educação Ambiental (PEA) atrelado ao licenciamento de atividades de petróleo e gás pelo Instituto Brasileiro de Meio Ambiente e Recursos Naturais Renováveis (Ibama).
 
Usando metodologia inspirada em Paulo Freire, Pel conta que se utiliza dos royalties para discutir saúde e educação de qualidade, orçamento público e outras questões voltadas ao bem-estar das comunidades pesqueiras, que padecem de contínuo empobrecimento, apesar dos milionários royalties do petróleo.
 
Mesmo com todas as violações e injustiças que testemunha em seu estado, também ficou chocado com a gravidade dos ataques aos direitos humanos e à natureza que pôde observar nas terras capixabas.
 
“É impressionante. Lá existem poços em terra e mar, mas é mais espaçado. Aqui você ‘esbarra’ com poço a todo o momento e a poluição da água é mais visível”, comenta, relembrando um pouco do que presenciou durante o giro que os ativistas brasileiros e estrangeiros fizeram no litoral capixaba antes do Seminário.
Água amarela e grudenta

Algumas das comunidades que vivem essa triste realidade fora representadas no Seminário por suas lideranças, como a pescadora Silvia Lafaiete Pires, da Associação de Moradores, Pescadores, Agricultores e Marisqueiros da Comunidade São Miguel da Ilha Preta (Ampape), em São Mateus (norte do Estado), e as quilombolas Neuza Santos, da Associação Quilombola de Pequenos Produtores Rurais do Córrego da Angélica (AQPCA), e Joice Nascimento Cassiano da Retomada do Linharinho.

 “A água é dessa cor aqui”, aponta Silvia para uma marca de tinta bem amarela em um papel de anotações. “Gruda na pele, parece um óleo”, complementa Neuza. “Às vezes até a água da prefeitura vem ruim, vem salobra”, conta a pescadora de São Mateus.

“Nas Retomas, nem carro-pipa chega”, diz Joice, que protesta contra as parcas e precárias ofertas de emprego com que a Petrobras procura cooptar as comunidades quilombolas. “Levam duas, quatro vagas de emprego pro quilombola cavar buraco e carregar cano pra irrigação, sendo que não tem água pra irrigar”, indigna-se.

“Isso tá matando a gente há muito tempo”, denuncia Silvia. “Mas enquanto eu viver, eu vou lutar”, afirma a liderança dos pescadores e catadores de São Miguel, onde, além dos históricos impactos da indústria petroleira, somou-se a invasão da lama de rejeitos da Samarco/Vale-BHP, após o rompimento da barragem de Fundão, em Mariana/MG, no dia cinco de novembro de 2015.

Dois anos após o crime socioambiental – o maior da história do Brasil e o maior da mineração mundial – nenhum dos atingidos em São Mateus receberam qualquer medida de compensação por parte das empresas criminosas.

Jeanine Oliveira, membro do Movimento pela Preservação da Serra do Gandarela e do Fórum Nacional da Sociedade Civil (Fonasc), em Minas Gerais, lembrou, em sua fala no Seminário, que, uma semana antes da deflagração do crime, a imprensa e a sociedade foi alertada sobre os riscos, visto que já se sabia que a barragem já estava operando acima de sua capacidade.

“E a Samarco era considerada a melhor empresa de mineração do País”, disse Jeanine, anunciando ainda a ameaça que paira sobre o Rio Paraopeba – e à bacia hidrográfica do São Francisco – devido a uma barragem de mineração em Congonhas, com o dobro do volume de rejeitos da de Fundão, está prestes a romper.

Globalizar as lutas locais

A holandesa Ike Teuling, coordenadora da Campanha de Energia da ONG internacional Amigos da Terra, chamou atenção, em sua palestra, para a importância crucial da divulgação de informações, das investigações jornalísticas e da união dos ativistas, para a construção de uma “civilização pós-petroleira”, como define a educadora Daniela Meireles, da Fase.

Centrando suas ações de articulação comunitária na também holandesa Shell, a Amigos da Terra denuncia: a petroleira está presente em 70 países, onde mantém 92 mil empregos e produz quatro milhões de barris de petróleo por dia. É responsável por 1,7% do CO2 lançado no mundo, volume maior que todas as atividades econômicas brasileiras juntas. Com isso, lucrou US$ 4 bilhões em 2016. No mesmo ano, investiu US$ 3,6 bilhões na busca de novos poços de petróleo e apenas US$ 200 milhões em energias renováveis.

Arthur Walber Viana, da Amigos da Terra Brasil, ressaltou a estratégia da ong, de “globalizar as lutas sociais”. “Como a Shell age, é como a BHP Billiton age, como a Petrobras, age”, disse. “Articulação é uma palavra-chave pra nós”, destacou Arthur.

De fato, diante de tanta opressão, da violência institucionalizada pela cultura petroleira, a união dos impactados, de todos os cantos do país e do mundo é uma questão de sobrevivência. “Eu me solidarizo com vocês”, declarou a pernambucana do Cabo Santo Agostinho. “E volto mais fortalecida”, agradeceu.

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